Referência Bibliográfica
Ribeiro, José da Silva. (2007).
Filme Etnográfico e a Antropologia Visual/ Jean Rouch em Portugal: com
um aperto de mãos amigas, In; J. Rouch – Filme Etnográfico e a
Antropologia Visual, Pp: 6-5
Esta ficha de leitura resulta uma leitura feita ao texto com título: Filme etnográfico e antropologia visual, um texto que procura demostrar a relevância do filme etnográfico para compreensão de diversas culturas através das imagens. Entretanto o autor demostra o paralelismo existente entre o cinema e antropologia e a interdisciplinaridade que existe entre elas no processo de produção do conhecimento sobre uma determinada sociedade. Nesse sentido o texto está dividido em duas partes, onde a primeira descreve os principais fundadores do filme etnográfico seus métodos, e em seguida também demostra a sua complementaridade com antropologia.
O filme etnográfico ou cinema etnográfico é entendido no sentido mais amplo que abarca uma grande variedade de utilização da imagem animada aplicada no estudo do homem na sua dimensão social e cultural.
Em termos metodológicos Ribeiro (2007) o cinema etnográfico são muito variados e associados a tradições teóricas diferenciadas como meio e procedimentos utilizados, assentam em princípios fundamentais: uma longa inserção no terreno ou meio de estudado frequentemente participante, uma atitude não directiva fundada na confiança recíproca valorizando as falas das pessoas envolvidas na pesquisa, uma preocupação descritiva baseada na observação e escuta aprofundada independentemente da sua explicação das funções, estruturas e significados do que descrevem.
Nessa perspectiva a génese do filme etnográfico está associado ao nascimento do cinema, entretanto para Emilie de Brigard, o primeiro filme etnográfico foi realizado em 1895 por Felix- Louis Regnault, médico especializado em anatomia patológica. Nessa ordem de ideia, o mesmo autor faz referência que Piault que problematiza o nascimento do cinema e antropologia do terreno a expansão industrial europeia de que o próprio cinema e antropologia fazem parte
O filme etnográfico enquanto disciplina institucional foi nos anos 50 do século XX com especialistas de critérios reconhecidos (Brigard, 1979) e teve como primeiros autores, Jean Rouch, John Marshall. Entretanto com o inicio do filme etnográfico aparece com uma dupla vinculação dos antropólogos e antropologia (Marcel Griaule, Levi- Strauss) e ao cinema (Enrico Fulchignoni) Jean Rouch aparece como a síntese do antropólogo e do cineasta.
O filme etnográfico para os antropólogos serve como um meio educativo, nesse sentido, o termo etnográfico tem uma grande amplitude porque inclui todo tipo de documentários que representam um retrato de um aspecto cultural em representa o outro exótico se enquadravam na cultura ocidental. Portanto o filme etnográfico aparece mais associado ao cinema e ao cinema documentário do propriamente a antropologia enclausurando se em grupos fechados.
A expressão cinema etnográfico, a palavra etnográfica tem duas conotações distintas: a primeira o filme etnográfico seria a representação de um povo através de um filme. A segunda conotação do termo etnográfico é a de que há um enquadramento disciplinar específico dentro o qual foi realizado a etnografia, este enquadramento é em primeiro lugar o da etnografia enquanto descrição científica associado a antropologia.
A antropologia clássica fazia funcionar as imagens como um arquivo de uma enciclopédia sobre as sociedades não industriais, eram captadas segundo os programas da antropologia da época. Com o fim da segunda guerra mundial o filme começou a ganhar outras direcções e interesses por estar presente no seu próprio meio e não no meio das sociedades ditas exóticas, portanto tanto antropologia e sociologia ambas começaram a estudar os diferentes meios, campo rural e urbano, usando o filme etnográfico que é definido como um revelador dos modelos culturais.
Nesse sentido, a antropologia e etnografia decorrem primeiro lugar da ideia de que as culturas se revelam através de formas e símbolos visuais subjacentes aos gestos, cerimonias, rituais e artefactos situados em ambientes construídos e naturais.
Segundo Ribeiro (2007) o olhar etnográfico é uma dupla construção: propõe-se em mostrar o mundo e a forma de construir uma linguagem e como processo de construção uma linguagem, como actividade perceptiva fundada na atenção e orientação do olhar procura uma abordagem micro social. Segundo Malinowski (1993:77) apud Ribeiro os gestos, as expressões corporais, usos alimentares, os silêncios, os suspiros, os sorrisos, as carretas, propõe-se prestar atenção como revelador do todo.
A descrição etnográfica, etapa fundamental para antropologia não consiste apenas em ver, analisar, mas em mostrar, dizer ou escrever o que se vê, transformar o olhar em linguagem, portanto segundo (Laplantine 1996) os antropólogos tentaram compreender o olhar passado do visível ao legível. A antropologia era uma disciplina verbal, dependente das palavras de Mead, (1979) sobretudo quando o antropólogo contava apenas com a memória dos informantes.
Segundo Ribeiro o saber característico dos antropólogos nesta passagem do visível, do multissensorial ou experiência a linguagem há necessidade de estabelecer relações entre o que frequentemente era considerado como separado: a visão, o olhar, a memória, a imagem e o imaginário, o sentido, a forma, a linguagem.
Jay Ruby refere que alguns produtores e utilizadores de filmes etnográficos partem do pressuposto de que mostrar na sala de aula e na televisão imagens positivas das pessoas e dos processos sociais e culturais que não são familiares ao público tem um efeito humanizante, e aumenta a tolerância da audiência para as diferenças e a diversidade das culturas.
Com base nesta abordagem abre se pois um campo de investigação sobre o modo como pôs filmes etnográficos proporcionam aos públicos a percepção das culturas na sua diversidade ou como filme etnográficos comunicam com o público nos seus diversos de utilização na comunicação. Portanto trata se pois de problematizar não só na produção do filme etnográfico como uma questão investigável, mas também a forma como este estabelece a comunicação com o público, ou ainda como o público lhe atribui sentido, como se apropriam deles e os integram nos seus sistemas de crença e de conhecimento do outro.
Com base nesta problematização deve se tornar em primeiro lugar a relação com o terreno e no desenvolvimento de uma antropologia partilhada em que o público de seus filmes era em primeiro lugar os seus próprios actores, sujeitos de investigação. O segundo o público das imagens filmadas seriam a montadora que com o realizador procura dar sentido as imagens filmadas na construção da narrativa.
A reflexão que se pode fazer em torno da apropriação das imagens pelas pessoas filmadas, constitui uma outra forma de recepção, desencadeando frequentemente acessos debates como moi un noir e sobretudo cheroquines d”un été.
No que se refere ao paralelismo entre antropologia e o documentário, Ribeiro (2007) Dziga Vertov e Robert Flaherty são considerados por jean Rouch “pais fundadores”, “percursores geniais” do cinema etnográfico, chamando-o os de figuras totémicas. Nesse sentido a criação cinematográfica para Flaherty, Nanook of the North (1922) baseava-se em princípios semelhantes aos que orientavam, na mesma época, os trabalhos de Malinowski nas ilhas trobiand (1915-1918), longa duração de experiência no local, o tempo de contacto prévio, do conhecimento do objecto a filmar, criação de laços de confiança que permite a participação de pessoas filmadas, em fim a rodagem e visionamento e devolução das imagens as pessoas filmadas.
Nesse sentido, a importância da devolução das imagens as pessoas filmadas na condução de experiência de realização de filme. O filme desenvolve-se a partir do olhar do realizador, das análises partilhadas das imagens, das conversas com os habitantes, da sucessiva repetição das tomadas de vista. Nessa ordem de ideia, o objectivo final de antropólogo na investigação é não perder de vista, compreender o ponto de vista do nativo, a sua relação com a vida, a sua visão do Mundo, ( Malinowski).
Nessa linha de pensamento Fartley citado por Ribeiro (2007) o etnólogo sem o saber e sem o querer, dando talvez a maior lição de paciência e de tenacidade aos que se dedicam ao estudo dos outros homens. A sua pesquisa maníaca da autenticidade obrigava a contactos prévios prolongados precedendo uma observação minuciosa, uma tentativa de compreensão mútua que poucos etnográficos profissionais podem se gabar.
O outro aspecto importante levantado pelo autor, está relacionado com o contributo de Vertov para o filme etnográfico são muito diversificado. Primeiro a cidade, o cinema, a mudança, a tecnologia, a liderança política torna-se objecto do filme e do questionamento sociológico e antropológico. Segundo contributo é a pratica cinematográfica inserida num processo social e politico de mudança. nesse sentido, as praticas cinematográficas assentam em três princípios fundamentais: o cinema como processo de desvelar o real, actualidade, a vida quotidiana, utilizando técnicas de rodagem, de todas potencialidades das imagens em movimento, todas invenções e métodos susceptíveis de o fazer, o segundo a superioridade da câmara em relação ao olhar humano: terceiro uma concepção de montagem.
Nesse sentido, a câmara é um olho mecânico em perpetuo movimento, que liberta o homem da sua imobilidade, aproximando-se das coisas, penetrando nelas, deslocando se, atravessando multidões, caindo e levantando ao ritmo dos movimentos. Deste modo, o olhar mecânico procura as apalpadelas nos caos dos acontecimentos visuais um caminho para o seu movimento ou para as suas hesitações e experimenta, alongando o tempo, desmembrando os movimentos ou observando o tempo em si próprio.
Contudo Ribeiro (2007) descreve que Rouch identifica Vertov como um dos seus mestres, as suas teorias contem em potência todo o cinema de hoje, todos os problemas do filme etnográfico e antropológico, todos problemas do filme inquérido de televisão e o emprego de câmaras vivas de hoje. Não tendo realizado um filme etnográfico ou sociológico, desempenhou, no entanto, um papel determinante na reflexão e evolução do cinema documentário.
No que se refere a presença de Jean Rouch em Portugal antes de 1974, o pais mantinha coloniais, desde de 1960, uma guerra em todas as colónias portuguesas, os temas, as ideais de Rouch eram interdito em Portugal. Os estudos de terreno na área de ciências humanas eram controlados pelo regime geográfico de Orlando Ribeiro, a antropologia era quase exclusivamente ensinada no instituto de ciências sociais e politica marinha onde formavam administradores coloniais.
Nesta linha de pensamento, Rouch nas mesmas circunstâncias, terá produzido quase centenas de filmes mas esses filmes eram ultra secretos apenas entravam com facilidade na polícia e o cinema. Deste modo, a presença de Jean Rouch em Portugal de diversas vezes fez com que surgisse um intercâmbio ou troca de experiência com Jacques Arthuys principalmente com o super 8. Segundo Ribeiro (2007) Jean Rouch havia encontrado no formato super 8 uma ferramenta ideal para iniciar um programa de ensino dedicado a antropologia visual na universidade na França.
Estes ateliers viriam a ser realizados mais tarde 1978 e 1980 em Moçambique com objectivo de formar técnicas do cinema documentário os quadros e trabalhadores do centro de estudos de comunicação da universidade Eduardo Mondlane em Maputo. Esta formação foi realizada por um grupo de jovens cineastas, como é o caso de Miguel Alincar, Nadine Wanono, e foi coordenado por Jean Rouch. Durante a sua estadia em Moçambique, Rouch fez o filme Makwayela, composto de planos-sequência.
Este filme ou documento apresenta uma dança originária da África do sul, onde vários trabalhadores moçambicanos trabalhavam nas minas de ouro. Este filme chamou atenção de Arthuys e Rouch para a necessidade de fornecer aos moçambicanos ferramentas para o registo visual e sonoro da sua própria história e da efervescência que reinou entre 1975 -1980, durante as primeiras independências. Portanto o texto descreve como foi evoluindo o cinema e o filme etnográfica onde procura mostrar que filme etnográfico criou seus próprios métodos que são semelhanças aos métodos da antropologia como a observação participante, longa inserção no terreno. Deste modo, o texto também descreve o paralelismo existente entre o cinema e antropologia desde a sua formação até na actualidade.