domingo, 10 de dezembro de 2017

Antropologia Urbana: De Gilberto Velho & Roberto DaMatta a Don Kulick

AÚDIO DIGITADO DA AULA DO DIA O2 DE SETEMBRO DE 2010

Autor: Italo Paulo Guedes

A premissa básica da Antropologia é a objetividade. Ser neutro, científico. Isso é mais difícil quando se estudo a própria sociedade e cultura. Gilberto Velho coloca justamente isso: como ser objetivo quando se está no ambiente familiar? Achamos que conhecemos muito bem o nosso próprio mundo. Temos que, no estudo antropológico, conseguir alguma distância. A distância é natural quando você vai para um lugar desconhecido e tudo é estranho. Se já se estranha, antes de chegar, já há alguma distância. É mais fácil estudar alguém que é diferente.

Nós temos que criar artificialmente uma distância para estudar a sociedade. Gilberto Velho (1987), questiona o texto do antropólogo carioca Roberto DaMatta O ofício de Etnólogo, ou como ter ‘Anthropological Blues’ (1978), perguntando o que vem a ser realmente distância, essa diferença entre o que é familiar e o que é exótico. Ele dá um exemplo, dizendo que foi num congresso e encontrou pessoas de várias nacionalidades e encontrou muitos pontos em comum. Às vezes você encontra pessoas de culturas diferentes, Japão, Brasil, Inglaterra, mas são capazes de comunicar bem, e passar a noite juntas, curtindo as mesmas coisas.

Esse tipo de leitura crítica é normal na Antropologia.

Então, o que significa “distância”? Será essa diferença entre o familiar e o exótico? Isso é suficiente para determinar o que é distância? Que tipo de distância é? É geográfica? Ecológica? Social? Se é necessário uma distância social, uma pessoa da classe média alta tem que estudar uma pessoa da classe popular. Mas na verdade, se você pensa nessa tensão, nesse constante jogo entre ser objetivo e ser subjetivo, essa distância é um jogo entre identidade e diferença. Ter uma afinidade ou ter uma distância não obedece a critérios nem sociais, nem geográficos. Nesse processo, a comunicação é vital. Quando você quer resolver o problema de buscar objetividade, você deve pensar as formas de comunicação. Como você se relaciona com as pessoas que você está estudando.

A questão da separação entre o familiar e o exótico é artificial, segundo Gilberto Velho. Algo que tem que ser mantido de uma forma artificial para conseguir objetividade, mas ao mesmo tempo se você consegue se comunicar, você tem uma aproximação. Não é uma ida simples do familiar para o exótico e um regresso simples do exótico para o familiar original, no momento que você familiarizou com o exótico. É bem mais dinâmico do que isso. No processo de estranhamento, você vê coisas que são naturalizadas para os nativos. Esse processo é basicamente, via intelectual, via as idéias que guiam a sua investigação e emergem desta.

Assim, Gilberto Velho já dá algumas idéias que vão além do texto de Roberto DaMatta, que traz toda essa questão do exótico e do familiar. Quando ele olha as pessoas do apartamento dele ele pode categorizá-las. Ele conhece suas categorias sociais. Ele não sabe, no entanto, o ponto de vista das pessoas, como eles entendem a vida deles, o mundo ao redor deles, que poderiam até atribuir moralidades pra eles, aspectos morais. Além da expressão “ponto de vista”, um dos objetivos da observação participante, outra também muito usada é “ethos”, a forma em que um determinado povo aborda o mundo. Não é um estereótipo. Você vai conhecer o ethos de um povo através da pesquisa, que é desconhecido antes da pesquisa. Se pode presupor que um povo, mas também um grupo social, tenha um ‘ethos’, por exemplo, o ethos dos porteiros, dos pedreiros, etc. Gilberto Velho diz que uma cidade tem muitas descontinuidades e diferenças, o que leva à possibilidade de estranhamento, de choque cultural, de não reconhecer o outro como você. Ou seja, um afastamento ao invés de uma aproximação.

A aula tratou em seguida de um texto sobre os travestis, que aborda o ethos dos travestis (Kulick 2008) . Como você pode tornar familiar a cultura das travestis? A professora falou, ‘Repare que cultura é uma expressão de algo que é criado historicamente, num momento específico. Então se existiam travestis como a gente conhece hoje, cem anos atrás, tinham uma cultura diferente. Essa cultura que inclui silicone para mudar o corpo foi algo que surgiu recentemente.

O quê que o antropólogo faz? Don Kulick descreve como nesse texto. Ele ficou oito meses no local, um casarão no Pelourinho. Tem muita discussão porque dizem que ele teria vantagem para estudar as travestis por não ser brasileiro. Na realidade, ele aprendeu tudo que ele sabe sobre o Brasil praticamente através dos travestis. Elas que foram as que mais ensinaram ele sobre o Brasil. Ele aprendeu o Brasil na perspectiva delas. Outro ponto que ele aborda é como eles percebem os transexuais. Isso é fruto da observação em um nível mais profundo do que essa descrição que ele faz. Esse é um ponto que ele vai tratar começando com a discussão sobre o quê que tinha sido produzido sobre as travestis na literatura antropológica.

Kulick, além de antropólogo, é também linguista. Lendo o seu livro, vocês vão perceber que ele transcreve longos trechos de entrevista. Ele foi formada em uma linha da antropologia norte-americana, que é a Antropologia Lingüística. Além disso, ele leu constantemente, quando estava aqui, artigos de revistas, reportagens, comentários mais gerais sobre os travestis veiculados pelo meios de comunicação no Brasil. Para Kulick alguns estudos brasileiros ainda não tinham se afastado de certos preconceitos em relação às travestis: Preconceitos não no sentido pejorativo, mas conceitos que já existiam sobre os travestis quando escreveram. Ele atribui isso também ao fato de os pesquisadores não conviverem com os travestis durante a pesquisa de campo. Para muitos estudiosos as travestis são a ambiguidade em pessoa. Não sabem se são homens ou mulheres. Tem problemas psicológicos. Ele mostra como isso também está espalhado na imprensa. Kulick diz que, ao contrário, as travestis cristalizam a percepção a cultura brasileira sobre sexo e gênero. Definem com nitidez o quê que é esse jeito brasileiro, essa cultura brasileira. Então, ele defende que, na cultura brasileira, a identidade sexual de uma pessoa não está no corpo biológico, mas, está na posição que se toma no ato sexual. Do ponto de vista das Travestis (e, segundo Kulick, da cultura brasileira) é ato sexual que define o gênero.

Ele ficou famoso como o antropólogo que defendia que no Brasil só existiam dois gêneros: homem e não-homem.

Outro ponto importante colocado claramente por Gilberto Velho é que quando a gente fala de que, para estudar sua própria sociedade, você tem que tirar os estereótipos, você tem que estranhar o familiar. Você deve estar aberto a perceber as hierarquias. E muitas vezes as hierarquias sociais já trazem consigo os estereótipos. O antropólogo que quer estudar sua própria sociedade tem que estar o tempo todo se auto-criticando, criticando sua própria sociedade.

Referências Bibliográficas

DaMatta , Roberto. ‘O ofício de Etnólogo, ou como ter “Anthropological Blues”’ In Nunes, E. de Oliveira (org) A aventura sociológica. RJ: Zahar. 1978. Pp.24-35.

Kulick, Don. ‘Introdução’ In Travesti: prostituição, sexo, gênero e cultura no Brasil RJ: Editora Fiocruz. 2008. pp. 18-35

Velho, Gilberto. ‘Observando o familiar’. cap. 9 In Individualismo e Cultura. RJ: Jorge Zahar. 1987. Pp. 121-132

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