quarta-feira, 16 de novembro de 2016

Mídia, história e discurso: repensando a África


Elaborado Por:  Paulo de Tarso M. Valerio

Introdução

É particularmente difícil para nós, brasileiros, comentarmos sobre África. O que sabemos sobre ela? Se perguntarmos a algum jovem do ensino médio sobre o grande Império de Gana ou Mali, ele saberia responder? Sobre os grandes comerciantes que atravessavam o deserto do Saara, ele teria algum comentário? Ou sobre as duas únicas nações que resistiram à colonização europeia? Possivelmente não. E não são só os jovens que não saberiam. Nós, universitários, não temos ideia do que se passou no continente, além do básico que nos é mostrado de maneira parcial nas escolas: tráfico de escravos e colonização europeia. Porque sabemos tanto sobre a Europa e sobre os Estados Unidos, mas tão pouco sobre a África? Isso ocorre somente no Brasil? Porque nossas livrarias possuem milhares de livros sobre História Geral, mas pouquíssimos sobre África? Onde está a História Africana?

Fomos educados para desconhecer a História da África. Fomos criados com a ideia de que, para conhecer a História Mundial, basta conhecer as civilizações ocidentais. Durante os vários anos de nossa educação, passamos pela África sempre de forma muito geral e estereotipada.  Sabemos que os escravos que trabalharam em nossos latifúndios eram africanos e que os grandes Impérios europeus colonizaram o continente, explorando seus abundantes recursos naturais e mão-de-obra. Sabemos brevemente que esses países ficaram independentes e que hoje sofrem de seca, fome, golpes militares, conflitos horrorosos e governos corruptos. Não é à toa que a maioria das pessoas despreza o continente, não tendo qualquer interesse em ir além do que se ouve nas breves chamadas de “mortes em massa na África” anunciadas pela mídia. Aliás, é esta, a mídia, que completa a enorme alienação que nosso sistema educacional nos impõe desde pequenos.

A mídia

Os meios de comunicação são uns dos grandes responsáveis por nossas percepções sobre a África. No Brasil, começamos pelo limitadíssimo número de referências ao continente. Em geral, é somente quando grandes crises humanitárias – como secas devastadoras e fome generalizada – assolam a África que os jornais noticiam alguma coisa. Às vezes, nem isso: quantos conflitos, massacres e genocídios já ocorreram no continente sem que a mídia tivesse se dado ao trabalho de publicar uma nota sobre o assunto? Quantas barbáries já foram cometidas – em geral com forte participação das potências ocidentais – e não tivemos nem ideia do que se passava? A questão fica ainda mais séria quando, além de não informar, os grandes jornais ainda distorcem fatos.

Vejamos a pirataria na Somália. O mundo inteiro ficou sabendo sobre os piratas somalis que sequestravam e saqueavam os navios mercantes que iam da Europa para a Ásia. Muitos se impressionaram com a volta de um dos crimes internacionais mais famosos da história: a pirataria. Mas o que de fato aconteceu? Nenhum noticiário se aprofundou no caso. Se o tivessem feito, teriam visto que, na mesma região, enormes navios pesqueiros europeus e americanos exploravam desenfreadamente as abundantes reservas de peixe. Os pescadores locais, que há séculos vivem na região, acabaram aos poucos perdendo seu meio de subsistência por conta da falta de peixe provocada pelos grandes navios pesqueiros e pelos galões de lixo europeu jogados nas praias somalis. Alguns desses pescadores, sem alternativas e para não morreram de fome, passaram a saquear os navios que ali passavam – uma das atividades mais lucrativas de um país devastado pela guerra civil. O caso exige uma análise socioeconômica e política muito mais complexa do que nos é passado de forma inconteste. Além desse caso, a mídia tão pouco noticia sobre os abusos das indústrias farmacêuticas, ou sobre como a ajuda internacional incentiva a corrupção dos Estados e desmonta produtores locais, ou mesmo sobre o tráfico de armas europeias, americanas e chinesas que abastecem os conflitos.

Mas porque a mídia internacional insiste em reforçar essa visão de uma África pobre, destruída pela guerra, fome e seca? Por que continua a predominar no mundo a imagem de uma África sem saída, cujos governos totalitários e democracias corruptas esvaziam os cofres públicos, deixando sua população totalmente à deriva dos grandes problemas sociais, como a miséria absoluta, o desemprego e a criminalidade? Por que ainda vemos a África como um punhado de tribos que se matam, minando qualquer tipo de desenvolvimento político e econômico? O que está por trás disso tudo? Como pensar de fato o desenvolvimento africano? É sobre essa problemática que traçaremos, nesse texto, algumas breves considerações.

Mudando nossa forma de olhar

Antes de tudo, para compreendermos o nosso objeto de estudo, precisamos seguir a recomendação do economista francês Sergei Latouche, e aplicarmo-nos uma descentralização cognitiva. Isso significa (nos esforçar para) deixar de lado todas essas concepções pré-concebidas pela mídia e por nosso sistema de ensino deficitário e procurar ver a questão africana com uma visão despida de preconceitos, com “olhos africanos”.

Primeiramente, retomemos nossa primeira indagação. Por que sabemos tão pouco sobre a História do continente? Cabe-nos lembrar que sempre predominou na África a tradição oral. Isso significa que as histórias no continente foram passadas de geração em geração, camuflando-se entre mitos, lendas e outras fantasias do imaginário popular. Eram poucos os registros históricos escritos. Até que os europeus chegaram e registraram o que viram, obviamente, sobre suas percepções. Durante a colonização, os europeus trataram de criar uma nova ciência para estudar melhor seus colonizados: a antropologia. No entanto, seus objetivos eram evidentes: legitimar as causas do invasor. Fortalece-se então a ideologia da dominação: o racismo. Ainda hoje herdamos essa visão racista da história africana. Dessa forma, compreendemos que as percepções que temos atualmente da África são resultado da visão eurocêntrica racista dominadora que prevaleceu. Mas os países africanos, após a Segunda Guerra Mundial, conquistaram um a um sua independência. E como ficou essa percepção da História?

O movimento de independência do continente foi bem diversificado. Alguns países travaram guerras sangrentas com seus ex-colonizados, como a Argélia e Angola. Outros conquistaram sua liberdade de forma pouco mais tranquila e pacífica, como Ruanda. Mas de forma geral, todos tiveram um resultado em comum: mantiveram relações de dependência com suas ex-metrópoles. As ex-potências europeias continuaram a ser hegemônicas e influentes no continente, tanto a nível político econômico como a nível ideológico e cultural. No entanto, destacaram-se lideranças intelectuais africanas diferenciadas no continente.

Joseph Ki-Zerbo, história e política          

Muitas das lideranças da independência se comprometeram a ir muito além do status quo político. Entre essas, destaca-se Joseph Ki-Zerbo. O intelectual da Burkina Faso revolucionou o pensamento africanista. Empenhou-se, como intelectual e homem político, a lutar pela busca de uma identidade do continente, mostrando que esta é resultado de uma evolução, de um progresso, e de lutas políticas e intelectuais. E tendo percebido que a África não poderia avançar no futuro se não conhecesse seu passado, desenvolveu-se como historiador, inspirando gerações dedicadas a resgatar a riquíssima história do continente e  de seus povos. É de seus esforços por uma História da África que descobrimos a importância do continente para o conhecimento da História Mundial. De seus esforços e lutas, herdamos a Coleção História Geral da África – o maior registro historiográfico do continente no mundo.  E nós, brasileiros, conquistamos algo ainda maior: uma lei que obriga o ensino de História da África nas escolas em todo o Brasil. Um importante passo para o conhecimento de nossa própria história e para o combate do preconceito racial. No entanto, não foi só a História que Ki-Zerbo revolucionou.

Retomemos então nossos questionamentos iniciais referentes à mídia. Como vimos anteriormente, a mídia desempenha um papel exemplar em construir uma determinada imagem da África. Mas por quê? O que está por trás disso? Ainda nesse texto, vimos que mesmo após a independência, os países africanos continuaram dependentes dos países europeus durante a Guerra Fria. Partamos desse ponto. Com a queda do muro e a consequente vitória dos Estados Unidos, o sistema capitalista prevaleceu. Para a África (e para a maior parte dos países do mundo) isso significou a exigência de entrar nos quadros do novo sistema. O então Secretário Geral das Nações Unidas Kofi Annan declarou que o modelo das Nações Unidas de governo era a democracia liberal, ou seja, com eleições livres e diretas de representantes. Todas as missões de peacebuilding instaladas no continente foram então obrigadas a adotar esse sistema de governo. Além disso, junto com o modelo político vinha o modelo econômico, condição fundamental para a entrada no sistema financeiro internacional – o neoliberalismo. As nações africanas, em sua maioria com altos déficits financeiros, foram obrigadas a adotar esse pacote. É interessante ressaltar que a comunidade internacional prezava (e continua prezando) muito mais o lado econômico liberal do que o lado democrático, como podemos observar no enorme número de ditaduras que, por satisfazerem os interesses econômicos americanos e europeus, são apoiadas e incentivadas por estes. Percebemos então o motivo da ação da mídia: legitimar essa inserção absoluta na ordem econômica internacional através da desqualificação do continente e de suas nações, de forma a mostrar ao mundo a “dependência” dos africanos em relação ao “mundo ocidental”. É exatamente dentro de todo esse contexto histórico que Joseph Ki-Zerbo defendeu sua grande ideia: a África deve ter um desenvolvimento endógeno.

Isso significa que, além de reconhecer sua própria identidade através do conhecimento de sua própria História, o continente africano deve se desenvolver. Para o burkino, todo intelectual deve ser também político. Dessa forma, os pensadores africanos devem pensar e lutar por um meio de se desenvolverem a partir de uma percepção africana. Devem buscar suas próprias soluções para seus próprios problemas e andar com seus próprios pés, sempre mantendo o diálogo com o passado. Isso não significa fechar completamente as portas para o Ocidente. Significa saber dizer não e aprender com este somente o que interessa, recusando os modelos pré-concebidos de desenvolvimento e que nada tem a ver com a realidade africana. Ki-Zerbo ainda complementa destacando a importância da união das nações africanas para essas conquistas, creditando no panafricanismo um meio de dar esse “arranque” para o seu próprio progresso.

Conclusão

Percebemos, portanto, que o discurso da mídia dominante é um discurso legitimador, assim como o foi em outro momento o da antropologia, destinado a manter na opinião mundial a imagem de que a África precisa do Ocidente, que é dependente de sua ajuda política, econômica e ideológica. Que é um continente doente, incapaz de seguir o desenvolvimento por suas próprias pernas, ficando sempre atrás do resto das economias. Mas o que de fato é a África?

A África é um continente de nações que muito aprenderam e muito tem a ensinar. De nações que, de acordo com o próprio Ki-Zerbo, têm uma “(…) vontade feroz de viver, de viver na alegria e na solidariedade com os mais fracos (…)” [1]. Sim, tem seus sérios problemas sociais, mas que é plenamente capaz de resolvê-los por si só, sem a ajuda internacional. É um continente que, através de lideranças fortes e união, deve se conhecer sempre e descobrir suas habilidades e seu próprio meio de se governar e desenvolver. Deve aprender em sua própria história meios pacíficos de resolver seus conflitos, já que, para o próprio pensador burkino, “os povos africanos são geralmente tolerantes e pacíficos, virtudes eminentemente democráticas.”[2]. A África deve aprender a dizer não aos velhos e novos dominadores, livrando sua própria população dos interesses abusivos e opressores das grandes empresas e instituições financeiras internacionais. Deve, enfim, mostrar ao mundo como é possível encontrar novas formas de governança, de resolução pacífica de conflitos e de justiça social através jeitinho eternamente africano: sua solidariedade e amor à Humanidade.

Referências

Boletim Especial CODESRIA. Nos 3 & 4, 2007

Documentário de Dani Kouyaté. Identité pour l’Afrique. Burkina Faso, 2005

PARIS, Roland. At war’s end: Building Peace After Civil Conflict. New York: Cambrigde University Press, 2004

PEREIRA, José Maria Nunes. Colonialismo, Racismo, Descolonização. Caderno Cândido Mendes – Estudos Afro-Asiáticos2. Rio de Janeiro, maio- agosto de 1978.

LATOUCHE, Serge “Pode a África contribuir para resolver a crise do Ocidente?” Trad. Acácio Sidinei Almeida Santos. IV Congresso Internacional de Estudos Africanos, Barcelona 12-15 de janeiro de 2004.

quinta-feira, 13 de outubro de 2016

Antropologia - O Contacto enquanto fricção interétnica


Antropologia: O Contato enquanto fricção interétnica

Depois 1960, após a observação da interação entre índios e não-índios, isto é, entre índios e a sociedade nacional, etnólogos brasileiros verificaram que as teorias que tentavam explicar o resultado dessa interação, como por exemplo, a teoria da aculturação, não eram mais suficientes.
           
Isto porque diferentemente de como preconizavam essas teorias, os índios brasileiros não perderam sua identidade étnica e nem  foram assimilados pela sociedade nacional. Nesse contexto, surge a teoria da fricção interétnica como uma crítica à teoria da aculturação e como teoria capaz de explicar tais resultados.
           
A teoria interétnica tem foco no estudo as relações sociais que acontecem dentro das sociedades que interagem, afastando a ênfase da orientação cultural para uma orientação sociológica, já que na interação, segundo a teoria, tais relações é que determinam os resultados observados, em relação à difusão, transmissão e assimilação do “patrimônio cultural”.
            
A concepção e abordagem de estudo da teoria interétnica é sistêmica, isto é, deve-se observar as sociedades que relacionam como um sistema, que se forma depois do contato, através de relações de oposição. Para Cardoso de Oliveira, após o contato, há uma existência co-participativa forçada entre duas sociedades dialeticamente opostas, que possuem interesses diametralmente opostos, o que acaba irradiando na mudança da economia, da ordem política e da organização social. Todavia, tais mudanças ocorrem porque cada grupo étnico acaba por reorganizar tais estruturas dentro de sua sociedade, de forma independente, com a finalidade de manter o curso do contato, de maneira ao menos razoável, dentro do sistema.
           
Desse modo, “as transformações sofridas pelas sociedades em contato interétnico não são os resultados da influência da cultura de uma sobre a outra, nem o produto de uma criação comum determinada pelos fatores postos em interação pelos grupos étnicos”.
           
Assim, a análise das relações sociais se torna mais importante para compreender o prognóstico das sociedades em contato do que o fator cultural. Portanto, para uma operacionalização da teoria é necessário que haja uma análise de três níveis determinantes das relações entre as sociedades: o nível econômico, o nível social e o nível político.
           
O nível econômico determina o grau de dependência do índio dos recursos econômicos potos ao seu alcance pelo não-índio e vice-e-versa. O nível social traduz-se na capacidade de manter um mínimo de organização, com a orientação dos membros para os fins, os quais são antagônicos. Já o nível político analise a natureza das relações de poder ou autoridade de um grupo sobre o outro, no sentido de dominação e reação.
      
É na interação que os níveis passam a se modificar, a se restruturar. O nível social tem uma preponderância na análise sistemática, porque ao representar  a orientação dos membros para fins antagônicos,  tem na persistência dessa orientação, frente aos interesses do outro grupo, uma forma de sobrevivência do grupo e que não o faz perder a identidade étnica.

LARAIA, Roque De Barros - Cultura um conceito Antropológico "Resumo"



Resumo da obra “Cultura: Um Conceito Antropológico” de Roque de Barros Laraia.

PRIMEIRA PARTE

No princípio da primeira parte, o autor mostra a preocupação de estudiosos em relação a outros povos e compara as várias visões desses pesquisadores de diferentes épocas, embora introduza a premissa de que são insuficientes as explicações do determinismo biológico e geográfico para elucidar o comportamento de tais povos, como afirmavam alguns desses estudiosos.

No primeiro capítulo, o autor deixa claro que compartilha do pensamento de que as diferenças genéticas/somáticas não determinam diferenças culturais, isto é, que o determinismo biológico não influencia o aprendizado e o engendramento de determinada cultura, processo denominado pelo autor como endoculturação.

A mesma linha de refutação é encontrada no segundo capítulo em relação ao determinismo geográfico, que hipoteticamente influenciaria a cultura dos povos, por se encontrarem em espaços físicos diferentes. O autor defende que a cultura age seletivamente e não casualmente e que através de centenas de estudos sobre vários povos, foi possível constatar que mesmo nos mesmos ambientes, haviam culturas diferentes e que existiam culturas bastante semelhantes em espaços físicos diferentes.
Já no terceiro capítulo da obra, o autor começa a discorrer da historicidade do conceito de cultura, dando continuidade após ter se referido a mesma no final do segundo capítulo como fator de diferenciação da espécie humana em relação às demais. O autor recorre, como ponto crucial, à definição de cultura proposta por Edward Tylor como sendo o “complexo que inclui conhecimentos, crenças, arte, moral, leis, costumes e quaisquer outros hábitos adquiridos pelo homem como membro da sociedade” , (LARAIA, 2001, Pág. 25), aludindo que tal conceito é uma síntese de vários pensamentos com a mesma linha ideológica, os quais se desenvolveram em vários estudos como os de John Locke, Turgot, Rousseau, autores que tentavam quebrar o raciocínio da relação entre natural e cultural, como domínios que se interagem diretamente. Em seguida, o autor trata das tentativas posteriores de clarificar o conceito
de cultura proposto por Tylor, bem como a definição dos limites desse conceito, o que chegou paradoxalmente a provocar uma confusão da conceituação e a sua desconstrução.

No quarto capítulo, o autor expõe a visão de Tylor sobre o campo da Antropologia Cultural equiparado às ciências naturais, isto é, segundo ele, de acordo com o estudo das culturas, pode-se verificar que esta também possui leis e características de ordem natural, organizadas e embasadas em alicerces elementares, como por exemplo, a "unidade psíquica da humanidade". Nesse contexto, Tylor defende que a Antropologia Cultural tem um objeto de estudo científico, assim como as demais ciências. A grande diversidade de culturas então seria explicada pelo grau desigual do processo de evolução, mas que mesmo assim apresentariam semelhantes características essenciais. Tais conclusões seriam descobertas através de uma análise comparativa histórica, levando-se em consideração os efeitos das condições psicológicas e meios ambientes, método mais tarde chamado de "particularismo histórico" por Boas.

Ainda no mesmo capítulo, o autor expõe as idéias de Kroeber e sua visão do ser humano como único ser capaz de criar seu próprio processo evolutivo, ao "superar o orgânico". Segundo Krober, ao invés de mudar o aparato biológico, a cultura é que seria adaptada aos diferentes ambientes ecológicos. Desse modo, o ser humano foi capaz de perpertuar a espécie ao longo dos anos e transformar todo o planeta Terra em seu habitat. Através da endoculturação, o homem aprende a romper as barreiras das diferenças ambientais e a dar vazão à criação. Assim, cada cultura tem o "gênio" que é capaz de produzir de acordo com suas possibilidades e necessidades. Nessa conjuntura, o autor então passa a refutar temas como os instintos humanos e supervaloriza o processo de comunicação como base para o desenvolvimento da cultura.

Já no quinto capítulo da obra, o autor começa a problematizar a origem da cultura como parte unicamente do ser humano. Nesse ponto, expõe algumas teorias, como a de Leackey e Lewin e o desenvolvimento da visão eteroscópia, bem como a capacidade de pegar os objetos com as mãos (fatores resultantes de uma vida arborícola); a de Pilebam e o bipedismo; Oakley e o desenvolvimento de um cérebro mais volumoso e complexo; Lévi-Strauss e a teoria da invenção da primeira norma; White e a elaboração dos símbolos; Ao final, o autor critica que tais teorias induzem a um aparecimento espontâneo do início da cultura, sendo partidário de que o aparecimento da cultura se deu contínua e lentamente, juntamente com o próprio
equipamento biológico.

As teorias modernas com a missão de restabelecer o conceito de cultura são explanadas no sexto capítulo da obra. O autor se vale do esquema proposto por Keesing, que divide as teorias em dois grandes grupos: as que tratam da cultura como sistema adaptativo (cultura como sistemas de padrões de comportamento socialmente transmitidos, analogia entre mudança cultural e seleção natural, tecnologia e economia de subsistência como bases e reguladores da cultura); e as teorias idealistas de cultura (cultura como sistema cognitivo, como sistemas estruturais, como sistemas simbólicos). O autor finaliza com a idéia de que delimitar o conceito de cultura é conhecer a própria natureza humana, revelando, pois, uma tarefa de perene reflexão humana.

SEGUNDA PARTE

O capítulo inicial da segunda parte traz diversos exemplos de como o ser humano, em decorrência da cultura, pode ter comportamentos diferentes, possuindo o mesmo aparato biológico. A princípio, alguns comportamentos fisiológicos básicos deveriam ser iguais por questões somáticas, como acontecem com os outros seres vivos, mas apresentam grandes diferenças em determinadas culturas, em decorrência do próprio processo de endoculturação, como por exemplo o riso, a sexualidade, o parto, o modo de comer, a própria comida e a visão do espaço,

O segundo capítulo abrange a influência da cultura em questões biológicas mais complexas, determinantes de saúde e de sobrevivência. Exemplos como perda de referências culturais (apatia), crenças, saudades e outros fatores podem interferir no plano biológico dos seres humanos e comprometer seu funcionamento somático equilibrado, levando-os muitas vezes à morte. Já em outros casos, as crenças e hábitos podem ser capazes de curar, restabelecendo o bom funcionamento biológico dos seres humanos. Talvez este seja o capítulo mais interessante da obra, pois revela como determinada cultura é capaz de transpassar barreiras somáticas através do processamento psicológico e solucionar problemas biológicos que em outras culturas pode não ser eficaz.

No capítulo seguinte, o autor demonstra que a participação de um indivíduo em sua cultura é limitada e diversa. Tanto as limitações como as participações do indivíduo em sua própria cultura podem ser determinadas por diferentes fatores como por exemplo
o sexo, a idade e costumes. Mais do que isso, esses fatores também podem diversificar e limitar papéis de maneira diferente em outras culturas, isto é, papéis desempenhados por determinados indivíduos de uma cultura podem ser desempenhados por outros em outra cultura. O autor ainda acrescenta que nenhum indivíduo é capaz e compreender o seu sistema cultural, mas que é necessário conhecer e englobar para si o essencial do mesmo para que se identifique e possa viver em harmonia consigo e com os demais.
            
O quarto capítulo dedica-se a explicar os princípios de juízos e raciocínios de cada cultura como sendo lógicos, por mais que pareçam ilógicos para as outras culturas. Acaba por tratar de que todas as culturas possuem a sua lógica Isto porque, nas palavras do autor, “Muito do que supomos ser uma ordem inerente da natureza não passa, na verdade, de uma ordenação que é fruto de um procedimento cultural, mas que nada tem a ver com uma ordem objetiva.” (LARAIA, 2001, Pág. 89). Assim, a compreensão do mundo em cada cultura é lógica.
       
A característica do dinamismo da cultura é tratada no capítulo quinto, tendo como causa principal a capacidade que tem o ser humano de questionar os seus próprios hábitos e modificá-los. Em outras palavras, a cultura é sempre alterada de forma mais rápida ou mais lenta, dependendo de cada cultura, isto porque o ser humano é capaz de rever SUS princípios e sempre busca uma forma de aperfeiçoá-los ou transformá-los. O autor ainda alude a dois tipos de mudança cultural: a interna ( resultante de uma catástrofe,  inovação tecnológica ou uma dramática situação de contato); e a resultante do contato de um sistema cultural com um outro.
Ao afirmar que todas as culturas estão sempre em constante mudança, o autor demonstra a importância de se entender tal processo, já que se poderá ser mais tolerável aos novos comportamentos e, além disso, com os comportamentos de outras culturas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A obra refuta veemente as correntes do determinismo biológico e geográfico como determinantes da cultura de um povo, e convence através de estudos empíricos e análises históricas (método defendido pelo autor) de que a cultura pode se desenvolver das mais variadas (e semelhantes) formas possíveis em qualquer lugar do mundo, sejam eles próximos ou longínquos .
           
A cultura é então vista como algo intrínseco ao ser humano, tendo vista que é um ser social. Não existe ser humano sem cultura,  e todos eles são capazes de aprender qualquer cultura, não importando sua raça ou origem. A cultura é tida como diretriz e formadora da visão de mundo de um indivíduo, que sem ela adoece, morre, como quando acometido de uma doença ou quando um órgão essencial para de funcionar adequadamente. E através dela que muitas vezes se curam e ‘e em nome dela que vivem, que se organizam e que buscam.
    
Não existe cultura superior à outra, nem mais desenvolvida, nem mais lógica. Todas elas possuem seus princípios válidos para seus respectivos indivíduos. Antes de tudo, todas as culturas têm o mesmo valor. 
           
As culturas são responsáveis pelo o homem ser capaz de transpassar os anos, sem a necessidade de modificarem-se somaticamente para resistirem às mudanças ecológicas. E por mais diversas que possam ser, todas obedecem regras elementares e genéricas, que podem ser estudadas com seriedade e cientificidade, para que se possa compreender a maior característica do ser humano, numa tentativa de se conviver pacifica e harmoniosamente.

quinta-feira, 6 de outubro de 2016

Antropologia Biológica


Antropologia Biológica

Antropologia biológica (também chamada de antropologia física) é o estudo da biologia humana dentro da evolução, com ênfase na interação entre a biologia e a cultura.

As origens da antropologia biológica ocorrem no século XIX, quando começou a existir um maior interesse por parte dos cientistas em relação à origem do homem. Dúvidas quanto a origem divina dos humanos, aliadas à descoberta de fósseis como os dos Neandertais foram fatos importantes que levantaram questões quanto à origem e antiguidade da espécie humana. O interesse em tais questões aumentou ainda mais com a publicação do livro “A Origem das Espécies”, de Charles Darwin, em 1859. Ainda no século XIX, a variação física observada em diferentes povos instigou os cientistas a descrever e buscar explicações sobre a diversidade biológica humana.

Atualmente, a antropologia biológica é composta de diversas subdisciplinas, como a paleoantropologia, a antropometria, a primatologia, a genética e a osteologia. Dependendo da subdisciplina, os estudos podem ser realizados em restos esqueletais humanos antigos, em povos viventes atuais, ou em ambos.

A paleoantropologia é o estudo da evolução humana através de fósseis de hominídeos. Deste modo, é possível identificar as espécies de hominídeos que existiram, estabelecer uma sequência cronológica destas espécies e testar hipóteses sobre suas adaptações e comportamentos.

A antropometria, que teria surgido do interesse dos cientistas do século XIX na variação física das diferentes populações humanas, utiliza medidas de partes do corpo humano. A osteometria é um caso particular, na qual se medem partes do esqueleto e a craniometria é outro caso, na qual as medidas de restringem apenas ao crânio. Através da antropometria, é possível verificar adaptações de certas populações ao clima (através de proporções distintas entre partes do corpo), por exemplo. Já a craniometria pode ajudar a elucidar as relações dos diferentes povos entre si, através de semelhanças cranianas.

O estudo de primatas não-humanos, ou seja, a primatologia, é um campo importante na antropologia biológica especialmente devido aos estudos comportamentais (socialidade, comunicação, cuidado parental, comportamento reprodutivo, etc.), que podem dar pistas preciosas sobre o comportamento dos humanos modernos e dos hominídeos fósseis. Ainda, o estudo do registro fóssil dos primatas possui implicações importantes para a evolução dos hominídeos e, portanto, para a nossa evolução.

O estudo do esqueleto, chamado de osteologia, é realizado tanto em esqueletos humanos relativamente recentes, quanto em fósseis. Por exemplo, através da osteologia, é possível estimar a estatura e os padrões de crescimento de populações passadas. A paleopatologia é uma subdisciplina da osteologia que investiga a incidência de traumas, doenças infecciosas e deficiências nutricionais que deixam alguma evidência nos ossos de seus portadores.

Finalmente, o estudo da genética é importante dentro da antropologia biológica, não apenas porque nos permite explicar como funciona o processo evolutivo, mas também porque é possível investigar as distâncias evolutivas entre as espécies de primatas atuais (incluindo humanos), por exemplo. Os estudos de genética populacional também têm sido usados para esclarecer a origem dos humanos modernos, assim como as relações das populações humanas entre si.

Antropologia é ciência? Parte de seus membros diz que não



Decisão da Associação Antropológica Americana de retirar a palavra “ciência” de seu plano de atuação de longo prazo acentua divisões internas da disciplina

Antropólogos estão em meio a uma confusão sobre a natureza da profissão e de seu futuro depois que a Associação Antropológica Americana decidiu, em seu recente evento anual, tirar a palavra “ciência” da declaração de seu plano de atuação de longo prazo.

A decisão trouxe à tona tensões que há muito tempo existem entre pesquisadores de disciplinas antropológicas baseadas na ciência – inclusive arqueólogos e antropólogos físicos e culturais – e membros da profissão que estudam raça, etnia e gênero e se vêem como defensores de povos nativos ou direitos humanos. 

Nos últimos dez anos, ambas as facções passaram por uma amarga fase de combate tribal depois que o grupo mais ativo politicamente atacou trabalhos sobre os ianomâmis da Venezuela e do Brasil realizados por Napoleon Chagnon, um antropólogo de linha científica, e James Neel, geneticista falecido em 2000. Com as feridas desse conflito ainda abertas, muitos antropólogos da linha científica ficaram consternados ao saber, no mês passado, que o plano de longo prazo da associação não focaria mais no avanço da antropologia como ciência, mas sim no “entendimento público”.

Até o momento, o plano de atuação da associação era o de “avançar a antropologia como a ciência que estuda a humanidade em todos os aspectos”.  O conselho executivo revisou este tópico no mês passado ao afirmar que: “O propósito desta associação deve ser o de fazer avançar a compreensão pública de humanidade em todos os seus aspectos”. E a declaração foi seguida de uma relação de subdisciplinas que inclui a pesquisa política. A palavra “ciência” foi removida de dois outros trechos na revisão da declaração.

A presidente da associação, Virginia Dominguez, da Universidade do Illinois, disse em e-mail que a palavra tinha sido retirada porque o conselho pretende incluir tanto os antropólogos que não identificam seus trabalhos com a ciência, quanto aqueles que o fazem. Ela acrescentou que a nova declaração poderia ser mais uma vez modificada caso o conselho receba boas sugestões para fazê-lo.

O novo plano de atuação difere da “declaração de princípios” da associação, que segue inalterada e ainda descreve a antropologia como ciência.

Peter Peregrine, presidente da Sociedade de Ciências Antropológicas, filiada à Associação Antropológica Americana, afirmou em e-mail aos membros que as mudanças propostas iriam minar a antropologia americana, e pediu aos seus pares que expressassem suas opiniões.

Peregrine, da Universidade Lawrence, de Wisconsin, disse em entrevista que remover a palavra ciência só faz estourar de vez as tensões entre os dois grupos. “Mesmo que o conselho volte atrás usando a palavra novamente, o leite já foi derramado e está por toda parte”, disse ele.

Ele atribuiu o ocorrido a um ataque realizado por duas correntes dentro da antropologia. Uma é a dos chamados ‘antropólogos críticos’, que vêem a antropologia como um braço do colonialismo e, portanto, algo que deve ser liquidado. A outra é a crítica pós-moderna da autoridade da ciência. “Boa parte disso é como o criacionismo, que rejeita argumentos e pensamentos racionais”, disse Peregrine.

As chamas foram ainda mais atiçadas pelos blogs, como o Psychology Today, de Alice Dreger, uma historiadora da ética da medicina. Em declaração sobre o evento da Associação Antropológica Americana em Nova Orleans, ela escreveu: “Os antropólogos que não são ‘cabeça de vento’ estão se sentindo absolutamente incomodados nesse ambiente que denigre a ciência e promove substancialmente o ativismo à coleta de informações e teorização científica.”

A associação é “uma organização muito atormentada”, disse Dreger durante entrevista. “Quando vou lá é como assistir um casamento ruim que devia ter terminado há anos”, disse ela, em menção aos dois grupos.

Dominguez, a presidente da associação, negou que antropólogos críticos ou o pensamento pós-moderno tenham influenciado a nova declaração. Ela afirmou por e-mail que estava ciente que antropólogos de linha científica já expressaram desaprovação pelos colegas de outros grupos. “Mas eles fazem isso por motivos intelectuais”, ela escreveu no e-mail. “Também tenho consciência de que eles se sentem uma minoria crescente nessa profissão, ou pelo menos dentro da associação e seus próprios departamentos, e a marginalização nunca é uma experiência agradável”.

Antropologia Forense - O que é?


Antropologia Forense

É a área científica que estuda as ossadas. Resulta da aplicação de conhecimentos de Antropologia às questões de direito no que diz respeito à identificação de restos cadavéricos (necroidentificação).

Através dos ossos, podemos obter dados sobre o sexo, idade, estatura do falecido e pormenores da vida que a pessoa teve (hábitos alimentares, algumas doenças, lesões, etc.)

Os achados em escavações podem ter diversas origens: cadáveres abandonados numa fase avançada de decomposição, corpos desfigurados resultados de mutilações, ou, cadáveres que possam corresponder a indivíduos vítimas de desastres em massa (acidentes de aviação, naufrágios, catástrofes naturais, etc.). 

Todavia, este estudo só fica completo se se conseguirem recolher dados que em termos comparativos possam individualizar a pessoa pois só com os dados relativos ao sexo, idade, proporções corporais é praticamente impossível identificar o cadáver.

“Apesar de todos os humanos adultos terem os mesmos 206 ossos, não existem dois esqueletos iguais”.

Técnicas:O trabalho de um antropólogo começa no local do crime e estende-se até ao laboratório. Dividindo-se parcialmente em três etapas:

1º etapa - Arqueologia forense. É feita uma escavação minuciosa do local onde se encontra o corpo.

2º etapa - Antropologia social. Consiste na recolha de informações em redor da área do crime (entrevistas às pessoas da região, consulta em arquivos municipais, eclesiásticos e militares, etc.)

3º etapa - Investigação laboratorial. Há uma aplicação de técnicas como a osteologia humana (área que se debruça sobre o estudo dos ossos que compõe o esqueleto), paleopatologia (ramo da ciência que se dedica ao estudo das doenças do passado) e tafonomia (estudo sistemático da evolução de fósseis). Pode ainda ser feita uma reconstrução facial do cadáver e superposição fotográfica.

Em Portugal esta área não é muito usada pois não é frequente encontrarem-se ossadas, uma vez que no passado não ocorreram grandes catástrofes, nem se verificam muitos crimes onde os corpos são escondidos ao longo dos anos.

Objetivos da Antropologia Forense:

Determinação da identidade do indivíduo:
                                    
Origem dos restos. A determinação da espécie do cadáver constitui um passo fundamental. É o primeiro passo que um deve tomar quando se confronta com qualquer material que se assemelhe a tecido ósseo.

Características gerais de identificação

Ø A determinação do sexo baseia-se no estudo comparativo das ossadas encontradas com dados de tabelas sobre a morfologia dos ossos. As características morfológicas de certos ossos diferem consoante o do sexo. Os ossos que melhor permitem identificar se a ossada é feminina ou masculina são: o crânio, a pelve e o tórax. 

Ø Para se poder obter a idade da ossada, há um conjunto de regras que variam consoante se trata de um feto, de uma criança ou de um adulto. A partir da informação acerca da classe etária que a pessoa pertence, podemos saber a sua idade. As análises feitas são: ao comprimento dos ossos longos e a ossificação de alguns ossos (como as suturas cranianas).

Ø A altura é calculada através da medição do esqueleto (método anatómico), por fórmulas matemáticas ou pelo estudo dos ossos longos.

Ø A determinação da raça é um processo muito complicado e pouco fiável. Porém pode ser caracterizada através do ângulo facial, forma do crânio, Índices cefálicos e índices rádio- umerais. A partir desta análise podemos determinar se o indivíduo é do tipo racial caucásico, mongólico, negróide, indiano, australóide.

Características individualizantes. São os aspectos específicos que podem caracterizar o indivíduo com base em elementos fornecidos por pessoas conhecidas da vítima. Esta comparação pode ser feita com base em estudos radiográficos, comparação fotográfica (sobreposição de imagem em computador, pesquisando-se a existência de concordância entre as linhas e curvas da face com pontos do esqueleto) ou reconstrução da face (modelagem das partes moles sobre o crânio, ou através de desenhos).

Determinação da data da morte
                                     
É um processo extremamente complexo pois muitas vezes os corpos estão num estado muito avançado de decomposição, estando em muitos casos esqueletizados.

A decomposição de um corpo depende de fatores como a temperatura do solo e a sua acidez.

- Quando um corpo é deixado à superfície a actividade dos insetos vai ocorrer imediatamente.

- Duas semanas depois, o corpo estará parcialmente decomposto (com algumas cartilagens e articulações)

- Ao fim de oito meses, estará decomposto na sua totalidade.

Se um corpo for queimado leva entre um a dois anos até ficar totalmente decomposto
Se for deixado em solos arenosos podem mumificar ficando então conservado.

Quanto mais tempo sucede desde a morte, mais difícil se torna de determinar o momento da morte.

O número e o tipo de ossos disponíveis na cena do crime podem ajudar a determinar há quanto tempo se deu a morte do indivíduo, por exemplo: ossos pequenos dispersam-se mais facilmente.

Determinação do modo e determinação da causa da morte
                                       
O modo e a causa da morte são conceitos diferentes. O modo da morte aborda o tipo de morte do indivíduo podendo ser: homicídio, suicídio, acidental, natural e desconhecida. A causa da morte, refere-se ao fator que na prática provocou a morte do indivíduo, ou seja, descrições como doença, ferimentos ou lesões.

Em indivíduos que se encontram no estado de esqueleto, a causa da morte só pode ser estudada relativamente a situações que deixem marcas nestas estruturas como as fraturas, ferimentos por armas de fogo ou marcas de intoxicações crônicas pelo arsênio, sendo o raio-X uma técnica muito importante.

Interpretação das circunstâncias da morte

Esta interpretação é bastante difícil, complicada e as suas conclusões são escassas pois estão limitadas à análise da existência, ou não, de sinais de violência e da interpretação da vitalidade de certas lesões.


Fonte: CIÊNCIAS FORENSES

OLIVA, Anderson Ribeiro - A África não está em nós



domingo, 18 de setembro de 2016

Michel Foucault - A História da Sexualidade 1 Vontade de saber (Resumo)


A História da Sexualidade 1 – Vontade de saber (Michel Foucault)

Trata-se de questionar a sociedade que, desde o século passado, se maltrata pela sua hipocrisia.
A Sociedade vive, desde o séc. XVIII, uma fase de repressão sexual. Nessa fase, o sexo se reduz à sua função reprodutora e o casal passa a ser o “modelo”. O que sobra torna-se “amor mal” – é expulso, negado e reduzido ao silêncio. Mas a sociedade burguesa se vê forçada a permitir algumas coisas. Ela restringe as sexualidades ilegítimas a lugares onde possam dar lucros – que, numa época em que o trabalho é muito explorado, as energias não podem ser dispensadas nos prazeres.
Para Foucault, essa repressão é chamada por ele de hipótese repressiva, mas ele destrói esse pensamento e formula uma nova hipótese, mostrando que certas explicações funcionem, elas não podem ser encaradas como as únicas verdadeiras.

A hipótese repressiva não pode ser contestada, já que serve para a sociedade atual. Para nós é gratificante formular, em termos de repressão, as relações de sexo e poder por muitos motivos. Primeiro porque, se o sexo é reprimido, o simples fato da repressão e falar do sexo ultrapassa todos os limites; afinal, aceitando a hipótese repressiva, se pode vincular revolução e prazer, se pode falar num período em que tudo vai ser bom: o da liberação sexual. Sexo, revelação da verdade, inversão da lei do mundo, são hoje coisas ligadas entre si. Mas insiste-se na hipótese repressiva pois, dessa forma, tudo o que se diz sobre sexo ganha valor mercantil. Certos psicólogos, por exemplo, são pagos para “ouvirem falar da vida sexual dos outros”.

Essa “hipótese repressiva” vem acompanhada de uma forma de pregação: a afirmação de uma sexualidade reprimida é acompanhada de um discurso destinado a dizer a verdade sobre o sexo. Foucault, no livro, interroga a hipocrisia da sociedade. A questão é contra nós mesmos, que somos reprimidos. A partir daí, ele propõe uma série de questões: a repressão sexual é mesmo uma evidência histórica, como se afirma? Serão os meios que se utiliza e o poder repressivo o mesmo? Será que são formas discretas de poder?

Não é que ele diga que o sexo não vem sendo reprimido; ele afirma que essa interdição não é o elemento fundamental a partir do qual se pode escrever a historia do sexo, a partir da idade moderna. Ele coloca a hipótese repressiva numa economia geral a partir do séc. XVII. Mostra que todos os elementos negativos ligados ao sexo (proibição, repressão, etc.), têm função numa técnica de poder e numa vontade de saber.

A hipótese de Foucault é que há, a partir do séc. XVIII, uma proliferação de discursos sobre sexo.
Ele diz que foi o próprio poder que incitou essa proliferação de discursos, através da igreja, da escola, da família, do consultório médico. Essas instituições não visavam proibir ou reduzir a pratica sexual; visavam o controle do individuo e da população.

É suposto que deve-se falar de sexo, mas não apenas como uma coisa que a ser tolerada, mas a ser gerida e inserida para o bem de todos, fazê-lo funcionar. “O sexo não se julga apenas, mas adiministra-se”. Regula-se o sexo, mas não pela proibição, e sim por meio de discursos úteis, visando fortalecer e aumentar a potência do Estado como um todo.

Um exemplo prático dos motivos para se regular o sexo foi o surgimento da população como problema econômico e político, sendo necessário analisar a taxa de natalidade, a idade do casamento, a precocidade e a freqüência das relações sexuais, a maneira de torná-las fecundas ou estéreis e assim por diante.

Pela primeira vez, o dinheiro e o futuro da sociedade eram ligados à maneira como cada pessoa usava o seu sexo. O aumento dos discursos sobre sexo pode, então, ter visado produzir uma sexualidade economicamente útil.

Também passou a despertar as atenções de pedagogos e psiquiatras. Na pedagogia, há a elaboração de um discurso sobre o sexo das crianças; na psiquiatria, são estabelecidas as perversões sexuais. Ao assinalar os perigos, despertam-se as atenções em torno do sexo como um “perigo incessante” – o que incita cada vez mais o “falar sobre sexo”.

O exame médico, a investigação psiquiátrica, o relatório pedagógico, o controle familiar – que aparentemente visam apenas vigiar e reprimir essas sexualidades – funcionam, na verdade, como mecanismos de incitação: prazer e poder. “Prazer em exercer um poder que questiona, fiscaliza, espia, investiga, revela; prazer de escapar desse poder. Poder que se deixa invadir pelo prazer a que persegue. Poder que se afirma no prazer de mostrar-se, de escandalizar, de resistir”. Prazer e poder reforçam-se.

“Dizendo poder, não quero significar “o poder”, como um conjunto de instituições e aparelhos que garantem a sujeição dos cidadãos num determinado estado. Também não entendo poder como um modo de sujeição que, por oposição à violência, tenha a forma de regra. Enfim, não entendo o poder como um sistema geral de dominação exercida por um elemento ou grupo sobre o outro e cujos efeitos, por derivações sucessivas, atravessem o corpo social inteiro. A análise em termos de poder não deve postular, como dados iniciais, a soberania do Estado, a forma de lei ou a unidade global de uma dominação; estas são apenas e, antes de mais nada, suas formas terminais. Parece-me que se deve compreender o poder, primeiro, como a multiplicidade de correlações de forças imanentes ao domínio onde se exercem e constitutivas da sua organização; o jogo que, através de lutas e afrontamentos incessantes as transforma, reforça, inverte; os apoios que tais correlações de força encontram umas nas outras, formando cadeias ou sistemas ou ao contrário, as defasagens e contradições que as isolam entre si; enfim, as estratégias em que se originam e cujo esboço geral ou cristalização institucional toma corpo nos aparelhos estatais, na formulação da lei, nas hegemonias sociais”. (FOUCAULT, 1993 pág. 88-89).

Pode-se afirmar, então, que um novo prazer surgiu: o de contar e o de ouvir.

Foucault constrói uma nova hipótese sobre a sexualidade humana. As sexualidades são socialmente construídas. Assim como a hipótese repressiva, é uma explicação que funciona. Cada um que aceite a verdade que lhe convém.

segunda-feira, 5 de setembro de 2016

Hélder Luís - Antropologia do Económico "Resumo"



Elaborado por: Hélder Luís



Introdução


O presente trabalho aborda acerca da antropologia económica, o seu contexto histórico, seu objecto, método, campo de actuação, abordagens económicas dos formalistas e dos substantivistas. Antropologia económica é a área de pesquisa académica que tenta explicar o comportamento humano usando tanto a ferramenta económica quanto da antropológica, está é praticada predominantemente por antropólogos. Existem três grandes correntes de pensamento no campo da antropologia económica: formalista, substantivista e marxismo. O objecto da antropologia económica é muito amplo e transcendente pelo que habitualmente se entende como económico em sentido restrito, ele é totalizador na antropologia até que se considere integrados nos distintos domínios da cultura e por conseguinte se analise a economia em sua relação com o parentesco, a organização social, a política, a religião e os sistemas de representação. Mas a economia se considera fixa pela sociedade e isto implica reconhecer que as funções económicas podem realizar-se através de diversos tipos de instituições reciprocas que se vê presente no económico e emprega muitas outras dimensões da vida social.

A Antropologia Económica

Para a percepção da antropologia económica é importante perceber o que entende-se por economia 


A economia é geralmente entendida através de dois significados diferentes, de um lado podemos tela como actividades, indicadores ou processo que tem haver como a criação, distribuição e consumo de bens e serviços ou seja uma área da cultura e segundo significado é atribuído em relação as acções motivado por cálculo busca racional para maximizar o benefício ou optimizar os meios de comunicação em relação a fim ("salvar"), isto é, uma forma de comportamento. Podendo estes ser tido como substantivista e formal. Segundo Molina citando (Polanyi, 195).


O Contexto Histórico da Antropologia Económica


No século XIX e inícios do século XX, antropologia tentou acomodar a economia com a tecnologia, assim foi chamado o início da antropologia económica, emergindo o início do debate substancial na economia e na antropologia, acerca do campo de pesquisa da economia, natureza de sistemas económicos e como deveriam ser estudados, assim chegando a um acordo: que a actividade económica é considerada como um processo social e também e necessário levar em conta a tecnologia considerando aspectos do sistemas económicos mas ela não sendo como o próprio sistema económico. 

Segundo Argemir (1998) a antropologia do económico surge em torno de grandes debates do saber económico entre o pensamento neo-clássico e o pensamento marxista. No que diz respeito ao pensamento neo-clássico está olha para a economia como uma esfera separada e com as suas próprias leis, propõem que o valor não depende das coisas mais sim das necessidades individual. Para Molina (2004) quanto ao pensamento marxista este faz uma critica a contradição que existe entre a classe dos proprietários capitalistas e assalariados com a determinação do trabalho como fonte do valor, esta posição e defendida por Karl Marx. Goderlier (1967) diz que também a antropologia política aparece paradoxalmente a economia política, antiga com uma das suas esferas particulares que esclarecem os mecanismos singulares das sociedades industriais modernas. Também por sua vez a antropologia económica toma a seu cargo a elaboração de uma teoria geral das diversas formas sociais da actividade económica humana. Todos os méritos vão primeiro antropólogo económico Malinowski, foi o pioneiro no campo da antropologia económica focalizando-se na no conceito do “ homem económico” e onde todas as teorias dele deriva, assim sustentado o quão a complexidade das actividades económicas das sociedades ditas primitivas poderia ser, como o comércio elaborada pode ser, e como detenção de direitos de riqueza se estabelecem/são. Malinowski foi além das preocupações normais de economia convencional para mostrar como a actividade económica estava intimamente associada a outros aspectos da cultura.

O Objecto e Método da Antropologia Económica


A antropologia económica tem por objecto as análises teóricas comparando os diversos sistemas económicos reais e possíveis. Para elaborar esta teoria, a antropologia económica extrai seu material de informações concretas dadas pelo historiador e pelo etnólogo sobre o funcionamento e a evolução das sociedades que eles estudam. Porque o estudo comparado pelos sistemas económicos é muito mais que uma necessidade histórica, imposta pela preocupação abstracta de entender o campo da economia política unificado sobre o corpo de princípios de uma hipotética teoria geral. É preciso antes de mais lembrar que está dupla exigência teórica e pratica de comparar os sistemas económicos diferentes vem se manifestando desde o nascimento da economia política clássica e por sua mesma razão de ser (idem 1967: 3-4). 

Os fisiocratas procuram buscar os princípios de uma economia racional enquanto natural, pelas estruturas e regras económicas do antigo regime herdadas do feudalismo, aparecendo como tabuas de progresso do comércio e produção, por conseguinte adequar a harmonia da sociedade. Sendo necessário o câmbio do edifício económico irracional para por o mundo de acordo com os princípios da razão natural. Se vê como consequência a noção da irracionalidade situada no centro de toda a reflexão económica, ser a mais necessária e a mais discutida de todas as categorias da economia política, supondo que se a antropologia económica é uma prolongação da economia política deve conduzir a uma renovação da noção de racionalidade económica (idem 1967: 5).

O Campo da Antropologia Económica


A antropologia económica apresenta-se como um ramo da antropologia que trata do funcionamento e da evolução dos sistemas económicos das sociedades primitivas e rurais.

Para afirmação deste campo da antropologia passou por algumas dificuldades entre as quais: a distinção entre antropologia económica e economia política. A dificuldade está na própria definição da antropologia. Umas vezes é definida de forma abstracta, de certa maneira totalitária, como sendo ciência do homem, outras vezes a antropologia é definida de maneira restritiva, mas próxima da sua prática real, como ciência “regional”.

Podemos classificar em três categorias os tipos de sociedade analisados pela antropologia; sociedade sem classes; formas primitivas de sociedades de classes; comunidades rurais que, embora integradas em Estados conservam traços da organização das sociedades arcaicas e mantêm-se ao lado de uma economia de mercado não mercantis de competição e de troca.

As Abordagens Económicas Formalistas e Substantivistas na Compreensão dos Sistemas Económicos


Tanto a abordagem formalista como substantivista estudam a economia como parte das sociedades humanas. Dentro de tal contexto, os formalistas consideram o individuo como a unidade básica que toma decisões económicas baseadas em benefícios económicos. A primeira definição é formal ao objecto que ela atribui a ciência económica é o estudo de toda a actividade finalista possuidora de uma lógica que assegure a sua eficácia frente a uma série de exigências pela combinação de um conjunto limitado de meios. 

E os substantivistas, por outro lado colocam o individuo no contexto da sua sociedade e cultura e sustentam que as suas decisões, são então não mais baseadas puramente no benefício económico, mas em outros factores culturais também. A definição formal da economia não perde todo interesse. O problema e saber até que ponto, nos diferentes modos de produção, os indivíduos e os grupos organizam as suas actividades de modo a maximizar vantagens sociais. A abordagem normal não permite analisar as propriedades do sistema económico e social que não são nem queridas nem muitas das vezes conhecidas dos seus agentes.

A Economia Baseada no Mercado


Nota-se que as abordagens formalistas e substantivistas ficam próximas quando discutem assuntos relacionados com as economias do mercado. A teoria formal sustenta que como as mercadorias são trocadas com base no preço parte de que o individuo faz as decisões de compra com bases nos benefícios que pode esperar gastar o montante acordo. Mas a abordagem substantivista concorda que está análise económica é válida, mais introduz uma dualidade afirmando que a teoria economia formal é apenas por pouco aplicável enquanto uma abordagem mais ampla deve incluir a forma como o individuo imerso em sua cultura e sociedade. 

Os Mercados institucionais


Os substantivistas afirmam que é relevante mesmo nas economias com base no mercado, embora concordando que a actividade económica estritamente definida por indivíduos possa ser explicada pela economia formalista ela examina os mercados institucionais e acha que os factores económicos clássicos nem sempre explicam a actividade económica nesses mercados, como por exemplo as decisões de contas feitas por empresas, organizações de governo sem fins lucrativos nos mercados institucionais são mais complexas. Outros factores que são mais que puramente benefícios económicos tais como política proteccionismo e preferências culturais muitas das vezes desempenham um papel importante. A teoria substantivista argumenta que é necessário considerar o contexto social e cultural da actividade do económico.

A Economias Centralmente Planejadas

A abordagem formalista é uma aplicação universal pois sustenta que, mesmo quando um individuo estiver limitado nas suas escolhas, como em economias planificadas ainda existem custos e benefícios económicos para as decisões económicas e o individuo sempre tomara tais decisões com base nesses custos e benefícios. A teoria substantivista sustenta que especialmente nas economias planificadas as decisões tomadas até mesmo em um nível individual não serão puramente económicas. Ela introduz factores relacionados a natureza das sociedades que existe em economias planificadas e argumenta que como resultado não existe nenhum método universalmente válido. 

A Economia no Contexto Primitivo

A economia formalista teve que se adaptar ao aplicar a abordagem universal para as culturas primitivas, visto que as populações pra agrícolas tiveram poucas actividades que qualificam o comércio. Os economistas formalistas aplicaram suas decisões para incluir benefícios culturais e sociais como base de decisões. Isso trouxe para mais perto a abordagem substantivista, que no entanto afirma que os factores culturais e sociais são exclusivos de determinadas sociedades e devem ser considerados isoladamente e não aplicados como parte de um quadro económico universal falso.

Conclusão


No final do trabalho notou-se que ao se estabelecer conexões entre a economia e a sociedade não podemos esquecer por um lado a própria relação que se estabelece entre as sociedades, o intercâmbio que existe entre elas e o processo de câmbio que transforma tais relações e intercâmbios. Em vigor se tem se diferenciando a antropologia dos económicos e a antropologia dos ecológicos mais essa ultima se considera parte integrante da primeira sendo que os temas interessantes e os problemas relevantes são diferentes para cada orientação.

Os antropólogos económicos se interessam apenas aos processos adaptativos, as analises dos fluxos energéticos. As respostas dos problemas humanos pelos câmbios ambientais. Enquanto os antropólogos ecológicos por sua parte dificilmente tratam de questões como a criação do valor, as transacções materiais, a utilidade marginal, as condições de reprodução da forca do trabalho. 

No sentido antropológico podemos associar a economia formalista a teoria evolucionista pela universalização das sociedades e a economia substantivista a teoria relativista por considerar as sociedades em parte, no sentido de que cada sociedade é uma sociedade.

Referências Bibliográficas


ARGEMIR, C. 1998 in: Antropologia económica. Barcelona: UAB.

GODELIER, Maurice. 1967 in: Ideias e Valores. Revista do Departamento de Filosofia da Faculdade de Ciências Humanas da Universidade Nacional.

MOLINA, José Luís. 2004 in: Manual de Antropologia Económica: UAB.

domingo, 4 de setembro de 2016

Hudson Weems - Africana Womanism: O outro lado da moeda


Africana Womanism – O outro lado da moeda
Publicado em 22/03/2012 por quilombouniapp


Africana Womanism – O outro lado da moeda

Cleonora Hudson-Weems[1]

Tradução: Naiana Sundjata

Revisão: UNIAPP

Com o peso das pressões raciais no século XX, as relações tensas dentre as mulheres desempoderadas também emergiram. Para abordar estas preocupações, a Africana womanism tornou-se um antídoto para a tensão atualmente enfrentada tanto por mulheres negras entre si, bem como para as relações entre masculino / feminino. A autora vencendora do Prêmio Nobel, Toni Morrison, capta a tensão das relações femininas, em particular, em seu discurso de abertura, “Meias-irmãs da Cinderela” no Barnard College, em 1980. Para apreender as idéias de Morrison, só neste momento, gostaria que pudesse ser substituido qualquer grupo em particular para as mulheres: mães / irmãs aqui, como negros, indígenas americanos, asiáticos, latinos, judeus, etc, diversos tipos de homens, que quase da mesma maneira que as mulheres ou as “meia-irmãs”, poderiam ser discriminados aqui simplesmente por causa de suas diferenças.

“Estou sinalizando para a violência que as mulheres cometem umas com as outras: a violência profissional, violência competitiva, a violência emocional. Estou sinalizando a disposição das mulheres para escravizar outras mulheres. Estou sinalizando uma crescente falta de decência que está matando o mundo profissional feminino.



Eu não quero perguntar, mas dizer a você para não participar da opressão praticada contra suas irmãs. As mães que abusam de seus filhos são mulheres, e uma outra mulher, não uma agência do governo, tem que estar disposta a segurar suas mãos. Mães que atearam fogo ao ônibus escolares são mulheres, e uma outra mulher, não uma secretaria, tem que lhes dizer para ficar juntas. Mulheres que bloqueiam a promoção de outras mulheres em carreiras são mulheres, e uma outra mulher deve vir em socorro da vítima. As assistentes sociais que humilham suas clientes podem ser mulheres, e outras colegas mulheres têm de desviar a raiva destas. Estou sugerindo que prestemos atenção a nossas sensibilidades para a consolidação de nossa ambição. Nós estamos nos movendo no sentido da liberdade e a função da liberdade está em justamente tornar outras pessoas livres também. Você está se movendo em direção à auto-realização, e a conseqüência da auto-realização deve ser a de descobrir que há algo tão importante quanto você e que esta coisa tão-importante-quanto pode ser a Cinderela – ou a sua meia-irmã .

Na jornada para a realização de seus objetivos pessoais, não se deve fazer escolhas baseadas apenas em sua segurança. Nada é seguro! A busca pela realização de suas ambições não pode ser feita em detrimento de sua meia-irmã. Ao empunhar o poder que é merecidamente seu, não permita que isso escravize suas irmãs. Deixe a sua força e seu poder emanarem daquele lugar em você que é nutrir e cuidar

Aqui, Morrison comenta a sua perplexidade na maneira cruel que as mulheres se tratam diariamente, em especial no local de trabalho. Sua declaração oferece reflexões profundas sobre a natureza e a fonte da ausência de irmandade por parte de muitas mulheres para com as outras, um fenômeno lamentável, que viola o próprio fundamento das relações femininas. Irmandade genuína entre irmãs é uma das dezoito características da Africana Womanism que defini em ‘Africana Womanism: Reclaiming Ourselves (1993)’. Esse é um dos componentes chaves para a sobrevivência humana, pois a segurança e a harmonia das mulheres é a força e a estrutura da sociedade e de todos seus participantes. Outras características da Africana Womanism[2] são autonomear-se e autodefinir-se, ser forte em conjunto com os homens em uma luta inteira e autêntica, flexibilizar os papéis no jogo, respeitando e reconhecendo espiritualmente seus pares masculinos, respeitando os mais velhos, sendo adaptável, ambiciosa, materna e nutridora.

Refletindo sobre o elemento geral da sobrevivência humana, deixe-me desviar por um momento para o outro lado da moeda, que é o sofrimento do homem africano, porque nossos destinos estão, de fato, entrelaçados. O dilema do homem africano é simbolizado no terrível caso do assassinato de Till, extraído de experiências interligadas, o que curiosamente demonstra a necessidade de uma troca entre homens e mulheres negras para a erradicação da opressão compartilhada. Um dos exemplos mais marcantes de violência racial e dominação cultural que encaramos é o linchamento brutal, em 28 de Agosto de 1955, de Emmett Louis “Bobo” Till, um garoto preto de apenas 14 anos de idade, por ter assobiado ingenuamente para uma mulher branca, de 21 anos, Carolyn Bryant, três meses antes do Dezembro de Rosa Parks (1 de Dezembro de 1955), que se recusou a abandonar seu assento no ônibus a um homem branco em Montgomery-Alabama, tornando-se assim o verdadeiro acontecimento catalisador do moderno Movimento dos Direitos Civis dos anos cinquenta e sessenta, e que, sem dúvida, preparou o palco para o boicote aos ônibus de Montgomery. Ninguém conta a história do garoto Emmett Louis. Apenas Mooty Rayfiled, um ativista dos direitos civis, líder da União Trabalhista e meu principal informante durante a pesquisa, trouxe este caso à atenção pública. Rayfiled, primo de segundo grau de Till, afirma que:

“Ninguém que tinha idade suficiente para ter consciência poderia esquecer daquela tranquila manhã de domingo, 28 de Agosto de 1955, quando a chama do Movimento dos Direitos Civis, que estava baixa, de repente brilhou na sequência dos relatórios de cada apresentador de TV e de rádio e de ligações telefônicas entre amigos dizendo que Emmett Louis Till, quatorze anos, tinha sido arrastado da casa de seu tio Moisés Wright no Mississippi, por dois homens brancos no meio da noite, portando armas. A esposa de um dos seqüestradores acusou Till de ter assobiado para ela em um supermercado. Quatro dias se passaram e os negros esperavam que o ocorrido não tivesse passado de um pesadelo. Mas, naquele quarto dia, a dura realidade vem à tona – o rio Tallahatchie, de 10 metros de profundidade, engoliu o corpo mutilado de Emmett Till. Robert Hodges, um pescador de dezessete anos, branco, ao ver dois pés apontando para cima, se aproximou do corpo com seu barco motor e o retirou da água. O garoto havia sido linchado, estava nu com um tiro na cabeça e tinha sido jogado no rio com um descaroçador de algodão de setenta libras amarrado em volta do pescoço com arame farpado.” (Hudson-Weems, Till, 131-132).

Dito isto, gostaria de retornar a questão original da moeda – A Mulher Africana e sua situação tripla. O que é Africana Womanism?

Nem uma conseqüência, nem um suplemento ao feminismo, Africana Womanism não é feminismo preto, feminismo africano, ou womanism de Alice Walker que algumas Mulheres Africanas vieram a abraçar. Africana Womanism é uma ideologia criada e projetada para todas as mulheres da ascendência africana. Baseia-se na cultura Africana, e, portanto, necessariamente incide sobre as experiências únicas, lutas, necessidades e desejos das Mulheres Africanas. Tece uma crítica endereçada à dinâmica de conflito entre: as feministas tradicionais, a feminista preta, a feminista africana, e Africana Womanist. A conclusão é que a Africana Womanism e sua agenda são únicas e separadas do feminismo branco e do feminismo preto, e além disso, à extensão da nomeação em particular, Africana Womanism difere do feminismo africano. (Hudson-Weems, womanism Africana, 24).

Observe a importância da terminologia – Africana Womanism não é nem feminismo, nem womanism, particularmente o womanism é muitas vezes mal interpretado como sendo o mesmo que Africana Womanism, apesar do fato de Walker definir uma womanist na introdução de seu livro, Em Busca dos Jardins de Nossas Mães, como:

Uma feminista preta ou feminista de cor … que ama outras mulheres, sexual e/ou não sexualmente. Aprecia e prefere a cultura das mulheres … [e que] às vezes ama os homens individuais, sexual e/ou não sexualmente. Comprometida com a sobrevivência e integridade de todo o povo, homens e mulheres … a Womanist está para a feminista como a púrpura está para a lavanda (xi, xii)

O fator culminante para a womanism e a womanist no contexto do feminismo e as feministas é oferecer uma diferença de tonalidade, enquanto que a Africana Womanism oferece uma agenda totalmente diferente, com um conjunto completamente diferente de prioridades para as Mulheres Africanas. Perceptivelmente, os editores da “Call and Response: A Antologia de Riverside da tradição literária afro-americana” identifica que “há pouca diferenciação entre as womanist, de Alice Walker e o feminismo ‘negro’, e em graus variados, do feminismo de modo geral, bem como em termos de agendas” (1378-1379). Assim, a definição dos termos acima está estabelecida. Uma vez que isto é entendido, deve-se anotar que ao identificar-se com uma terminologia particular, você também está automaticamente comprando sua agenda política.

Na cosmologia africana, o termo nommo significa a nomeação apropriada de uma coisa que a traz à existência. Os povos de África têm sido durante muito tempo impedidos não somente de se autonomear, mas, além disso, de se autodefinir. Em seu livro ‘A bem amada’, Toni Morrison reflete sobre essa situação peculiar entre os escravizados: “As definições pertenciam aos definidores, e não aos definidos” (Morrison, 190). A impotência dos negros durante a escravidão deve ser superada, sendo agora de extrema importância aproveitamos a oportunidade de tomar o controle desses dois fatores determinantes que, se interconectados em nossas vidas, poderão evitar o isolamento, degradação e aniquilação em um mundo perdido de ganância e violência.

Por que Africana Womanism e qual a sua relativização em relação ao feminismo moderno? Para começar, as prioridades das Mulheres Africanas são diferentes das prioridades de mulheres brancas, as feministas. A Africana Womanism é centrada na família enquanto que o feminismo é centrado na fêmea/mulher. Nossas prioridades são a raça, classe e gênero, enquanto a feminista se concentra em questões de gênero. Nós nos esforçamos pelo empoderamento da raça, a feminista, não importa qual a forma de feminismo, esforça-se para o empoderamento da fêmea. A feminista branca, Bettina Aptheker, analisa objetivamente estas diferenças básicas entre as mulheres negras e brancas em seu reconhecimento de que a primeira linha de ordem para as mulheres negras e suas comunidades é abordar o fator raça. Sua avaliação precisa da situação é a seguinte:

Quando colocamos as mulheres no centro de nosso pensamento, constituimos a criação de uma matriz histórica e cultural a partir da qual as mulheres podem reivindicar autonomia e independência sobre suas próprias vidas. Para mulheres da cor, tal autonomia não pode ser conseguida em condições de opressão racial e de genocídio cultural. Em suma, “feminismo”, no sentido moderno, significa empoderamento das mulheres. Para as mulheres de cor, tal igualdade, enquanto poder, não pode ocorrer a menos que as comunidades em que vivem possam estabelecer com sucesso sua própria integridade racial e cultural. (Aptheker, 19).

Aptheker deixa claro que tratar de questões de raça para mulheres negras é um pré-requisito para abordar as questões de gênero. O reconhecimento das diferenças na luta específica das mulheres brancas contra a dominação masculina branca dentro e fora de seu domínio privado e das mulheres negras em uma luta de libertação compartilhada com os seus pares do sexo masculino torna-se crucial para a discussão. Linda LaRue, cinco anos antes de  Bettina Aptheker, compreendeu os vários graus de dominação branca masculina em relação aos homens negros e mulheres brancas. LaRue diz: “os negros são oprimidos e isso significa excessivamente sobrecarregados, injusta, severa, cruel e duramente agrilhoados pela autoridade branca. As mulheres brancas, por outro lado, só são suprimidas, e isso significa que são verificadas, contidas e excluídas da atividade consciente e evidente. Esta é uma diferença” (LaRue, 218).

A partir do conceito de LaRue, oito anos  mais tarde, Audre Lorde advertiu-nos sobre a dinâmica do fenômeno de discriminação entre mulheres negras/mulheres brancas, mulheres negras/homens negros, e inter-relações negro/branco.  Este é particularmente o caso em que as mulheres negras errôneamente aceitam a noção que elas têm um traço comum compartilhado com as mulheres brancas como sendo igualmente subjugados por seus pares do sexo masculino, o que é uma evidência sobre como a psique da mulher negra, que aceita esta noção, pode impactar negativamente  a comunidade negra. As mulheres negras compartilham, proporcionalmente,  mais a opressão imposta aos homens negros pela sociedade, que a opressão imposta às mulheres brancas. De acordo com Lorde, mulheres negras e mulheres brancas não são as mesmas. Por exemplo, é muito mais fácil para a estrutura de poder colocar mulheres negras contra homens negros, não por serem homens, mas por serem negros. Portanto é necessário que as mulheres e homens negros saibam separar a todo momento as necessidades do opressor dos conflitos que são vivenciados internamente em nossa comunidade. Esses problemas não são enfrentados pelas mulheres brancas. Mulheres e homens negros têm compartilhado e ainda compartilham a opressão racista. Assim, temos compartilhado o desenvolvimento de defesas comuns que não podem ser duplicadas na comunidade branca.(Lorde, 118).



Este fenômeno de “opressão racista compartilhada” é dramatizada em ‘A bem amada’ de Toni Morrison, que eu exploro na Africana Womanism: partilham de um elo comum, como em “a história dela era suportável porque era dele também – para contar, para refinar e dizer de novo ” (Morrison, 99). Ambos foram vítimas de forma similar, utilizados como cavalos de trabalho e abusados como objetos dos caprichos sexuais de seus opressores. Como os leitores estão bem conscientes de que as mulheres em Bem Amada, representam as vítimas do “indizível destino a que a maioria dos escravizados do sexo feminino foram herdeiras”, eles também são conscientes de que este é um destino experimentado não apenas por mulheres escravizadas. (Samuels e Hudson-Weems, 94). Pelo contrário, os homens africanos também experimentaram a exploração sexual, o que valida a tese de que a exploração sexual e o racismo identificam mais a dinâmica da experiência Africana durante a escravidão do que a noção de exploração sexual e de gênero. (Hudson-Weems, Africana Womanism, 124).

No momento, vamos rever os primórdios corrosivos do feminismo para os Negros em meados do século XIX, quando a segregação racial e a opressão estavam na ordem do dia. Feminismo e Movimento da Mulher pelo Direito ao Voto teve seu início com um grupo de mulheres liberais brancas, que estavam preocupadas com a abolição da escravidão e a concessão de direitos iguais para todas as pessoas independentemente de raça, classe e sexo. No entanto, quando a XV Emenda da Constituição dos Estados Unidos foi ratificada em 1870, concedendo aos homens Africanos o direito ao voto e negando ainda esse privilégio para as mulheres – a atitude destas mulheres brancas, em particular, mudou em relação aos negros. Ao contrário das mulheres Negras, que estavam exultantes com essa vitória para a raça Negra, por saberem que a possibilidade do voto podeia melhorar as condições da comunidade Negra, as mulheres brancas em geral ficaram desapontadas, e com razão, pois o fato de terem assumido com benevolência a seguridade de cidadania plena para as pessoas Africanas acabaria por beneficiá-los. Assim, um movimento organizado entre as mulheres brancas da década de 1880 mudou o pêndulo de uma postura liberal para uma conservadora radical.

A Associação Americana Nacional do Sufrágio da Mulher (NAWSA) foi fundada em 1890 por mulheres brancas do norte; entretanto, “as mulheres do sul foram vigorosamente cortejadas por esse grupo” (Giddings, 81) o que demonstrou o crescimento do nacionalismo no final do século XIX. Partindo da postura original das mulheres em favor do sufrágio, Susan B. Anthony reuniu a organização NAWSA, protestando que o voto da classe média de mulheres brancas ajudaria os homens a preservar as virtudes da república da ameaça dos homens Negros, inferiores biologicamente e incompetentes, que com o poder de voto poderiam adquirir poder político dentro do sistema americano. Carrie Chapman Catt, líder sufragista conservadora ferrenha e outras mulheres em seu grupo social insistiram nos valores anglo saxões e supremacia branca. Quiseram unir-se com homens brancos para fixar o voto para brancos puros, excluindo tanto imigrantes pretos quanto imigrantes brancos. No livro de Peter Carrol e Noble Davi Livres, ‘The Free and the Unfreet’(os livres e não livres), Carrie Catt é citada:

“Há apenas uma maneira de evitar o perigo. Cortar o voto das favelas e dar-lhe as mulheres brancas. [Os homens brancos devem perceber] a utilidade do sufrágio para a mulher como um contrapeso à votação estrangeira, e como um meio de preservar legalmente a supremacia branca no sul do país.” (Citado em The Free and the Unfreet, 296).

Abraçando uma firme crença na inferioridade inerente aos Negros, estas mulheres acreditavam que estes não deviam ser autorizados ao direito do voto antes delas, como não aconteceu até 1920, na XIX Emenda. Embora seja compreensível que as mulheres brancas se sentiram excluídas da agenda política do direito ao voto, sua hostilidade racista e atitudes racistas para com os africanos foram injustificáveis e, portanto, não podem ser negligenciadas.

Como o feminismo é uma agenda política projetada para atender às necessidades e demandas das mulheres brancas, é plausível para esse grupo de mulheres, vítimas da opressão de gênero principalmente, adaptar-se a uma construção teórica com a finalidade de abordar as necessidades de erradicar a subjugação feminina em primeiro lugar. No entanto, colocar a história de todas as mulheres sob a história das mulheres brancas, atribuindo assim a posição definitiva à estas últimas, é um pouco presunçoso. Isso demonstra o máximo de arrogância racial em sugerir que a atividade autêntica das mulheres cabe somente a elas. É importante aqui estabelecer o verdadeiro papel da Mulher Africana como não participante de uma luta em separado, mas em conjunto com o Homem Africano nesta luta tremenda entre as raças. Para ter certeza, Frederick Douglass, ele próprio um forte defensor do feminismo, antes da assinatura em 1863 da Proclamação da Emancipação, compreendeu isto muito bem, como refletido em suas opiniões sobre os direitos das mulheres:

Eu sempre defendi o direito das mulheres ao voto, mas a reinvidicação dos Negros, neste presente, é uma necessidade mais urgente. A afirmação do direito da mulher ao voto não encontra nada, mas o ridículo. Não há nada de maligno no coração do povo em relação a elas, mas quanto ao direito dos Negros ao voto, todo o inferno está solto e a Ku Klux e Reguladores caçam e matam o homem Negro desavidado. O governo deste país ama as mulheres. Elas são as irmãs, mães, esposas e filhas de nossos governantes. (Douglas, 84).

Claramente, sua lealdade mudou quando a questão do direito do homem Negro ao voto tornou-se central para o poder político global na comunidade Negra. É, portanto, ridículo afirmar como feministas mulheres Africanas militantes como Lucy Terry, Stewart Maria e Watkins Frances Harper, líderes abolicionistas; Sojourner Truth, militante, porta-voz da abolição e do sufrágio universal; Harriet Tubman, líder da Underground Railroad (Ferrovia Subterranea); Ida B. Wells, militante anti-linchamento antes do século XX e até mesmo em alguma medida, Anna Julia Cooper, que pelo menos reconhece em, ‘A Voice from the South’(Uma voz do Sul) que “a causa das mulheres é a causa dos homens: (nós) emergimos ou afundamos juntos, diminuímos ou ascendemos, seremos escravos ou livres. (Cooper, 61). Além disso, Mary Church Terrell, presidente da Associação Nacional de Mulheres de Cor, afirmou que “não somos apenas mulheres de cor… deficientes por causa de nosso sexo, mas somos perplexamente ridicularizadas por causa de nossa raça. Não só porque somos mulheres, mas porque somos mulheres de cor.”(Freeman 531).

O resultado final é refletido na afirmação de Iva Carruthers, que resgatou em especial Parks da arena feminista, no início dos anos 80, afirmando que na experiência norte-americana o movimento feminista havia efetivamente deslocado a unidade Negra, tanto no contexto do movimento abolicionista, quanto no movimento de direito ao voto e no movimento dos direitos civis. E assim cruzamos os braços e permitimos que os brancos transformem Harriet Tubman e Rosa Parks em partidárias do feminismo Branco ao invés de defensoras da raça. (Carruthers,18). Coletivamente, todas estas afirmações anteciparam amplamente a ativista Nigeriana Taiwo Ajai, que, um século depois, sustentou que para mulheres de África a “emancipação é inatingível até que os direitos básicos sejam fornecidos a todo povo [Negro].” (Citado em Nitiri’s One is Not a Woman, 62-3).



É igualmente injustificável considerar escritoras Negras e suas personagens femininas como feministas (Negras). De acordo com a internacionalmente aclamada escritora nigeriana, Buchi Emecheta, autora de The Joys of Motherhood (As alegrias da maternidade), as mulheres são freqüentemente autoras e ainda estão sendo ignoradas pelos críticos do sexo masculino ou separadas em categorias como “feminista”, o que significa que suas obras não são avaliados da mesma forma que as dos autores do sexo masculino. “Meus romances não são feministas, eles fazem parte do corpus da literatura Africana e devem ser discutidos como tal… Eu falo de uma variedade de tópicos em meus romances que certamente não são feministas: a guerra, o colonialismo e a exploração da África pelo Ocidente, e muitos outros… Eu não me relaciono muito bem com feministas ocidentais e sempre discordo delas. Elas só estão preocupadas com questões relacionadas a elas, transpondo-as para a África. Feministas ocidentais estão muitas vezes preocupadas com temas periféricos e não focam sua atenção em grandes preocupações. Elas pensam que, centrando-se sobre questões exóticas do “terceiro mundo”, internacionalizam seu feminismo.” (Emecheta, 50)

Há também Their Eyes Were Watching God, de Zora Neale Hurston, cuja protagonista, Janie Mae Crawford, se envolve numa busca de 25 anos pelo homem certo, o que certamente não é uma agenda feminista. A protagonista, acreditando que a sua alma gêmea encontra-se com outras mulheres, apela: “Deus, por favor, não deixe que ele ame ninguém além de mim. Talvez eu esteja sendo tola, mas tem sido tão solitária essa espera. Tenho esperado durante muito tempo.” (Hurston, 180). Depois há So Long a Letter de Mariama Ba, cuja protagonista Ramautoule, insiste na centralidade da família: “Sou daquelas que realizam-se plenamente somente quando faço parte de um casal. Eu entendo sua posição e apesar de respeitar a escolha das mulheres liberadas eu nunca concebi a felicidade fora do casamento.(Mariama Ba, 56). Continuo convencida da inevitável e necessária complementaridade entre homem e mulher… O sucesso de uma família nasce da harmonia de um casal, como a harmonia dos vários instrumentos cria uma sinfonia agradável. O sucesso de uma nação depende, portanto, inevitavelmente, da família.”(88-89).

Além disso, há a Praise Song for the Widow (Canção em Louvor para a Viúva) de Paula Marshall e sua protagonista Ava Johnson, que, como Womanist Africana, vem a aceitar o seu nome autêntico – Avatara. ‘A bem Amada’ de Toni Morrison também aumenta esta lista, onde a autora fala da relação positiva entre homem e mulher através de um de seus personagens masculinos, Sixo: “Ela é amiga da minha mente.  Ela me reúne cara, ela reúne meus pedaços e os traz de volta para mim na ordem certa. Isto é bom, você sabe, quando tem uma mulher amiga de sua mente.” (272-273).

E, finalmente, há Disappearing Acts (Atos Desaparecendo) de Terri McMillan e seus protagonistas Zora e Franklin, todas as quais representam a massa de escritoras/romances negros que não devem ser considerados feministas, ou como tendo um agenda feminista. Um exemplo pungente do primado da família e da necessidade de priorizar a dignidade humana e paridade racial é a história de Ruth Mompati, uma ativista Sul-Africana, que relata sua experiência de ir a um grande auditório para falar sobre os inúmeros corpos decompostos de crianças mortas, vítimas do apartheid. Ela afirma que uma mulher Sul-Africana diante da situação relatada acima, encontra a ordem de suas prioridades em sua luta pela dignidade humana e direitos como mulher ditada pela luta política geral de seu povo, como um todo. A libertação nacional do Sul Africano Negro é um pré-requisito para sua própria libertação e emancipação como uma mulher e uma trabalhadora. (One Is Not a Woman, 112-13).

De certo, essa citação representa a firme opinião de Daphne Ntiri, uma estudiosa Africana perspicaz, especialista em assuntos da mulher. Ela sustenta que “a discriminação humana transcende a discriminação sexual… Os custos do sofrimento humano são elevados quando comparados a um único componente – obstáculo do sexo” (Ntiri, 6).

Essa idéia encontra-se também em The Black Woman Cross-Culturally, de Chioma Steady, que defende que para a mulher negra numa sociedade racista, fatores raciais, ao invés dos sexuais, operam de forma mais consistente em fazer dela um alvo de discriminação e marginalização. Isto se torna aparente quando a “família” é vista como uma unidade de análise. Independentemente do acesso diferenciado de homens e mulheres aos recursos, homens e mulheres brancas, enquanto membros de grupos familiares, compartilham uma quantidade proporcionalmente maior de recursos da terra do que os homens e mulheres negras. Há uma grande diferença entre a discriminação por privilégio e proteção e discriminação por privação e exclusão. (Steady, The Black Woman, 27-28). Aqui sua análise aborda a fonte de discriminação – o racismo, que as mulheres Africanas continuam a resistir.



De acordo com Hudson-Weems, há opressão sobre a mulher Sul-Africana, que trabalha como empregada doméstica e enfermeira em casas de brancos, ganhando salários mínimos; sobre a mulher caribenha em Londres, que é uma secretária ignorada, e à trabalhadora senegalesa ou Africana, desprezada e indesejada na França. Há a fazendeira de subsistência Nigeriana, tal como a mulher Ibo em Enugu e Nsukka, que cultiva todos os dias por um salário mínimo, e uma mulher brasileira operária, que está no mais baixo nível da escala social. Claramente, os problemas dessas mulheres não são infligidos sobre elas apenas porque são mulheres. São vítimas em primeiro lugar, porque são negras, são mais vitimizadas porque são mulheres que vivem em uma sociedade dominada por homens (Hudson-Weems, womanism Africana, 30).

Seja como for, os problemas das mulheres Africanas além do racismo, incluindo brutalidade física, assédio sexual, e subjugação do sexo feminino em geral, exercida tanto dentro quanto fora da comunidade Africana, em última instância tem que ser resolvidos numa base coletiva dentro de suas comunidades. Porque “os homens africanos, infelizmente, internalizaram o sistema patriarcal, em certa medida”, eles devem se reunir com os seus homólogos do sexo feminino e trabalhar para eliminar influências racistas em suas vidas em primeiro lugar, com a percepção de que eles não podem tolerar nenhuma forma de subjugação do sexo feminino (Hudson-Weems, womanism Africana, 63). Na mesma linha, Ntiri resume a posição de Mompati de que o sexismo “é basicamente um problema secundário que surge de preconceitos de classe e  raça ” (Citado em Africana Womanism, 5). Ainda que Steady seja falha em seu auto-posicionamento ( ou em estabelecer sua posição),  ela demonstra no entanto, um forte senso de prioridades na seguinte citação, que é claramente alinhada com o sentido de priorizar as questões raciais inerentes à Africana Womanism:

Independentemente do cargo, as implicações do movimento feminista para a mulher negra são complexas… Vários fatores colocaram a mulher negra à parte, tendo uma ordem diferente de prioridades. Ela é oprimida não simplesmente por causa de seu sexo, mas ostensivamente por causa de sua raça e, para a maioria, essencialmente por causa de sua classe. As mulheres pertencem a diferentes grupos sócio-econômicos e não representam uma categoria universal. Devido à maioria das mulheres negras serem pobres, não é provável que haja alguma alienação do movimento de mulheres proviniente de um aspecto de classe média, que percebe o feminismo como um ataque aos homens ao invés de um ataque a um sistema que prospera na desigualdade (Steady, The Black Woman, 23-24)

Além disso, em seu artigo Women in Africa and the African Diaspora (Mulheres em África e na Diáspora Africana), ela afirma ainda que:

Para a maioria das mulheres negras, a pobreza é um modo de vida. Para a maioria das mulheres negras o racismo também tem sido o obstáculo mais importante na aquisição das necessidades básicas para a sobrevivência. Através da manipulação do racismo, as instituições da economia mundial têem produzido uma situação que afeta negativamente os negros, especialmente as mulheres negras […] O que temos, então, não é simplesmente uma questão de diferenças de sexo ou classe, mas uma situação que, por causa do fator racial, foi moldada em escala nacional e global. (Steady, African Feminism 18-19).



Refletindo exclusivamente sobre a questão de gênero, é ingênuo para a Mulher Africana acreditar que, simplesmente por abordar questões de gênero, estará se engajando em atividades feministas, e, portanto, já que os problemas de gênero também são questões sérias para elas, passam a precisar do feminismo como meio de enfrentar estas preocupações. De fato, algumas estudiosas africanas vão além,  reivindicando que são “feministas originais”, insistindo que as mulheres negras eram feministas muito antes do feminismo, como se o próprio termo fosse essencialmente sagrado a ponto de que devessem ser identificadas ou conectadas a ele. Juram que não deixarão as mulheres brancas deterem o feminismo, travando uma batalha ridícula que revela claramente que o feminismo não pertence a elas, mas que muitas mulheres negras ainda insistem. Seja como for, a Africana Womanism também lida com questões de gênero, porque as feministas não detêm monopolio sobre as questões de gênero. Como ainda estamos operando dentro de um sistema patriarcal, atacar os viéses de gênero não pode traduzir-se em obrigatoriedade de identificação com ou dependência do feminismo/feminismo negro como o único meio viável de enfrentá-los, o que é, obviamente, a prática de muitas fiéis feministas negras em suas tentativas para validar a sua identidade. Seja como for, a psicóloga negra Julia Hare observou, em 1993, no livro The Black Issues in Higher Education (A questão negra no Ensino Superior), que as mulheres que estão chamando a si mesmas de feministas negras precisam de outro conceito que descreva o que são suas preocupações. A raça branca tem um problema de mulher, porque as mulheres eram oprimidas. As pessoas negras têm um problema de homem e de mulher, porque os homens negros são tão oprimidos quanto suas mulheres. (Hare, 15).

Obviamente Hare não era consciente do fato de que esta discussão já havia sido apresentada em arena pública pelos vários trabalhos sobre paradigma da Africana Womanism que apresentei em conferências nacionais, tais como o Conselho Nacional de Estudos Negros, em março de 1986 e 1988, o African Heritage Studies Association, em 1988, bem como a de 1987 e 1988 National Women Studies Association Conference. Estas apresentações públicas culminaram em dois artigos, 1989 – “Conflitos Culturais e de Agenda na Academia: Questões críticas em Estudos da Mulher Africana” no Jornal ocidental de Estudos Negros e “A condição tríplice de Mulheres Negras na Obras de Hurston e Walker” na revista de Estudos Negros.

Na verdade, a questão é que a maioria das mulheres negras não são feministas/ feministas negras, mas sim Mulheres Africanas ativistas, cujas ações são melhor caracterizadas por atividades baseadas na raça, conforme descrito na Africana Womanism. De acordo com Patricia Liggins-Hill, editora geral de Call and Response: “De todos os modelos teóricos, o de Hudson-Weems é que melhor descreve a perspectiva de base racial de muitas defensoras dos direitos das mulheres negras, começando com Maria W. Stewart e W. Frances Harper no início do século XIX (1370).” Na verdade, as Mulheres Africanas ativistas podem ser vistas como modelos para outras teorias de gênero, em algum grau. Por exemplo, as mulheres negras não têm ficado caladas e sem voz, como parece ter sido o caso das feministas em geral, que aspiram essa qualidade e, assim, tornaram “quebrar o silêncio” e “encontrar a voz ” objetivos importantes para elas. Esta necessidade é expressa por Betty Friedan, em The Feminine Mystique, onde  ela descreve o sentimento de desencanto com o trabalho familiar penoso por parte de mulheres brancas e seu desejo de ser livre, afirmando que há uma agitação estranha, um sentimento de insatisfação, um anseio que as mulheres brancas sofreram em meados do século XX nos Estados Unidos. Cada esposa suburbana lutou sozinha contra isto enquanto fazia as camas, ia ao supermercado, encerava os móveis, comia sanduíches de manteiga de amendoim com as crianças ou deitava ao lado do marido durante a noite, ela tinha medo até de perguntar a si mesma a questão silenciosa – isso é tudo?  (Friedan, 11). Esta dificilmente seria a reação de mulheres negras, que responderiam prontamente que se isso é tudo que elas poderiam esperar de um relacionamento, então o relacionamento estaria em apuros.



Apesar da posição geral na academia, Mulheres Africanas não vêem os seus homólogos masculinos como seu principal inimigo, como o faz a feminista branca, que está travando uma batalha milenar com o seu homólogo por subjugá-la como sua propriedade. De acordo com a primeira mulher dramaturga da Nigéria, ‘Zulu Sofola:

Isto [o sistema dicotômico de gênero entre homens e Mulheres Africanas] não é uma batalha onde a mulher luta para conquistar alguns poderes dos homens, mas [que], conseqüentemente, ajustou-se ao perpétuo conflito de gênero que tem envenenado agora a saudável ordem social anterior de África tradicional. (Citado por Sofola em Africana em womanism, 47).

Além disso, contrariamente a necessidade das feministas brancas de serem iguais aos homens, como seres humanos, as mulheres negras sempre foram iguais aos seus pares do sexo masculino, apesar das tentativas de alguns homens africanos de subjugá-las em alguns níveis. De acordo com Angela Davis, em Mulheres, Raça e Classe:

O tema que sobressai da vida doméstica nas senzalas [americanas]  é de igualdade sexual. O trabalho que os escravizados realizaram pra si próprio e não para o engrandecimento de seus mestres foi realizado em termos de igualdade. Dentro dos limites de sua vida familiar e comunitária, portanto, os negros transformaram essa igualdade negativa que emanava da opressão que sofreram igualmente enquanto escravos em uma qualidade positiva: o igualitarismo que caracterizam suas relações sociais. (Davis, 18).

Além disso, durante a escravidão americana, as Mulheres Africanas foram tão duramente tratadas, física e mentalmente, assim como seus pares do sexo masculino, o que invalida o alinhamento de Mulheres Africanas e mulheres brancas como iguais na luta. Basta refletir sobre a fala “Eu não sou uma mulher?”, de  Sojourner Truth, em 1852; oração não solicitada que ela fez na Convenção de Direito das Mulheres, exclusivamente branca, em Akron, Ohio:

“Bem, crianças, onde existe muita bagunça, deve ter alguma coisa fora da ordem, Eu penso que tanto os negros do sul, quanto as mulheres no norte, estão falando sobre direitos.O Homem Branco logo estará com problemas. Mas o que tudo isso quer dizer? Aquele homem ali em cima diz que as mulheres precisam ser ajudadas a subir nas carruagens, e que devem ser ajudadas a passar pelas poças e que devem ter os melhores lugares em qualquer situação. Ninguem me ajudou com carruagens, ou poças de lama, ou a chegar num lugar melhor. E não sou eu uma mulher? Olhem para mim! Olhem para o meu braço! Tenho arado e plantado e nenhum homem poderia dirigir-se a mim! E não sou eu uma mulher? Eu poderia trabalhar tanto e comer tanto quanto um homem e receber chicotada também! E não sou eu uma mulher?” (Truth, 104).

De fato, as tarefas infindáveis da mulher africana as aguardavam dentro e fora de casa. Por certo, homens e mulheres africanas foram parceiros iguais na luta contra a opressão desde o início. Novamente, eles não poderiam bancar a divisão baseada no sexo. Em algumas sociedades tradicionais, a dominação masculina era uma característica, mas na experiência de escravização Africano-Americana, homens e mulheres africanas eram vistos da mesma forma por parte dos proprietários de escravos, negando desse modo, as noções tradicionais (tanto Africanas quanto européias) de papéis masculinos ou femininos.

A socióloga negra Joyce Ladner, em Tomorrow’s Tomorrow (O amanhã do amanhã), também comenta a opinião sobre a opinião das Mulheres Negras, que não vêem o Homem Negro como seu principal inimigo: “As mulheres negras não percebem os homens negros como inimigos, consideram como o inimigo as forças mais amplas e opressivas da sociedade que subjugam os homens, mulheres e crianças negras”. (Ladner, 277-278).

Portanto, o homem negro não tem poder institucional para oprimir suas mulheres ou qualquer pessoa com a mesma intensidade que fazem os homens brancos, no caso de suas mulheres e pessoas em geral. Na análise final,  “mulheres e homens africanos eram iguais no sentido de que nenhum gênero exercia poder econômico sobre o outro” (Boulin, 49). Dadas estas realidades, o argumento de Germaine Greer de que “os homens são o inimigo, eles sabem disso – ou pelo menos eles sabem que há uma guerra dos sexos acontecendo, normalmente uma de caráter frio”, parece inaplicável à circunstância das Mulheres Africanas e da comunidade africana em geral (Lashmar, 33).

Hoje, as Mulheres Africanas devem insistir que são parceiras iguais em relacionamento, e que a subjugação feminina passiva não foi, nem estava e nem é norma em sua comunidade. De acordo com Morrison, em What the Black Woman Thinks About Women’s Lib (O que a mulher negra pensa da liberação da mulher):

… durante anos as mulheres negras aceitaram essa raiva, mesmo considerando essa aceitação como um dever desagradável. Mas, ao fazê-lo, frequentemente se queixavam, e parece nunca terem se transformado nas verdadeiras escravas que as mulheres brancas vêem em sua própria história. (Morrison, 63).

De fato,  as Mulheres Africanas não tem essa sensação de impotência de que falam as mulheres brancas, nem foram silenciadas ou tornadas áfonas por seus pares masculinos, como é a experiência mais marcante das mulheres brancas. Os rótulos ‘matriarca negra’, ‘safira’ e ‘vadia’ atribuidos a mulher africana para descrever sua personalidade e caráter contradizem nitidamente a noção da mulher africana como muda ou impotente. Além disso, ao contrário da mulher branca, a mulher africana nem foi privilegiada, nem colocada em um pedestal para ser protegida e apoiada.

Em conclusão, como eu refleti, em meados dos anos 80, no estágio embrionário de ‘Africana Womanism’, que era anteriormente referido como ‘black womanism’, achei necessário nomear e definir as verdadeiras preocupações, prioridades e atividades das mulheres negras. Como participei de diálogos internacionais em conferências internacionais, pautando as Mulheres Africanas e o seu verdadeiro papel dentro do movimento feminista moderno, tornou-se evidente para mim que as Mulheres Africanas devem comprometer-se globalmente, em suas vidas privadas e públicas, a apoiar suas contra-partes do sexo masculino para a segurança de suas famílias e comunidades como prioridade número um. Refletindo sobre a história do povo africano e sobre as mulheres em particular, minha conclusão foi que durante séculos as mulheres de África se engajaram em atividades Africana Womanist, demonstrando uma priorização de raça como ativistas coletivas e que esse legado remonta ao rico legado da feminilidade africana. Assim, a existência desse fenômeno – Africana Womanism -, não o nome em si,  não é nova, mas sim uma prática que remonta à África. Para ser mais precisa, Africana Womanism tem como modelo as mulheres guerreiras africanas e move-se no sentido de criar um paradigma em relação a este antigo legado de ativismo das Mulheres Africanas.  Os resultados, nas palavras de Delores Aldridge, em ‘Towards Integrating Africana Women into Africana Studies’ (Rumo a Integração da Mulher Africana em Estudos Africanos) é que trata-se de um “trabalho revolucionário em Africana Womanism, já que não tem paralelo como uma nova forma de compreensão da mulher africana (196). E assim, ao nos voltarmos globalmente para a luta coletiva e liderança do povo africano pela sobrevivência de toda nossa família/comunidade, não nos esqueçamos de nossos pontos fortes do passado, na verdade, o rico e glorioso legado de nossa ancestralidade africana e, de fato, o rico legado da feminilidade Africana.



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Clenora Hudson-Weems “Africana Womanism: the flip side of a coin“. Western Journal of Black Studies, The. FindArticles.com. 30 Jul, 2011. http://findarticles.com/p/articles/mi_go2877/is_3_25/ai_n28890867/

[1] Cleonora Hudson-Weems é professora de inglês na Universidade de Missouri – Columbia,  autora de Africana Womanism: Reclaiming Ourselves (Recuperando-se) e Emmett Till: The Sacrificial Lamb of the Civil Rights Movement (Emmett Till: O Cordeiro Sacrificado do Movimento dos Direitos Civis), desenvolvido a partir da sua dissertação de doutorado em 1988, a primeira a tomar posição sobre o linchamento brutal de Till, em 28 de agosto de 1955, como o verdadeiro catalisador do movimento moderno dos Direitos Civis. Ela é co-autora de Toni Morrison, o primeiro livro da autora a ganhar o Prêmio Nobel. Seu próximo livro editado é o Contemporary Africana Theory and Thought (Teoria e Pensamento Africanos Contemporâneos). Seu roteiro de filme, Emmett, está com um produtor de Hollywood, o filme rodará pela Media Firelight em Nova York, baseado em seu livro Emmett Till.

[2] “Woman” significa “mulher” em inglês. Optou-se por manter os termos no original.