sexta-feira, 8 de julho de 2016

Resenha “Os usos da diversidade”, de Clifford Geertz





Resenha “Os usos da diversidade”, de Clifford Geertz


Por Danielle de Noronha

GEERTZ, Clifford. Los usos de la diversidad. Barcelona: Paidós, 1996, pp. 65 – 92.

No texto “Os usos da diversidade”, Clifford Geertz reflete sobre o “futuro do etnocentrismo” e, ao mesmo tempo, sobre o papel do antropólogo nesta questão e sobre os usos e o estudo da diversidade. O ponto de partida é a suposta suavização da diversidade cultural, que dá lugar a um mundo formado por uma “variedade com espectro mais pálido e estreito”, marcado apenas de pequenas e sutis diferenças.

Geertz inicia seu pensamento a partir de um argumento de Claude Lévi-Strauss, desenvolvido no trabalho “Um Olhar Distanciado” (Le regard éloigné) do antropólogo francês. Em resumo, o argumento de Lévi-Strauss, que foi apresentado durante uma conferência da UNESCO de inauguração do “Ano internacional de luta contra o racismo e a discriminação racial”, em 1971, defende o etnocentrismo (utilizando outros termos) como uma ferramenta normal de manutenção das diferenças sociais. Tal raciocínio compreende que determinada cultura se perceba superior às demais e justifica que não seja possível enxergar em outra cultura considerada diferente – e, neste caso, inferior – algo que possa ser útil ou interessante para si própria. Nesse sentido, se naturaliza a diferença entre “nós” (somos quem somos) e “eles” (são quem são), e também o racismo, e coloca barreiras definidas entre as diferentes culturas. Assim, cada pessoa está presa a sua própria tradição cultural e só pode enxergar o outro – e a si próprio – desde esta perspectiva.

Geertz acredita que esse pensamento tem dominado os estudos sobre a diversidade cultural, mesmo que com diferentes abordagens, e que ele acaba apoiando-se na ideia de que a diversidade cultural fornece alternativas a nós em contraste com alternativas para nós. Isso é, outras crenças e estilos de vida poderiam ser adotados por nós apenas se houvéssemos nascido em outro contexto.

Porém, para Geertz, a questão da diversidade cultural deve ser compreendida de outro modo para englobar toda a complexidade que permeia o tema. Em primeiro lugar, para o antropólogo, o consenso universal para questões fundamentais não está próximo. Diferentes culturas e formas de ver o mundo são responsáveis por diferentes opiniões sobre assuntos comuns e isto provavelmente não mudará. Em segundo lugar, por mais que Geertz esteja de acordo de que somos influenciados pelo “nosso” lugar para compreender a nós mesmos e o mundo que nos rodea, ele acredita que o problema do etnocentrismo está em nos impedir de descobrir em que tipo de ângulo nos situamos em relação ao mundo, isto é, nos impede de ampliar a nossa visão e saber quem realmente somos.

O antropólogo pondera que as articulações do mundo social não estão divididas entre um nós perspícuo, com o qual temos empatia mesmo com as diferenças entre nós, e um eles enigmático, com o qual não temos empatia, por mais que finjamos que reconhecemos o direito à diferença. A sugestão de Geertz é que o sentido seja entendido como socialmente construído. O etnocentrismo obscurece as lacunas e assimetrias entre as pessoas e impossibilita que possamos mudar de ideia. Entretanto, a história de todos os povos está relacionada com a possibilidade de mudar de ideia, que também ocorre no encontro entre as diferentes culturas. Entender a diversidade hoje é saber que vivemos um processo de embaralhamento entre as culturas, em que as questões morais e éticas provenientes da diferença estão também dentro de “nós”. Para isso, ao invés de colocar fronteiras entre as diferenças, é necessário apreender o que significa estar no outro e, desta forma, no seu, para assim compreender como é possível contornar uma assimetria moral autêntica, sem necessariamente recorrer ao uso da força, isto é, daquele que possui mais poder. É necessário aceitar e buscar uma incursão imaginativa na mentalidade alheia.

O etnógrafo, segundo Geertz, é o principal conhecedor da mentalidade do outro em nossa sociedade e a etnografia é a grande inimiga do etnocentrismo. Ela coloca nós e eles num mesmo espaço, que de alguma forma já é comum, e não nos separa em diferentes planetas culturais. Para ele, o trabalho da etnografia é proporcionar narrativas e enredos para redirecionar nossa atenção, que nos tornem visíveis para nós mesmos, como parte de um mundo onde existem outros e também estranhezas com as quais teremos que aprender a lidar. E respeitar.

As diferenças podem ter fronteiras definidas, mas estão em espaços sociais irregulares. Geertz sugere que devemos pensar a diferença de um modo diferente, em que as distintas culturas possam ser entendidas como parte de uma grande colagem de diferenças justapostas. E, para isso, devemos fortalecer a nossa capacidade de imaginação e aprender a apreender o que não podemos abraçar.

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