Metade da década de 1930. Marcel Mauss tem sessenta anos. No plano profissional é o "sucesso": acaba de ser nomeado professor do Collège de France depois de uma luta acirrada que o opôs ao clã dos católicos e a todos aqueles que não queriam ver a sociologia (durkheimiana) entrar na fortaleza. Mauss é também directeur d'études na Ecole Pratique des Hautes Etudes, Seção de Ciências Religiosas, e secretário do Instituto de Etnologia de Paris, fundado por ele em 1926. Aquele que nunca quis ser um modelo faz "escola" diante de alunos fascinados e desconcertados: "Ele sabe tudo", dizem eles. Nunca ele ensinou tanto: mais de nove horas de aula por semana. Seu brilho é internacional: convite para apresentar a Oxford Lecture, correspondência com antropólogos e sociólogos do mundo inteiro, principalmente ingleses e americanos, etc. É "a glória", como reconhece Paul Fauconnet quando Mauss é convidado para ir a Copenhague em 1938.
Em meados da década de 1930 dá-se a vitória - por longo tempo esperada - dos socialistas, o Front Populaire. Mauss conhece Léon Blum desde a década de 1900. Fiéis a Jaurès, Mauss e Blum militaram no Partido Socialista; no imediato pós-guerra opuseramse à criação do PCF e lutaram para conservar a herança de Jaurès no interior da SFIO. Mauss foi jornalista e administrador do Humanité,colaborou no La Vie Socialiste e participa ativamente, com Blum, da aventura do Populaire. A chegada de Léon Blum ao poder vem de alguma maneira coroar trinta anos de luta.
Tanto no plano profissional como no político, a década de 1930 pode parecer, para Mauss, uma espécie de apogeu. E no entanto... Fissuras aparecem, numerosas: um encargo pedagógico e administrativo muito pesado, problemas de saúde - seus e sobretudo de sua mulher-,dissensões no interior da SFIO e, como pano de fundo, a ascensão do fascismo. No seio de seu partido Mauss está entre os minoritários, com Renaudel e Déat, mas não pretende afastar-se nem filiar-se ao novo Partido Socialista da França em 1935. Já bem menos ativo, o "velho militante" encontra-se imobilizado, paralisado. Por outro lado, as obras que Mauss empreende - a que trata da Prece, mas também as que versam sobre o Bolchevismo e a Nação - ficam inacabadas. Seus trabalhos estão dispersos: "É provisório", queixa-se ele. Mesmo o relançamento do Année Sociologique fracassou e o futuro da nova fórmula dos Annales Sociologiques parece muito duvidoso. O herdeiro Mauss - ele é sobrinho de Durkheim - não consegue fazer frutificar sua herança. Finalmente, no plano pessoal, Mauss defronta-se com numerosos problemas: casa-se tardiamente em 1934 e pouco tempo depois do casamento sua mulher tem de ser hospitalizada devido a um acidente com gás. Mauss, também doente, transforma-se em enfermeiro. Em suma, de um lado a glória; de outro as dificuldades, para não dizer os fracassos.
No momento estou concluindo a redação da primeira biografia intelectual daquele que aparece como o pai da etnologia francesa. Esse trabalho me permitiu descobrir um grande número de textos pouco conhecidos (artigos de jornais e revistas) ou inéditos (conferências, manuscrito sobre A Nação) e também tomar conhecimento da correspondência pessoal (inclusive mais de quatrocentas cartas de Durkheim)(1). Gostaria hoje de 1) traçar um retrato tão completo quanto possível de Mauss - o erudito e o militante - e 2) isolar um dos "fios condutores" de sua vida intelectual e política. Esse fio, como indica o título de minha conferência, é a Dádiva, a dádiva de si.