Com a palavra, as crianças
Livro discute diferentes visões sobre a infância apresentadas pela antropologia
Mário Cesar Filho
O universo infantil pode surpreender muitos adultos. Afinal, o que é ser criança? Um ser imaturo ou um sujeito social, capaz de atuar ativamente nas relações em que se engaja? Para a antropóloga Clarice Cohn, autora do livro Antropologia da criança , reconhecê-la é assumir que não se trata de um “adulto em miniatura” ou de alguém que se treina para a vida adulta. É entender que, onde quer que esteja, ela interage ativamente com os adultos, outras crianças e com o mundo, sendo parte importante na consolidação dos papéis que assume e de suas relações.
Este livro traz um mapeamento das várias abordagens sobre antropologia da criança, desde os primeiros estudos dos anos 1930 até os mais recentes. A autora discute ainda algumas questões pré-concebidas, como a imagem de que a criança é um ser incompleto, a ser formado e socializado. A partir dos anos 1960, os antropólogos perceberam que a diferença entre crianças e adultos não estaria na quantidade do saber, mas na qualidade – ou seja, a criança não sabe menos, sabe outra coisa.
Outra discussão central da obra envolve a definição do que chamamos de infância. Para muitos especialistas, como o historiador francês Philippe Ariès, essa noção é uma elaboração social e histórica do Ocidente. Ela foi construída ao longo dos séculos na Europa, simultaneamente com mudanças na composição familiar, nos conceitos de maternidade e paternidade, no cotidiano das crianças e principalmente na fase da educação escolar.
A criança e a infância têm sido foco de análise de vários campos do conhecimento, como pedagogia ou psicologia. O olhar antropológico pode ajudar a fundamentar essas pesquisas, rever os modelos pedagógicos vigentes e oferecer novos parâmetros para a educação escolar. A antropologia se dedica a compreender o ponto de vista do objeto estudado – no caso, ela busca saber como as crianças vivem e pensam o mundo, respeitando seu contexto sócio-cultural. Para isso, o antropólogo recorre a técnicas como a etnografia, passa a conviver com seu objeto de estudo e experimenta as mesmas situações.
Em seu mestrado em antropologia pela USP, a autora de Antropologia da criança estudou a concepção de infância e aprendizado entre os Xikrin (fotos: Clarice Cohn).
A obra mostra ainda como diferentes culturas lidam com a criança e o sentimento de infância. A autora oferece diversos exemplos vivenciados por ela durante o trabalho de campo realizado entre os Xikrin, no Pará – a concepção de infância e aprendizado desses índios foi o tema de seu mestrado pela Universidade de São Paulo. No livro, ela conta que eles deixam de ser criança apenas quando têm seus próprios filhos.
Antropologia da criança faz parte da série ciências sociais da coleção Passo-a-passo, editada pela Jorge Zahar. Escrito em linguagem acessível, o livro se deixa ler com prazer e funciona como uma introdução ao tema para leigos e interessados em geral. Para quem quiser se aprofundar em algum dos temas abordados, a autora traz sugestões de leituras e referências bibliográficas comentadas.
Antropologia da criança
Clarice Cohn
Rio de Janeiro, 2005, Jorge Zahar Editor
60 páginas
Revista CIÊNCIA HOJE
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