domingo, 10 de dezembro de 2017

Breve Introdução à História da Antropologia


História da Antropologia

A Antropologia é uma ciência que se encarrega do estudo da diversidade cultural encontrada entre os seres humanos e estuda a relação entre indivíduos, e a relação de indivíduos com os seus meios envolventes, tendo como foco o conceito de cultura.

A antropologia foi reconhecida recentemente (em termos históricos) como uma ciência autônoma. Todavia, antes disso, era identificada como um ramo da história natural e narrava a evolução do homem de acordo com o conceito civilizacional.

Além disso, podemos dizer que este saber foi um instrumento de dominação (principalmente europeia, à época), uma vez que legitimava a dominação das metrópoles colonialistas sobre os povos conquistados.

Esse fenômeno, chamamos de "Etnocentrismo Eurocêntrico", pois tinha a civilização europeia como medida para todos os aspectos civilizados. Destarte, foi assim que surgiu a classificação “primitivo, bárbaro e civilizado” para determinar os estágios evolutivos das civilizações.

Em termos historiográficos, podemos supor o nascimento da antropologia propriamente dita com o advento das “Regras do Método Sociológico", em 1895, de Émile Durkheim, o qual define o “Fato Social” e os métodos para sua apreensão.

Ora, é curioso notar que foi com o surgimento da sociologia, que tivemos definido o campo antropológico, pois, ao definir o campo de atuação sociológico, Durkheim delineia também, por exclusão metodológica, o que seriam os objetos de pesquisa da antropologia, ou seja, enquanto na sociologia se estudaria o “Fato Social” como um atributo da grande coletividade, outros métodos teriam de surgir para estudar o homem numa posição mais subjetiva e menos coletiva.

Foi assim que Marcel Mauss, sobrinho de Durkheim, buscou nas representações primitivas, "Algumas formas primitivas de classificação", obra publicada em 1901 em conjunto com seu tio; todavia, será em 1903, com a obra “Esboço de uma teoria geral da magia”, que teremos, quiçá pela primeira vez, o fazer etnológico e o surgimento do conceito de “Fato Social Total” com viés mais cultural.

Outro marco antropológico que vale citar, são as ações de Bronislaw Malinowski (1884-1942) nas Ilhas Tobriand, pois, ao valorizar o trabalho de campo e a descrição minuciosa, ele rompe o ciclo de trabalhos de gabinete, pratica então usual na antropologia, e torna-se um marco para os trabalhos etnográficos, fundando o Funcionalismo. Igualmente, nos Estados Unidos, Franz Boas irá enfatizar ainda mais a importância do trabalho de campo e a formação histórica de cada povo, bem como as possibilidades de difusão de traços culturais pelo Mundo.

Em 1940, teremos uma nova guinada, quando Claude Lévi-Strauss cria a Antropologia Estrutural, onde afirma haver regras estruturantes das culturas na mente humana; alguns anos depois, outro antropólogo, Clifford Geertz, irá fundar, por meio de textos escritos essencialmente sob a forma de ensaio, uma das vertentes da antropologia contemporânea, a Antropologia Hermenêutica ou Interpretativa, onde o importante é determinar o que as pessoas de uma determinada cultura pensam sobre o que fazem.

FONTE: Toda Materia

Antropologia Urbana: De Gilberto Velho & Roberto DaMatta a Don Kulick

AÚDIO DIGITADO DA AULA DO DIA O2 DE SETEMBRO DE 2010

Autor: Italo Paulo Guedes

A premissa básica da Antropologia é a objetividade. Ser neutro, científico. Isso é mais difícil quando se estudo a própria sociedade e cultura. Gilberto Velho coloca justamente isso: como ser objetivo quando se está no ambiente familiar? Achamos que conhecemos muito bem o nosso próprio mundo. Temos que, no estudo antropológico, conseguir alguma distância. A distância é natural quando você vai para um lugar desconhecido e tudo é estranho. Se já se estranha, antes de chegar, já há alguma distância. É mais fácil estudar alguém que é diferente.

Nós temos que criar artificialmente uma distância para estudar a sociedade. Gilberto Velho (1987), questiona o texto do antropólogo carioca Roberto DaMatta O ofício de Etnólogo, ou como ter ‘Anthropological Blues’ (1978), perguntando o que vem a ser realmente distância, essa diferença entre o que é familiar e o que é exótico. Ele dá um exemplo, dizendo que foi num congresso e encontrou pessoas de várias nacionalidades e encontrou muitos pontos em comum. Às vezes você encontra pessoas de culturas diferentes, Japão, Brasil, Inglaterra, mas são capazes de comunicar bem, e passar a noite juntas, curtindo as mesmas coisas.

Esse tipo de leitura crítica é normal na Antropologia.

Então, o que significa “distância”? Será essa diferença entre o familiar e o exótico? Isso é suficiente para determinar o que é distância? Que tipo de distância é? É geográfica? Ecológica? Social? Se é necessário uma distância social, uma pessoa da classe média alta tem que estudar uma pessoa da classe popular. Mas na verdade, se você pensa nessa tensão, nesse constante jogo entre ser objetivo e ser subjetivo, essa distância é um jogo entre identidade e diferença. Ter uma afinidade ou ter uma distância não obedece a critérios nem sociais, nem geográficos. Nesse processo, a comunicação é vital. Quando você quer resolver o problema de buscar objetividade, você deve pensar as formas de comunicação. Como você se relaciona com as pessoas que você está estudando.

A questão da separação entre o familiar e o exótico é artificial, segundo Gilberto Velho. Algo que tem que ser mantido de uma forma artificial para conseguir objetividade, mas ao mesmo tempo se você consegue se comunicar, você tem uma aproximação. Não é uma ida simples do familiar para o exótico e um regresso simples do exótico para o familiar original, no momento que você familiarizou com o exótico. É bem mais dinâmico do que isso. No processo de estranhamento, você vê coisas que são naturalizadas para os nativos. Esse processo é basicamente, via intelectual, via as idéias que guiam a sua investigação e emergem desta.

Assim, Gilberto Velho já dá algumas idéias que vão além do texto de Roberto DaMatta, que traz toda essa questão do exótico e do familiar. Quando ele olha as pessoas do apartamento dele ele pode categorizá-las. Ele conhece suas categorias sociais. Ele não sabe, no entanto, o ponto de vista das pessoas, como eles entendem a vida deles, o mundo ao redor deles, que poderiam até atribuir moralidades pra eles, aspectos morais. Além da expressão “ponto de vista”, um dos objetivos da observação participante, outra também muito usada é “ethos”, a forma em que um determinado povo aborda o mundo. Não é um estereótipo. Você vai conhecer o ethos de um povo através da pesquisa, que é desconhecido antes da pesquisa. Se pode presupor que um povo, mas também um grupo social, tenha um ‘ethos’, por exemplo, o ethos dos porteiros, dos pedreiros, etc. Gilberto Velho diz que uma cidade tem muitas descontinuidades e diferenças, o que leva à possibilidade de estranhamento, de choque cultural, de não reconhecer o outro como você. Ou seja, um afastamento ao invés de uma aproximação.

A aula tratou em seguida de um texto sobre os travestis, que aborda o ethos dos travestis (Kulick 2008) . Como você pode tornar familiar a cultura das travestis? A professora falou, ‘Repare que cultura é uma expressão de algo que é criado historicamente, num momento específico. Então se existiam travestis como a gente conhece hoje, cem anos atrás, tinham uma cultura diferente. Essa cultura que inclui silicone para mudar o corpo foi algo que surgiu recentemente.

O quê que o antropólogo faz? Don Kulick descreve como nesse texto. Ele ficou oito meses no local, um casarão no Pelourinho. Tem muita discussão porque dizem que ele teria vantagem para estudar as travestis por não ser brasileiro. Na realidade, ele aprendeu tudo que ele sabe sobre o Brasil praticamente através dos travestis. Elas que foram as que mais ensinaram ele sobre o Brasil. Ele aprendeu o Brasil na perspectiva delas. Outro ponto que ele aborda é como eles percebem os transexuais. Isso é fruto da observação em um nível mais profundo do que essa descrição que ele faz. Esse é um ponto que ele vai tratar começando com a discussão sobre o quê que tinha sido produzido sobre as travestis na literatura antropológica.

Kulick, além de antropólogo, é também linguista. Lendo o seu livro, vocês vão perceber que ele transcreve longos trechos de entrevista. Ele foi formada em uma linha da antropologia norte-americana, que é a Antropologia Lingüística. Além disso, ele leu constantemente, quando estava aqui, artigos de revistas, reportagens, comentários mais gerais sobre os travestis veiculados pelo meios de comunicação no Brasil. Para Kulick alguns estudos brasileiros ainda não tinham se afastado de certos preconceitos em relação às travestis: Preconceitos não no sentido pejorativo, mas conceitos que já existiam sobre os travestis quando escreveram. Ele atribui isso também ao fato de os pesquisadores não conviverem com os travestis durante a pesquisa de campo. Para muitos estudiosos as travestis são a ambiguidade em pessoa. Não sabem se são homens ou mulheres. Tem problemas psicológicos. Ele mostra como isso também está espalhado na imprensa. Kulick diz que, ao contrário, as travestis cristalizam a percepção a cultura brasileira sobre sexo e gênero. Definem com nitidez o quê que é esse jeito brasileiro, essa cultura brasileira. Então, ele defende que, na cultura brasileira, a identidade sexual de uma pessoa não está no corpo biológico, mas, está na posição que se toma no ato sexual. Do ponto de vista das Travestis (e, segundo Kulick, da cultura brasileira) é ato sexual que define o gênero.

Ele ficou famoso como o antropólogo que defendia que no Brasil só existiam dois gêneros: homem e não-homem.

Outro ponto importante colocado claramente por Gilberto Velho é que quando a gente fala de que, para estudar sua própria sociedade, você tem que tirar os estereótipos, você tem que estranhar o familiar. Você deve estar aberto a perceber as hierarquias. E muitas vezes as hierarquias sociais já trazem consigo os estereótipos. O antropólogo que quer estudar sua própria sociedade tem que estar o tempo todo se auto-criticando, criticando sua própria sociedade.

Referências Bibliográficas

DaMatta , Roberto. ‘O ofício de Etnólogo, ou como ter “Anthropological Blues”’ In Nunes, E. de Oliveira (org) A aventura sociológica. RJ: Zahar. 1978. Pp.24-35.

Kulick, Don. ‘Introdução’ In Travesti: prostituição, sexo, gênero e cultura no Brasil RJ: Editora Fiocruz. 2008. pp. 18-35

Velho, Gilberto. ‘Observando o familiar’. cap. 9 In Individualismo e Cultura. RJ: Jorge Zahar. 1987. Pp. 121-132

Os fundamentos da antropologia social: Abordando o fenômeno da reciprocidade


Autoras: Rebecca Patas & Tatiane Fernandes

Retomando e aprofundando o assunto da aula anterior, sobre o texto de Marcel Mauss, a aula de 26/10/2010 deu ênfase ao potlatch. O primeiro tema abordado foi a metodologia da Mauss, que explica as dádivas, os rituais, os fatos por meio da lógica interna de cada sociedade, citando vários exemplos, reforçando esse sistema lógico diferenciado. Mauss divergia dos evolucionistas no que diz respeito à comparação: segundo o ‘método comparativo’ desses últimos, tudo se mistura, e os objetos, instituições, costumes e crenças são abordados de uma forma descontextualizada. Para Mauss, tinha que entendê-los dentro do contexto onde eram praticados e criados.

Malinowski também insistia no estudo desses fenômenos em contexto. Como ele, Mauss rejeitou a idéia de “economia natural”, - baseada no pressuposto de que os indivíduos desejam apenas satisfazer suas necessidades, apenas fazer o que querem. Assim, defende que todo o ser humano nasce social, não egocêntrico natural. É perceptível a influência durkheimiana no trabalho de Mauss. 

Quando de contempla a troca como base de um tipo de economia (que é social e não ‘natural’), as prestações não se dão como simples escambo, são dádivas que implicam numa relação duradoura. Para melhor compreensão, há uma comparação com os dias atuais: o escambo, como o comércio, é uma troca que não gera ligações profundas; em contraste, presentes de aniversário ou as comidas e festividades oferecidas na forma de dádivas, como o caruru de São Cosme e Damião, geram um laço entre os que participam, inclusive, os próprios santos que são convidados para se alimentarem das oferendas. Estes também engajam em relações sociais com os vivos que estão cumprindo antigas promessas.

Uma "prestação total" é aquela que envolve e integra elementos multiplos da vida social, religiosa, política, econômica de uma pessoa ´moral - quer dizer, uma pessoa jurídica (como um clã) ou física - normalmente, uma pessoa que representa uma coletividade, como um clã. Uma "prestação total se da por toda a comunidade: ao dar ou receber presentes e outras oferendas, sua representante contrata por todos, por tudo que possui e por tudo que faz. 

Um exemplo dessas prestações totais é o potlatch, ritual dos povos nativos do litoral pácifo do noroeste do continente norte-americano abordado no texto de Mauss, como os Kwakiutl, Tlingit, Haida e outros. O potlatch acontece no inverno, que diz respeito ao ciclo anual, época de recolhimento que gera excedente. É realizado pelo chefe do clã, que convida outro chefe e seus parentes. A tribo convidada chega de forma ritualística, e é recebida com presentes, cerimonias e uma abundância de comida, durante dias ou até mais tempo. 

A competição no potlatch, detalhe que lhe dá a classificação de “prestação total de tipo agonístico”, se dá quando o convidado tenta superar o anfitrião no seu potlach de retribuição. Há um exagero de gastos, que tende a aumentar, consumindo bens de todo o tipo. Os governos canadense e estadunidense proibiram o potlatch no fim do século XIX, por considerar o ritual uma perda "irracional" de recursos – lembrando que em cada potlatch se consumia mais que o anterior. Com a compreensão do significado do potlatch, a proibição desapareceu em 1934 nos EUA e em 1954 no Canadá. A queima e destruição desses bens é uma oferenda aos deuses, o sacrifício, baseado nessa extinção de riquezas. 

A professora apresentou uns slides com imagens de casas Kwakiutl, Tlingit e Haida e também de pessoas dessas nações que participavam dos ciclos de prestações do potlatch. Também detalhou outras características do potlatch, explicando que é realizado para celebrar uma ocasião social, por exemplo, marcando um evento importante (nascimento de uma criança, a puberdade feminina, os ritos funerários e o comércio); tem a função de adquirir status para o chefe, que é a encarnação da coletividade; e tem diferentes níveis de importância. 

No outro lado do oceano Pacifico, também existe "prestações totais", mas não existe potlatch. Mauss discute os tonga, presentes que um clã da para outro segundo relações de parentesco e casamento. Os ciclos de prestações em Samoa já não são competitivos, ou seja, são bem diferentes daqueles do potlatch. Mauss construi o esquema da sua explicação sobre as prestações de tonga - e sobre as dádivas em geral - através de uma discussão da noção Maori de hau. A obrigação de retribuir um presente dado (taonga)entre os Maori de Nova Zelândia vem do hau, o espírito da natureza e dos animais, que está nesse presente e deseja retornar ao seu lugar original. Assim, aquele que recebeu esse bem deve retribuir com outro bem, sob pena de reter esse ciclo. Caso não retribuem o presente com um outros presente, a conseqüência será doença e morte. 

A obrigação de dar e receber é importante para a manutenção da sociedade: a recusa destes presentes é a recusa das relações sociais, gerando conflito. O sacrifício é uma espécie de dádiva aos deuses, da onde também se espera essa reciprocidade. As dádivas aos homens e aos deuses, portanto, têm a finalidade de comprar a paz com uns e outros.

Referências Bibliográficas: 

Mauss, Marcel. ‘Introdução: Da dádiva, e em particular da obrigação de retribuir os presentes’ e capítulo 1 ‘As dádivas trocadas e a obrigação de as retribuir (Polinésia)’ .In Ensaio sobre a Dádiva.

Sobre Antropologia Interpretativa


Autor: Pedro 

Resumo de Aula:

Concluindo alguns conceitos de Antropologia Interpretativa da aula anterior, inicia-se a aula com definições de literatura, linguagem e cultura. O tema da aula - a teoria interpretativa de cultura desenvolvido nos anos 60 por Clifford Geertz, considerado como um “guru” dessa forma de antropologia simbólica.

Começamos a nos aprofundar sobre o trabalho de Geertz, e suas pesquisas de campo, sobretudo em Bali. Para fazer esse tipo de estudo é necessário identificar os símbolos públicos e todos os seus significados, e ainda, procurar identificar estes através da "perspectiva do nativo". O capítulo discutido na aula - Um jogo absorvente: notas sobre a briga de galos balinesa - trata de importantes símbolos públicos em Bali na época que o casal Geertz residiu lá (anos 1950).

Discutimos a colocação de Geertz de que as “pessoas são tão convencidas com sua cultura, nascendo, vivendo e morrendo sem se questionar sobre essa ”. Essa percepção é relacionada com a noção de hermenêutica na citação:

“As pessoas criam uma correspondência sobre um mundo como parece ser e como deve ser.”

Geertz defende que a cultura tem duas faces: A primeira seria um sistema integrado de símbolos públicos, dentro dos quais os indivíduos habitam e os quais manipulam. (Adonias - aluno de CISO - comentou que tal definição se assemelha à ideia de Durkheim, onde o ser humano já nasce numa estrutura já estabelecida.) A segunda face da cultura, no entanto,´seria que simultaneamente esses sistemas habitam os indivíduos, ou seja, os símbolos públicos habitam os mesmos como matrizes geradoras de ação e pensamento, conduzindo uma pessoa a ver o mundo como inteligível e natural. Tal definição do Geertz se baseia na influência weberiana.

Geertz fala também que o homem é um animal suspenso em uma rede de significados, que ele mesmo tem tecido. Exemplifica esse ponto na sua análise da briga de galos em Bali, mostrando que a pessoa já nasce nesta rede de significado e acaba se habituando, tornando-a uma coisa natural.

Para relatar esses sistemas de símbolos, pensamos primeiramente em lógicas culturais, onde o antropólogo é o tradutor de seus significados, sendo a técnica, mas eficaz, abordada por Geertz, a descrição densa.

No decorrer da aula, ficou claro que o objeto de uma pesquisa que procura fazer uma descrição densa, (ao exemplo do estudo de campo que Geertz fez do 'ritual' da briga de galos em Bali), não precisa ser somente sobre ritual ou religião, mas, de uma forma abrangente, pode ser de outras atividades coletivas, como o futebol. O importante é procurar ver a lógica cultural, que está atrás do interesse individual.Para compreender o significado das rinhas para o povo balinês, é necessário entender a sua ordem social, a relação entre os participantes e as hierarquias estabelecidas. Para isso, precisa compreender o contexto histórico da organização hierárquica nas aldeias, que começou como castas (do Hinduísmo), o que resultou numa idéia de status, onde cada pessoa nasce com a sua posição já estabelecida.

A noção antropológica de cultura a partir dos anos 60: Clifford James Geertz


Autoras: Maria Magalhães Aguiar & Letícia dos Santos Silva

Referência da aula: Geertz 1989

Clifford James Geertz, um antropólogo americano que viveu entre 1926 e 2006, foi professor da Universidade de Princeton em Nova Jérsei[1]. Seguindo uma linha mais direcionada à Antropologia Cultural, desenvolvida nos EUA, Geertz defende uma investigação antropológica embasada nos significados, valores e símbolos presentes na cultura e que permeiam as relações entre os indivíduos, não apontando uma superioridade da sociedade em detrimento dos indivíduos. Ao contrário da vertente mais difundida na Europa acerca de uma antropologia cuja principal noção persiste na idéia de estrutura social, Geertz é um discípulo de F. Boas e do Historicismo Cultural, que recusam a busca ativa por regularidades entre culturas.

O interesse de Geertz se desenvolveu no sentido de uma antropologia interpretativa, centrada na interpretação de certo mundo cultural, interpretando a interpretação dos nativos, o sistema de símbolos que circunscreve os diferentes grupos para neste encontrar os significados culturais subjacentes, ao invés de significados gerais e/ou universais. Segundo Geertz (1989), essa abordagem que não nega a complexidade da realidade nem busca reduzi-la a simplificações, mas torná-la mais compreensível através de um sistema de interpretações que visa a compreendê-la dentro do seu próprio contexto.

Para esse autor, o objeto da etnografia comporta a hierarquia estratificada de estruturas significantes em função das quais as diferentes nuanças de comportamentos são produzidas, percebidas e interpretadas: “a análise interpretativa, portanto, é escolher entre as estruturas de significação (...) códigos estabelecidos (...) e determinar sua base social e sua importância” (Geertz, 1989, p. 7). A etnografia tem como finalidade uma descrição densa de categorias culturais em um sistema de símbolos. A força da análise cultural se fundamenta muito mais na lógica informal da vida real do que em uma rigidez argumentativa e generalizante: “a análise cultural é intrinsecamente incompleta (...) quanto mais profunda, menos completa” (Geertz, 1989, p. 20). Qualquer generalidade que se consegue atingir nesta investigação é originária da sutileza de suas distinções, ao invés da amplitude de suas abstrações:

A tarefa essencial aqui da construção teórica não é codificar regularidades abstratas, mas tornar possíveis descrições minuciosas (...). No caso da cultura, os significantes (...) são (...) atos simbólicos e o objetivo, (...) a análise do discurso social (Geertz, 1989, p. 18).

Ao considerar o significado, o autor argumenta tratar-se de como todo e qualquer grupo dá sentido àquilo que realiza na prática, expressivamente, moralmente; situando suas ações em estruturas mais amplas de significação e, ao mesmo tempo, ordenando seus atos conforme estes termos (Geertz, 1997). Para Geertz, é na análise de ações do cotidiano que será possível identificar os códigos que estruturam pensamentos e dão significado ao mundo (Caprara, 2003).

Geertz faz uso do conceito semiótico de cultura, como um sistema à procura de significações, em vez de se tratar de uma ciência experimental, em busca de leis. Sendo, assim, a cultura se situa como um sistema simbólico: sistemas entrelaçados de signos interpretáveis, não sendo um poder, algo ao qual possa ser atribuído casualmente os acontecimentos sociais, comportamentos (…), ela como um contexto dentro do qual podem ser descritos (…) com densidade (Geertz, 1989, p. 10). padrão de significados transmitido historicamente, incorporado em símbolos, um sistema de concepções herdadas e expressas em formas simbólicas por meio das quais os homens comunicam, perpetuam e desenvolvem seu conhecimento e suas atividades em relação à vida (Geertz, 1989, p. 69).

A antropologia interpretativa procura compreender o significado de comportamentos e ações dos indivíduos, tendo sido influenciada por autores da tradição hermenêutica, como Gadamer (Caprara, 2003). Para Gadamer (1996), esta abordagem se preocupa em estudar a diferença entre conhecimentos gerais e sua aplicabilidade concreta a casos particulares. Segundo Eriksen e Nielsen (2010), a hermenêutica se trata de um método de interpretação de texto que considera que este é concomitantemente um conjunto de partes individuais e um todo. Geertz se utilizou desta idéia na antropologia ao distinguir o individualismo metódico e o coletivismo, sendo que a noção de sociedade deve ser compreendida ao se considerar as duas perspectivas.

Bibliografia Complementar:

CAPRARA, A. Uma abordagem hermenêutica da relação saúde-doença. Cad. Saúde Pública, 19 (4), Rio de Janeiro, jul/ago, 2003.

ERIKSEN, T. H.; NIELSEN, F. S. O poder dos símbolos. In: ______. História da Antropologia. Petrópolis, RJ: Vozes, 2010. p. 118-134.

GADAMER, H.G. The enigma of health. Standford, California: Stanford University Press, 1996.

GEERTZ, C. O saber local: novos ensaios em antropologia interpretativa. Petrópolis, RJ: Vozes, 1997. [1983]

GEERTZ, C. Uma descrição densa: por uma teoria interpretativa da cultura. Cap. 1. In: __________. A interpretação das culturas. RJ: Editora Guanabara, 1989.

[1] Dados biográficos do referido autor encontrados em http://pt.wikipedia.org/wiki/Clifford_Geertz.

Franz Boas e a Antropologia Cultural Moderna


Autora: Alice Dias Lima de Santana

A aula da disciplina Antropologia II, ministrada pela docente Cecília McCallum num sábado em dezembro, teve como tema no primeiro horário o pensamento e o trabalho de Franz Boas, fundador da principal abordagem da antropologia moderna norte americana. Para terminar a discussão sobre o “pai da Antropologia Cultural”, iniciada na aula anterior, assistimos e discutimos a parte final do documentário Shackles of Tradition: Franz Boas, disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=GOvFDioPrMM

A carreira de Franz Boas começa na Sociedade Berlinense para a Antropologia, Etnologia e Pré-História, onde atuou como geógrafo. Em 1883 realizou uma expedição para a ilha de Baffin, para fazer um mapa e estudar os esquimós (os auto-denominados Inuit). Permaneceu no local um ano antes de voltar para Alemanha. Dentre seus trabalhos importantes está o material etnográfico recolhido durante o ano que conviveu com estes, que o possibilitou escrever sua primeira obra de caráter antropológico: Os esquimós centrais,

Em 1887 Boas mudou para Nova Iorque, onde sua noiva morava, e nos anos subsequentes realizou pesquisas entre os Kwakiutl e outros grupos tribais da Colúmbia Britânica, na costa norte do Pacífico. Produziu muito sobre a história, linguagem, cultura e arte dos povos da região.

Durante o documentário, a professora falou ainda sobre o Potlach, ritual observado nos Kwakiutl e outros povos da região, que consiste em os nativos juntarem todas as riquezas e destruí-las. (COMENTÁRIO DE CECILIA: Alice, esta descrição não é o suficiente. Quem juntava as riquezas, de que consistiam estas riquezas, como foi o ritual, qual o motivo da destruição, e quais as consequências?)

Quando foi morar nos Estados Unidos, Boas trabalhou como professor, foi editor de uma revista cientifica e mais tarde tornou-se professor da prestigiosa Universidade de Colúmbia, em Nova Iorque, além de curador das coleções antropológicas do Museu Americano de História Natural.

Na época de Boas, o ‘evolucionismo cultural’ estava inserido na Antropologia. Nesta forma de evolucionismo, acreditava-se que a Europa era o apogeu do processo evolucionário e outros povos eram selvagens, doutrina que serviu como justificativa para o domínio exercido sobre esses povos pelos europeus e elites brancas das colônias e ex-colônias. Boas criticou o evolucionismo cultural e propôs o particularismo histórico, que sustentava que cada cultura continha em si seus próprios valores e sua própria história única. Via valor intrínseco na pluralidade das práticas culturais no mundo e era profundamente cético com relação a qualquer tentativa política ou justificativa acadêmica, de interferir nessa diversidade. 

Boas estudou com professores alemães, que criticavam o evolucionismo e simpatizavam com o difusionismo*. Acreditavam no geist (espírito) especifico de cada povo, algo que era bem particular de cada cultura. Ele era herdeiro do humanismo romântico da Alemanha.

Franz Boas ainda fundou a antropologia linguística, ou seja, a linguagem como a alma do povo, a geist e as formas possíveis de pensar através da língua. Estudar outra língua era viajar e se humanizar, conhecer outra cultura e seu código linguístico. A Antropologia vai desenvolver e sofisticar essa ideia.

Boas foi um dos primeiros e principais críticos do racismo e da suposta “ciência” inspirada por isso; seus estudos de antropologia física mostraram que as características físicas associadas às diferenças raciais se alteravam dependendo do meio-ambiente. Portanto, não eram fixos. Assim, o que se denomina ‘raça’ não determina a capacidade nem o comportamento dos humanos. Nas suas pesquisas, a variação cultural foi mais expressiva do que qualquer outro valor considerado inato pelo determinismo biológico. Essa abordagem foi mais tolerante e cientificamente embasada.

Em vez da visão etnocêntrico dos evolucionistas ou o racismo dos antropólogos físicos do século 19, Boas trouxe e enfatizou o relativismo cultural.

O legado de Boas durou quatro décadas. Ele dominou a antropologia americana, pois muitos dos antropólogos americanos da geração seguinte foram alunos de Boas. A antropologia cultural proposta por Boas evoluiu em várias direções. Até hoje o seu legado continua na antropologia americana.

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* DIFUSIONISMO - Uma escola que estudava a distribuição geográfico e a migração de traços culturais e postulavam que culturas eram mosaicos de traços com várias origens e histórias. (ERIKSEN & NIELSEN, 2007)

Bibliografia:

FRANZ BOAS. UOL Educação. Disponível em:<http://educacao.uol.com.br/biografias/franz-boas.jhtm>. Acesso em: 17 dez. 2012.

ERIKSEN, Thomas & Finn Sivert NIELSEN. 2007. História da Antropologia. Petropoles: Vozes

Os ritos de iniciação: Identidades femininas e masculinas e estruturas de poder


Elaborado por: Conceição Osório

Este texto foi apresentado num encontro que teve lugar em Maputo, em 2015, com parceiros da CAFOD (agência oficial de ajuda da Igreja Católica na Inglaterra e País de Gales). O artigo foi elaborado com base numa pesquisa sobre os ritos de iniciação, desenvolvida pela WLSA Moçambique entre 2012 e 2013. Veja o relatório de pesquisa no site da WLSA: www.wlsa.org.mz/ritos-de-iniciacao-no-contexto-actual/. Um resumo dos resultados pode ser encontrado aqui: www.wlsa.org.mz/ritos-de-iniciacao-resultados-da-pesquisa/.

Os ritos de iniciação são instituições culturais praticadas nas zonas centro e norte de Moçambique. Portanto, é comum afirmar-se que são constituintes dos direitos culturais, que são uma das importantes dimensões dos direitos humanos. 

As instituições culturais organizam os lugares e os papéis e as funções sociais que cada um deve ocupar na sociedade. Nesse sentido, a cultura é determinante para a construção das identidades sociais. Isto é, numa determinada cultura as pessoas aprendem a reconhecer-se e a reconhecerem os outros em termos de partilha de representações e práticas, desde a forma como se cumprimentam, como mostram hospitalidade, como partilham uma refeição e, para ir mais a fundo, como pensam acerca da vida, do amor e da amizade.

Isto significa, em primeiro lugar, que os direitos culturais devem ser respeitados e protegidos, e, em segundo lugar, devem ser vistos em articulação com os direitos universais que são uma conquista de toda a humanidade. Todos os direitos culturais que contenham em si discriminação subordinam-se aos direitos que consagram a igualdade entre todas as pessoas.

E neste diálogo entre direitos universais e direitos culturais, que é um diálogo tenso e não fácil, devemos compreender que as diferenças que algumas culturas estabelecem, por exemplo, entre pessoas de sexo diferente, e que são geracionalmente transmitidas, são geradoras de desigualdade. A cultura fornece uma ideia de imutabilidade, naturalizando (na medida que se tomam como verdade inquestionável) essas mesmas diferenças.

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Identidades de género e identidades sexuais no contexto dos ritos de iniciação no Centro e Norte de Moçambique


Os ritos, sejam de passagem de idade, sejam de nascimento, matrimónio ou morte, têm sido estudados enquanto objecto autónomo pelas disciplinas que constituem as ciências sociais, sobretudo desde as últimas décadas do século passado, quando, principalmente a antropologia e a sociologia, sobrelevam a importância da contextualização cultural e a sua relação com as esferas de ordem política, económica e social. Isto é, as novas abordagens interferem na “perda de inocência” dos ritos como expressão de uma cultura essencial, original e imóvel, deslocando o olhar para a estrutura de poder que influencia e orienta as suas funções, organizando as representações e as práticas dos actores sociais. É neste sentido que procurámos identificar como os rituais de iniciação para a vida adulta influenciam a construção de identidades de género e identidades sexuais, num movimento que ao mesmo tempo que procura conservar a ordem social dominante, os torna sujeitos a sucessivos reajustamentos e rupturas.

Neste artigo utilizamos os resultados de uma pesquisa sobre os ritos de iniciação ou ritos de passagem, realizados na zona centro e norte de Moçambique, que decorreu entre 2011 e 2013 Estes rituais, que marcam a passagem para a idade adulta, são feitos para a rapariga após a primeira menarca, por volta dos 11/12 anos (precedidos pelo alongamento dos lábios vaginais iniciados por volta dos 8 anos) e para os rapazes por volta dos 10/13 anos, quando se realiza a circuncisão. Com uma duração que actualmente varia entre uma semana a um mês, as crianças são instruídas longe das suas famílias nos atributos que configurarão a sua vida adulta.

Tendo como grupo alvo os e as jovens que frequentam o terceiro nível do ensino primário, com este estudo pretendeu-se reconhecer dois aspectos centrais, sendo o primeiro dos quais, como é que as instituições culturais orientam para comportamentos e valores que configuram a ordem social assente na estrutura de poder fixam hierarquias. Em segundo lugar, como, face à circulação por vários espaços, de que a escola é o mais organizado e permanente, e também à múltipla e por vezes contraditória informação recebida pelos e pelas jovens, se processam as apropriações e desapropriações dos saberes transmitidos nos ritos, conduzindo-os à renovação ou, pelo contrário, se desenvolvem estratégias de conservação que procuram preservar a tradição e a cultura.

A maioria das pesquisas que se têm realizado em Moçambique sobre ritos de iniciação, têm privilegiado uma abordagem etnográfica relativista, alienando os factores de ordem social que permitiriam destacar os contextos e perceber as dinâmicas internas e externas que actuam sobre os ritos, e lhes acrescentam ou retiram funções que reestruturam as hierarquias e agenciam modos e formas diferenciados de configuração (Braço, 2008; Bagnol e Mariano, 2011). Isolando realidades num casulo caracterizado por uma mera estabilidade e dispensando-se a transversalidade fornecida pela aplicação do quadro conceptual que permite a análise, o conhecimento obtido é apenas informado pelo senso comum (mesmo quando ele se apresenta sob a capa da erudição), produzindo um saber parcial e parcelar, aparentemente objectivo, mas marcado pelas crenças e convicções que compõem o sistema ideológico.

A abordagem sobre cultura utilizada neste trabalho contém três elementos centrais: o primeiro diz respeito ao facto de tomarmos a cultura como instituição constituída por representações e práticas que exprimem um sistema de crenças constrangedoras dos comportamentos: a cultura remete-nos para um normativo que fornece coesão e reconhecimento pela pertença. Um segundo elemento tem a ver com a estrutura de poder que determina que, em cada cultura, se hierarquizem posições, se organizem os sistemas de inclusão (e exclusão também) e se estabeleçam relações de poder. Um último aspecto tem a ver com os dinamismos externos e internos que transformam a cultura numa instituição situada em contextos sociais, políticos e económicos, que persegue a conservação da ordem, através dos ajustamentos e recomposições dos elementos que lhe fornecem coesão.[1] Ao mesmo tempo, sobre a cultura, ou melhor, nos seus interstícios, vão-se produzindo mudanças que traduzem os fluxos e os trânsitos dos sujeitos que permitem que a desordem se instale, dando origem a novas significações e sentidos, mobilizando interesses e estratégias que podem, ou não, pôr em causa o sistema cultural.[2]