Decisão da Associação Antropológica Americana de retirar a palavra “ciência” de seu plano de atuação de longo prazo acentua divisões internas da disciplina
Antropólogos estão em meio a uma confusão sobre a natureza da profissão e de seu futuro depois que a Associação Antropológica Americana decidiu, em seu recente evento anual, tirar a palavra “ciência” da declaração de seu plano de atuação de longo prazo.
A decisão trouxe à tona tensões que há muito tempo existem entre pesquisadores de disciplinas antropológicas baseadas na ciência – inclusive arqueólogos e antropólogos físicos e culturais – e membros da profissão que estudam raça, etnia e gênero e se vêem como defensores de povos nativos ou direitos humanos.
Nos últimos dez anos, ambas as facções passaram por uma amarga fase de combate tribal depois que o grupo mais ativo politicamente atacou trabalhos sobre os ianomâmis da Venezuela e do Brasil realizados por Napoleon Chagnon, um antropólogo de linha científica, e James Neel, geneticista falecido em 2000. Com as feridas desse conflito ainda abertas, muitos antropólogos da linha científica ficaram consternados ao saber, no mês passado, que o plano de longo prazo da associação não focaria mais no avanço da antropologia como ciência, mas sim no “entendimento público”.
Até o momento, o plano de atuação da associação era o de “avançar a antropologia como a ciência que estuda a humanidade em todos os aspectos”. O conselho executivo revisou este tópico no mês passado ao afirmar que: “O propósito desta associação deve ser o de fazer avançar a compreensão pública de humanidade em todos os seus aspectos”. E a declaração foi seguida de uma relação de subdisciplinas que inclui a pesquisa política. A palavra “ciência” foi removida de dois outros trechos na revisão da declaração.
A presidente da associação, Virginia Dominguez, da Universidade do Illinois, disse em e-mail que a palavra tinha sido retirada porque o conselho pretende incluir tanto os antropólogos que não identificam seus trabalhos com a ciência, quanto aqueles que o fazem. Ela acrescentou que a nova declaração poderia ser mais uma vez modificada caso o conselho receba boas sugestões para fazê-lo.
O novo plano de atuação difere da “declaração de princípios” da associação, que segue inalterada e ainda descreve a antropologia como ciência.
Peter Peregrine, presidente da Sociedade de Ciências Antropológicas, filiada à Associação Antropológica Americana, afirmou em e-mail aos membros que as mudanças propostas iriam minar a antropologia americana, e pediu aos seus pares que expressassem suas opiniões.
Peregrine, da Universidade Lawrence, de Wisconsin, disse em entrevista que remover a palavra ciência só faz estourar de vez as tensões entre os dois grupos. “Mesmo que o conselho volte atrás usando a palavra novamente, o leite já foi derramado e está por toda parte”, disse ele.
Ele atribuiu o ocorrido a um ataque realizado por duas correntes dentro da antropologia. Uma é a dos chamados ‘antropólogos críticos’, que vêem a antropologia como um braço do colonialismo e, portanto, algo que deve ser liquidado. A outra é a crítica pós-moderna da autoridade da ciência. “Boa parte disso é como o criacionismo, que rejeita argumentos e pensamentos racionais”, disse Peregrine.
As chamas foram ainda mais atiçadas pelos blogs, como o Psychology Today, de Alice Dreger, uma historiadora da ética da medicina. Em declaração sobre o evento da Associação Antropológica Americana em Nova Orleans, ela escreveu: “Os antropólogos que não são ‘cabeça de vento’ estão se sentindo absolutamente incomodados nesse ambiente que denigre a ciência e promove substancialmente o ativismo à coleta de informações e teorização científica.”
A associação é “uma organização muito atormentada”, disse Dreger durante entrevista. “Quando vou lá é como assistir um casamento ruim que devia ter terminado há anos”, disse ela, em menção aos dois grupos.
Dominguez, a presidente da associação, negou que antropólogos críticos ou o pensamento pós-moderno tenham influenciado a nova declaração. Ela afirmou por e-mail que estava ciente que antropólogos de linha científica já expressaram desaprovação pelos colegas de outros grupos. “Mas eles fazem isso por motivos intelectuais”, ela escreveu no e-mail. “Também tenho consciência de que eles se sentem uma minoria crescente nessa profissão, ou pelo menos dentro da associação e seus próprios departamentos, e a marginalização nunca é uma experiência agradável”.
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