domingo, 15 de outubro de 2017

Subcultura e Estilo


[i]

Daniela Nogueira Amaral
Danielle Parfentieff de Noronha
Tânia Carolina Viana de Oliveira

O capítulo do livro “Subculture. The Meaning of Style” de Dick Hebdige, publicado originalmente em castelhano em 1979 e traduzido para o inglês em 2002, problematiza ao tempo que também dá uma outra roupagem a conceitos como cultura, ideologia, estilo.

Logo na introdução, a partir do texto de Jean Genet “Diário Del Ladrón”, vemo-nos instados a pensar como determinados objetos, aparentemente inócuos, podem converter-se e mesmo ascender a categorias simbólicas que expõem e se contrapõem à ordem instituída, deflagrando a presença incontornável da diferença. Trata-se, no caso sublinhado do autor francês, de um tubo de vaselina que, condensando um paradoxo, representa uma ignomínia sexual aos olhos da polícia e uma graça individual secreta encerrada como marca estigmatizada de subversão e revolta. Nesse caso específico, o personagem de Genet, podemos supor seu alterego, impõe ao contexto no qual se insere a infração do não pertencimento ao padrão, onde o delito é elevado à forma de arte. Nesse sentido, através do exemplo da marginalidade homossexual incorporada a um utensílio que a expõe, Dick Hebdige levanta questões que sublinham e consideraram como a estetização de um estilo, simbolicamente condensado numa forma material, pode desafiar a maneira hegemônica de legislar sobre comportamentos, instaurando a deserção explícita. Nesse aspecto, os limites e embates que aquilo que chamamos de subcultura põe a nu é explicitado na babel de signos que certos grupos inventariam, pondo em xeque e demovendo um ethos, incorporando a dissenção através da blague ou da insubordinação mais explícita. Dessa maneira,Teddy boys, Mods, Rokers, Skinheads, Punks advertem o mundo normal de suas presenças desviantes e os objetos por eles consagrados enquanto marcas identitárias - objetos concebidos como anátemas, evangelhos de uma desordem - figuram como fontes de valor contra-hegemônicas, conotando um lócus onde o conflito adquire maior dramaticidade porque é fotografado objetivamente.

É necessário dizer que para entendermos melhor importantes características das subculturas, precisamos escandir mais detalhadamente nuances do próprio conceito de cultura, nuances que constantemente nos escapam. Aliás, a polissemia do termo antepara alguns embaraços semânticos significativos que ainda não foram dirimidos por completo, ainda que desvelem posições diferenciadas daqueles que enfatizam no significante um sentido mais específico ou mais generalista. Senão vejamos. Uma das acepções freqüentes dadas ao vocábulo é aquela que define Cultura, de modo mais conservador, como norma de excelência estética, como obra clássica – ópera, ballet, teatro, arte, literatura. Por outro lado, segundo Raymond Wiiliams, desde o século XVIII, outra definição se acopla ao significado mais corrente do vocábulo – Cultura como um modo específico de vida que transcende aspectos de conhecimento privilegiado, espelho de uma formação distintiva, passando a definir também um conjunto de valores implícitos e explícitos na concretude das vidas cotidianas. Nas palavras do poeta T.S Eliot, todos os interesses de um povo, da culinária ao futebol, inserem e abrangem o conceito de Cultura. Assim, entendemos que a elasticidade do signo linguístico pressupõe uma forma teórica nova para categorizá-lo dentro de uma perspectiva que distende e coloca em tela seu conteúdo histórico, tributário de processos sociais considerados em conjunto e não apenas como projeções hierárquicas que consignam a alta e a baixa cultura dentro de uma escala de valores.

Nesse sentido, a proposta metodológica d’Os Estudos Culturais, quando estes se debruçam sobre a cultura ou sobre as culturas, também absorvendo o sentido antropológico do termo, pretende desvelar os elementos que estão por trás de determinadas práticas, elementos que estão além das aparências, absorvendo não apenas o significado mais restrito do termo – a cultura como norma de excelência – quanto seu significado catalisador - a cultura como um modo de vida. No entanto, para dois autores que ajudaram a inaugurar a teorização e a metodologia d’Os Estudos Culturais, (Hogart e Williams) essa submersão nos aspectos culturais comunga um modus operandi comum – a interpretação do cotidiano iluminada pela interpretação literária ou, dizendo de outro modo, o treinamento da sensibilidade proporcionado pela Literatura permite uma leitura do real que capta suas sutilezas, sutilezas que, amiúde, podem passar despercebidas a um olhar menos crítico ou menos treinado. Aqui, a proposta semiótica de Roland Barthes - vislumbrar o mundo como texto - aporta sem dificuldades. O escritor, professor e crítico francês, utilizando um modelo derivado da Linguística do suíço Ferdinand Saussure pretende demonstrar o caráter arbitrário da cultura, aquilo que para os mais incautos, e são muitos, naturaliza-se substantivamente, perdendo não somente sua filiação contextual, como ascendendo enquanto mitologia que explica e determina aquilo que parece espontâneo, mas, se focado com maior acuidade, se revela orquestrado. Barthes não estava interessado, a exemplo de Hogart, em distinguir, na cultura o bem e o mal ou o genuíno e o alienante e alienado, ainda que de certo modo também o fizesse. Afinal, quando procurava identificar a “medula ideológica” que naturaliza idéias e percursos de maneira universalista, não perde de vista as instâncias de poder com seus inúmeros tentáculos que envolvem numa mesma rede dominantes e dominados.

De forma ainda mais radical, a semiótica de Barthes pretendia costurar definições opostas de cultura – convicções morais e temas populares. Partindo da premissa de que “ o mito é um tipo de discurso”, o linguista francês tenta identificar – na moda, no cinema, na comida – a retórica que nos bastidores estrutura formas, ritos, ditos, códigos específicos disseminados de modo a formatar todas as relações sociais ideologicamente alimentadas. Todavia, lembrando-nos o verso pessoano que assevera que “o mito é o nada que é tudo”, é preciso entender que miradas eletivas de investigação – sociológica, semiótica, econômica - podem abarcar conceitos diferenciados de Ideologia e é de Ideologia que estamos tratando quando adentramos no território dos símbolos e dos signos que estruturam miticamente as relações sociais.

Para Stuart Hall, por exemplo, a aparência inquestionável das coisas, travestida de transparência e naturalidade, torna invisíveis as premissas que entronizam essas coisas hierarquicamente. Entretanto, a carga ideológica que antepara comportamentos e idéias não pode ser sublinhada como uma visão de mundo partidarista e sectária, pois que, “saturando o discurso cotidiano em forma de sentido comum” a Ideologia resvala não para “falsa consciência marxista”, mas para a inconsciência, como assinalou Althusser, que insere os homens num processo de representação que lhes escapa, ainda que demarque as fronteiras e os limites de suas vidas.

Assim, para entender, com maior perspicácia, a dimensão ideológica que subjaz a atos, palavras, vontades e omissões, devemos ter em mente, como afirma Hall, que múltiplos códigos normativos e conotativos funcionam como “mapas de significado” que tornam a vida social inteligível. Todavia, é na desigualdade, situada sincronicamente, entre dominantes e dominados que esses mapas de significado se sustentam, conformando o mundo de modo assimétrico e por isso conflitante. Aqui, podemos subscrever o conceito de Hegemonia de Gramsci como aquele que traduz tanto a autoridade subsumida nas relações sociais quanto a temporalidade volátil da mesma - a hegemonia como um “equilíbrio móvel que contém forças favoráveis ou desfavoráveis a esta ou aquela tendência”, forças que disputam um espaço erigido entre consentimentos que devem ser conquistados e por isso se constituem impermanentes.

Nessa perspectiva, a simbiose entre ideologia e ordem social, entre produção e reprodução é permeada por objeções e contradições sempre renovadas, contradições que extrapolam os conflitos de classe, pois que envolvem uma leitura diferenciada dos signos que revestem as relações sociais, uma leitura muitas vezes heterogênea até dentro dos limites um mesmo território de significação social e econômica . Nesse processo, é que as subculturas e o estilo de vida que objetiva e subjetivamente lhes caracterizam pode desmitificar certos conteúdos ideológicos respaldados de maneira naturalizada e aparentemente consensual, abrindo veredas subversivas no discurso hegemônico. Para Hebdige, o Movimento Punk e o Movimento Reggae podem ser considerados emblemáticos nesse aspecto. Emergindo com mais força a partir de meados da década de 70 - a despeito das diferenças de comportamento e mesmo de inspiração para suas crenças; no caso do Movimento Reggae e seu casamento com o Rastafarianismo, e de suas descrenças; o niilismo apocalíptico punk-, esses movimentos culturais de juventude bebem de uma mesma fonte de iconoclastia que conjuga num estilo - roupas e adereços – uma ameaça à ordem instituída e aos instrumentos que a estruturam, entronizando seus valores num lócus de hierarquia superior –Estado, Igreja, Polícia, Escola.

Os Punks com suas jaquetas de couro, braceletes e coturnos, cabelos moicanos e piercings compõem uma bricollage que através de ritmos acelerados, herdados do rock, desafiam o otimismo de um mundo melhor, cerzindo na alegoria do exótico, conceitos de contracultura movidos a anfetaminas e sentimentos explícitos de uma alienação encenada, uma sexualidade perversa e um eu fragmentado. Nas teias desse desajuste teatralizado nas ruas, bares e discotecas, a subversão converte-se num solipsismo que expõe o ceticismo juvenil materializado visualmente.

Num outro pólo, a música reggae e seus acordes mais lentos e introspectivos - flertes com o Jazz-, sua filiação a uma África idílica que recusa a submissão e se afirma como o levante bíblico dos justos que incorporam e interpretam a palavra divina. Nesse embate paradoxal de dessacralização e sacralização redentoras, o som de jovens negros, o colorido de suas roupas e o poder da marijuanna deflagram no exílio imposto por condições matérias adversas, um exílio mais profundo e afirmativo de uma raça que passa dizer o que quer através, também, da arte.

Entre ambos, o punk e o reggae, a empatia dos descontentes e uma pluralidade lingüística que conjuga o visual e o auditivo como re-percussões de uma demanda por reconhecimento, ainda que seja um reconhecimento propagado com uma voz dissonante.

[i] Resenha - REDIGBE, Dick: Introdução: Subcultura e Estilo In: The Meaning of Style. Methuen& Co. Ltd 1979

Juventude e Visualidade no Mundo Contemporâneo: uma reflexão em torno da imagem nas culturas juvenis


[i]

Daniela Nogueira Amaral
Danielle Parfentieff de Noronha
Tânia Carolina Viana de Oliveira

No texto Juventude e Visualidade no mundo contemporâneo: uma reflexão em torno da imagem nas culturas juvenis, Ricardo Campos demonstra a importância de pensar os estudos das juventudes em termos visuais, a fim de perceber como a imagem e a cultura visual contemporânea participam na construção da juventude. Como problemática central questiona: “como pensar a juventude em termos visuais?”. Segundo o autor, diferentes imagens e imaginários “tendem a fornecer coordenadas para a forma como a sociedade representa os jovens (e este se representam)” (p.113). A imagem carrega um poder que possibilita a identificação entre esses jovens.

Para o autor, o critério etário não é suficiente para determinar a categoria juventude. E também não devemos pensar em juventude, mas em juventudes, que se dispersam pelo espaço geográfico e social e enfrentam problemas e possibilidades muito distintas e, desta forma, assumem configurações peculiares.

Através de mecanismos visuais a juventude demonstra representações e identidades, que de acordo com o autor, são conceitos que permitem investigar eventuais conexões entre os circuitos de produção, difusão e consumo. O exotismo visual de alguns grupos, denominadas subculturas, são elementos-chave na decodificação desses grupos e na possibilidade de perceber a diferença existente entre eles.

Outras práticas ligadas ao estudo da juventude, diz respeito aos estudos da mass media e sua influencia na construção dessa categoria. Através dos espaços midiáticos e da publicidade, televisão e cinema, o jovem pode ser representado e determinar certo estilo de vida. Como demonstra o autor, a representação visual de alguém, grupo ou comunidade interfere na forma como esse alguém se representa e se apresenta visualmente, “e, portanto, naquilo que poderíamos definir como a sua identidade visível ou visual” (p. 119). Dentre as formas como as juventudes são representadas, há uma representação socialmente forjada. Em certos momentos, a juventude é modelo e, em outros, antimodelo – que serão determinadas pelas questões históricas e contextuais. Também se tornou uma categoria com elevado valor comercial e simbólico, que é reinventada conforme a ideologia e o comércio do momento.

O autor salienta o crescimento e a importância no campo dos estudos visuais para pensar a negociação e determinação dos estilos de vida e identidades do ser jovem e dessa maneira compreender algumas práticas culturais. A identidade em elaboração está em constante negociação, quando estão em jogo variadas possibilidades de apresentação e representação. A partir dos sistemas de simbolização visual é possível perceber as manifestações dos grupos identitários. É através dos discursos reproduzidos sobre eles mesmos e sobre os outros que podemos entender os processos de identidade juvenis.

Campos destaca que a utilização, pelos jovens, dos recursos visuais fazem com que eles tenham ferramentas para produzirem algo relacionado à suas realidades. Como ele mesmo destaca “a visualidade é, assim, cada vez mais uma arena de prospecção criativa de afirmação de competências sociais, culturais e simbólicas que, tantas vezes, é desconhecida ou censurada pelo universo adulto” (p. 120).

[i] Resenha de CAMPOS, Ricardo. Juventude e visualidade no mundo contemporâneo: uma reflexão em torno da imagem nas culturas juvenis. In. Sociologia, Problemas e Práticas, nº63, Lisboa, 2010, p.113-137.

De Mudanças e Metáforas


Das mudanças das metáforas, às novas metáforas e mudanças na teoria critica dos nossos tempos. É nesse empreendimento que Stuart Hall elabora uma analise das representações metafóricas das transformações culturais (e de certa forma, uma homenagem a Allon White). Para tanto, se vale da obra que este elabora com Peter Stallbryass: Política e a poética da transgressão.

Sugere Stuart Hall uma analise das “metáforas de transformação” para pensar analiticamente a relação entre o social e o simbólico no processo de transformação. Cita Marx e sua perspectiva de reduzir as idéias operantes em toda sociedade, às idéias da classe dominante (p. 206). Nessa direção a transformação corresponde à substituição. Ou seja, “o mundo de cabeça para baixo”, a metáfora que exprime inversão.

Essa concepção é superada, tendo a idéia de que as categorias “alto” e “baixo” propostas por Allon Mhite e Peter Stallbryass, que entendem, em uma perspectiva “carnavalesca” a relação do social com o simbólico. Nesse sentido Hall sugere se ater nas “afinidades eletivas” dos autores com as idéias bakhtinianas.

Em suma trata-se de perceber as interligações hierárquicas no campo do social e simbólico, que elaboram e reelaboram arcabouços culturais que se relacionam. Essa inter-relação entre as classes sociais sugere outras possibilidades de entender a “transgressão”. O carnaval é a metáfora do “mundo as avessas”, onde o plebeu se torna príncipe; o escravo manda no senhor; onde o corpo torna-se o algoz subversivo.

A ênfase apresentada por Hall, e o que insiste em chamar atenção por via da metáfora do carnaval é uma “interdependência”, onde nenhuma forma ou idéia é hegemônica, ao passo que um se constrói na relação com o outro. A hierarquia torna-se, assim, um espaço de negociação e contradição.

Como fica assim a transgressão? Enquanto categoria de analise de metáforas, se constitui em “... algo sintomático de uma transição maior em nossa vida política e cultural, bem como no trabalho teórico das últimas décadas.” (p.212). Demonstra essa constatação por via dos Estudos Culturais.

Partindo de Raymond Williams chama atenção para o “popular” como elemento transgressor das “fronteiras da classificação cultural” (p. 213). Essa é a fonte do dilema binário. O “relacionamente”.

Chegando a 1975 trata da 2ª fase do “Centro”: as “subculturas jovens”. Nessa o caráter da “resistência” se caracteriza enquanto frente à “ordem dominante”. A representação simbólica é visualizada por via de “rituais”. Expressões diferentes – e pouco entendidas – dos cânones clássicos de transformação sócia. A base dessa postura é a idéia de “equilíbrio nas relações de força” proposta por Gramsci na analise da luta hegemônica. Substituindo a analise das relações sociais que entende a “luta de classes”, essa por sua vez não foge do esquema binário em dilema.

No terceiro momento apresenta a questão do “discurso ideológico” sugerindo repensar conceitos, mecanismos e mapeamentos. É com esse esforço que Hall entende que o caráter interdisciplinar – segundo Schulman (1999:169): “Os Estudos Culturais foram concebidos desde o inicio, como empreendimento interdisciplinar.” - dos Estudos Culturais possibilita ampliar o olhar acerca do fenômeno da ideologia para além de um marxismo recorrente.

A continuidade é a tentativa de aproximar a ideologia ao simbólico. Colocando o significado assim como flutuante e não como estabelecido, tendo em vista que o “signo ideológico” é “plurivalente” (Volochinov apud Hall 2009:216). Dentre outras concepções de relacional o ideológico ao signo (Freud).

Percebe-se ainda assim, que a idéia de classes não é abandonada. Seja em lados opostos ou se relacionando de formas diferentes, mas existem. Mas não seria possível pensar ideologia sem classes? Ou ela só se funda nessa distinção, dicotomia...?

Essas reflexões que partem do texto têm a apresentação analítica que Hall faz de Marxismo e filosofia da linguagem como impulso. E nesta obra destaco quando o(s) autor(es)1 afirma(m) categoricamente: “Todo fenômeno que funciona como signo ideológico tem uma encarnação material, seja como som, como massa física, como cor, como movimento do corpo ou como outra coisa qualquer.” (Bakhtin, Volochinov: 1990:33).

Hall segue apresentando a influencia de Bakhtin nos Estudos Culturais. Entendo como afirma Schulman que posição teórica dos estudiosos dos EC desde os princípios, se explica e se afirma pela sua posição social. Logo, o fato de politicamente o contexto influenciar Bakhtin, suas reflexões mostram uma perspectiva dialógica na vida do autor. O dialogismo presente em sua obra põe em debate a questão da autoria, o que também pode ser compreendida na direção das representações.

E dessa reflexão acerca das metáforas de transgressão que Hall considera fortuita a relação analítica entre a “dialógica da plurivalência” e a “dialética do antagonismo de classe”. A tentativa é mostrar a contribuição que uma lógica atribui à outra, é como se uma preenchesse a lacuna - limite? - da outra (p.220). Para tanto argumenta com Gramsci partindo dos “fundamentos paradoxais que captam o relacionamento dialógico entre forças antagônicas...” (p.221). Consiste num aprimoramento teórico presente nos Estudos Culturais.

O conteúdo crítico de Stallybrass e White, na direção das estruturas “binárias-e-inversões das metáforas clássicas”, pode ser vista em McCabe, também recorrendo a Gramsci, quando se volta para a cultura popular com base no “nacional popular”, entendida como uma força de ruptura com o alto e baixo. A horizontalidade proposta leva as metáforas na direção de não considerar a cultura popular uma mera forma de resistência.

Dessa forma - dialogando com Derridá - isso não significa o abandono da posição clássica, mas “colocá-la ´sob rasura`”. É sim considerá-la fundamental na constituição de identidades dentro da cultura européia (Stallybrass e White). Ressaltando assim o “princípio hierárquico da cultura”, no procedimento de deslocamento.

Por fim apresenta uma longa citação dos autores onde estes se valem de Jameson para defender a dialética que forma o inconsciente político quando procura alcançar a singularidade da identidade, e nessa busca, o inconsciente torna-se heterogêneo.

Referencia Bibliográfica

BAKHTIN, Mikhail (Volochinov). Marxismo e filosófica da linguagem. São Paulo: HUCITEC, 1981.

HALL, Stuart. Para Allon White: metáforas de transformação. HALL, Stuart. Da Diáspora. Identidades e Mediações Culturais. Beljo Horizonte: Ed UFMG/Humanitas,, 2009.

SHULMAN, Norma. O Centre for Contemporary Cultural Studiesda Univrsidade de Birmingham: uma historia intelectual. SILVA, Tomaz Tadeu da (org.) O que é, afinal, Estudos Culturais? Belo Horizonte: Autêntica, 1999.

1 Sem querer entrar no debate sobre autoria - mas é difícil definir entre Volochinov e Bakhtin - como alerta Roman Jacobson no Prefácio da obra; bem como Hall (2009:218). Vou usar os dois.

Stuart Hall e as Identidades Descentradas


Elaborado Por:  Liana Matos

Resenha do livro: HALL, Stuart. A Identidade Cultural na Pós-Modernidade. 6a. Ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2001. 

Stuart Hall é um autor jamaicano que viveu e estudou na Inglaterra na década de 50. Seus estudos recaem sobre a análise das identidades culturais e dos meios de comunicação. No âmbito da identidade cultural, Hall escreve um ensaio que se torna um pequeno livro intitulado “A Identidade Cultural na pós-modernidade”. Neste texto ele busca analisar o que seriam as identidades na modernidade tardia.

Para tanto esquematiza o livro da seguinte forma: primeiro faz uma análise sobre os processos de mudanças no conceito de identidade e de sujeito durante a modernidade. Desta forma, apresenta a evidência de três concepções de sujeito: do iluminismo, o sociológico e o pós-moderno.

O sujeito do iluminismo seria o que está ligado a centro de individuação. Um eu centrado, em que a pessoa adquire desde seu nascimento até sua morte a ideia de particularidade. Ou seja, no sujeito do iluminismo a identidade é uma espécie de essência do próprio sujeito. Já o sujeito sociológico, avança na ideia de sujeito do iluminismo ao trazer o complemento de que o sujeito e constituído também por suas relações sociais. Este sujeito é formado pela interação do “eu” com a sociedade, evidenciando-se a existência de pertencimento a grupos sociais. A centralidade agora está assentada no grupo a que ele pertence. Sobre o sujeito pós-moderno, ele diz que o sujeito deixou de ser unificado e passou a ser pensado como formado por facetas de suas relações, se tornando incompleto, cindido, ambíguo. Para Hall, este sujeito emerge da crise do sujeito moderno.

Hall passa a discutir o que seria então a modernidade/globalização e o seu impacto sobre a identidade cultural. Para tanto lista alguns autores e seus respectivos conceitos sobre a modernidade. Ele apresenta vários conceitos sobre descontinuidade, fragmentação, ruptura e deslocamento, como características do que denomina por modernidade tardia.

Já na discussão sobre as identidades culturais, o autor demonstra que as identidades nacionais não vêm com o nascimento das pessoas, mas são construídas socialmente por meio de representações culturais. Aborda a ideia de nação como uma forma que distingue a sociedade moderna e sua importância na fomentação de um sistema de representações simbólicas em que o sujeito passa a adquirir uma ideia de pertencimento, de identificação. 

Com tudo isso, o que Hall quer levantar é um questionamento sobre ideias fixas de identidade, como a nacional, que se apresentam aparentemente coesas. O que interessa é entendermos como funciona o sistema de representações e o deslocamento das identidades nacionais pelo processo de globalização.

O que Hall questiona é o seguinte: independentemente da diferença (classe, etnia, gênero) o que a identidade nacional parece buscas é uma ideia de unificação. Mas até que ponto essa unificação anula e subordina a diferença cultural? O que estaria descentrando o sujeito? O que estaria deslocando as identidades culturais nacionais na contemporaneidade? Dentre esses questionamentos, Hall aponta a globalização como responsável por algumas destas transformações. Assim, o que estaria acontecendo, segundo Hall, seriam consequências paradoxais da globalização: por um lado a forte pressão de homogeneização cultural e por outro lado a produção de novas identidades, particularizadas.

É perceptível que Hall abre um leque de discussões no meio acadêmico sobre a identidade cultural na modernidade tardia. E assim ele conclui sua discussão enfatizando as contradições globalização. Com os exemplos mencionados pelo autor, parecia que Hall apontaria para a ideia de que a globalização promove o esquecimento de narrativas locais, pelo fortalecimento de identidades universalistas. Porém, ao final, ele lembra que a globalização não está atuando em nenhum dos lados do pêndulo universal/particular, mas estaria provocando o que Hall sustenta desde o princípio do livro: um descentramento do sujeito na contemporaneidade.

Culturas Juvenis


Elaborado Por: Lucas Carvalho

Culturas juvenis, nome que intitula o livro de José Machado Pais, é referência quando se fala em uma sociologia da juventude, a passo que a obra possibilita um novo olhar sobre o tema (a partir da perspectiva analítica sobre o cotidiano). No texto que se segue serão apontados alguns dos principais argumentos referentes às “notas preambulares” e a “primeira parte” do livro. Será discutido o processo de maturação da pesquisa de Pais, os dilemas, as escolhas de caminhos e métodos de investigação e consequentemente o desenvolvimento de uma problemática sociológica referente a juventude portuguesa.

Nas breves notas introdutórias, Machado Pais afirma que nesse momento não iria fornecer nenhuma resposta sobre seu objeto de pesquisa. O que se segue é uma reflexão mais do ponto de vista metodológico, onde ele afirma sobre a dificuldade de oferecer respostas aos questionamentos suscitados sobre objeto pesquisado (no caso a juventude portuguesa). É a partir dessa dificuldade de oferecer respostas que surgem as teorias, classificadas por ele, como estruturas de pensamento capazes de orientar os passos investigatórios. Junto com as teorias, nasce uma tradição sociológica, que se pauta na idéia de que para cada problemática construída é necessário uma vertente teórica para guiar a investigação e dar legitimidade a esse processo.

Apesar de parecer um caminho fácil, o autor fala da sua própria experiência, onde retrata que quanto mais mergulhava na investigação das culturas juvenis, mais buscava esse aparato teórico para dar sustentação a pesquisa, mais dúvidas surgiam, tornando o processo investigatório mais complexo. Porém, é no meio dessas dúvidas, que Pais começa sentir a necessidade de entender cada vez mais o cotidiano da vida dos jovens para conseguir compreender como funcionava a lógica da relação entre as transformações sociais, tanto no âmbito socioeconômico, quanto no âmbito individual, social e familiar, vendo os jovens no centro desse processo.

A partir do momento em que Machado Pais escolhe o estudo da vida cotidiana das juventudes como base analítica, ele sente a necessidade de colocar em evidência o uso do tempo pela juventude, relacionado com o ordenamento social, onde o autor revela que a partir daí será possível compreender a realidade destes jovens, a partir do consumo desse tempo, das suas experiências e vivências, possibilitando também o surgimento de formas específicas de sociabilidades. Pais também revela que mesmo com todo um aparato teórico, as vezes é preciso experienciar esse cotidiano juvenil, e também dar voz a ele, para que certos símbolos, linguagens, relações de sociabilidade, sejam entendidas de fato e não de forma arbitrária.

Na primeira parte do livro, o autor retrata a necessidade de romper com o fato de analisar a juventude sobre o âmbito de um grupo unitário, homogêneo. É preciso segundo José Machado Pais, analisar não somente as similitudes desse grupo, mas também suas diferenças, tendo em vista de que o fato dos indivíduos compartilharem certos sentimentos em comum, não significa dizer que todos sejam iguais, tenham as mesmas trajetórias, as mesmas experiências, inclusive sobre a própria noção de juventude.

Sobre as formas de analisar a juventude, o autor abre uma discussão entorno de duas correntes teóricas. A primeira corrente ele denomina de teoria geracional. Esta teoria enxerga a juventude sob o ponto de vista etário, ou seja, a juventude é concebida como fazendo parte das fases da vida. Enfatiza-se dessa maneira os aspectos unitários da juventude. Essa corrente crê que em uma sociedade existe uma diversidade de culturas desenvolvidas com um conjunto de valores dominantes. Dessa forma, a questão essencial dessa corrente são as continuidades e descontinuidades dos valores e relações intergeracionais, que são discutidos tanto do ponto de vista das teorias da socialização, quanto da teoria das gerações. Uma das críticas que se faz a essa corrente é, justamente, a sua tendência a tratar a juventude de forma homogênea dentro de uma fase etária determinada, não representando de forma adequada o grupo a partir dos seus próprios entendimentos.

A segunda corrente recebe o nome de teoria classista. Enquanto a corrente geracionista via a questão da reprodução social a partir das análises das relações e conteúdos das relações intergeracionais, a corrente classista enxerga essa reprodução a partir das questões de gênero, etnia, raça, ou seja, a partir da perspectiva das classes sociais. Pela forma de pensar a juventude através do foco nas classes sociais e analisar o processo de transição para a vida a adulta sobre a ideia das desigualdades sociais é que a corrente classista se mostra crítica aos conceitos de juventudes pautados na ideia de fases da vida. Porém, o autor revela que os processos sociais vividos pelos jovens, não podem ser pautados somente a partir da perspectiva do antagonismo de classe social, mas também a partir das relações sociais, das trajetórias individuais, das experiências de vida que eles carregam e que fazem com que o transito para a vida adulta, que parecia ser algo já pré-estabelecido, possa ser modificado.

Para finalizar, a partir da análise do cotidiano e do curso de vida da juventude, das suas trajetórias, suas similaridades e diversidades, Pais mostra que as culturas juvenis se mostram muito mais complexas do que se pode imaginar. Podendo conter no interior delas tanto aspectos, etários, classistas e geracionais, constituindo-se um verdadeiro paradoxo. Dessa forma, o uso isolado, seja da teoria geracionista ou da classista, não seria capaz de dar conta da complexidade da análise sobre as juventudes, podendo gerar certos reducionismos sobre o tema. Dessa maneira, o autor justifica optar por articular as duas correntes, na tentativa de compreender a juventude de uma forma mais dinâmica, real e concreta.

Referencia Bibliográfica

Resenha de PAIS, Machado José. Notas Preambulares; Parte I. in Culturas Juvenis. 2.ed. Lisboa, 2003.

Cinema da África e sobre a África


Comente sobre os filmes abaixo e indique links

A Guerra do Kuduro (Henrique Narciso Dito - 2009)
Ficção sobre o kuduro, com atores músicos e encenado em Luanda.

É Dreda Ser Angolano (Rádio Fazuma – 2010) 65min.
Documentário sobre juventude em Luanda, música e cotidiano.

Luanda, a Fábrica da Música (Kiluange Liberdade e Inês Gonçalves -2009) 57min.
Documentário sobre o kuduro em Luanda, modos de fazer, dinâmicas, músicos e público.

Mãe Ju (Kiluange Liberdade e inês Gonçalves) 55min.
Documentário sobre a discoteca da Mãe Ju, em Luanda.

Na Terra Como no Céu (Inês onçalves)
Documentário com temática religiosa, em São Tomé e Príncipe.

Nu Bai, o Rap Negro de Lisboa (Otavio Raposo, 2006) 67min.
Documentário sobre o rap nos bairros de Lisboa. A diferença é de dez anos na realização para outro filme acima sobre o rap em Lisboa.

O Rap é uma Arma (Kiluange Liberdade, 1996) 35 min.
Documentário sobre o rap nos bairros de Lisboa.
Realização para outro filme acima sobre o rap em Lisboa.

Oxalá Cresçam Pitangas (Ondjaki e Kiluange Liberdade, 2008) 63min
Documentário sobre Luanda pós guerra civil, juventude, cotidiano e expectativas.

Tchioli (Kuluange Liberdade e Inês Gonçalves, 2009) 51min
Documentário sobre práticas tradicionais em São Tomé e Príncipe.

Outros Bairros (Kiluanje Liberdade, Inês Gonçalves e Vasco Pimentael) 54min
Documentário sobrtre bairros periféricos em Lisboa, juventude negra.

A Guerra Colonial (Joaquim Furtado, 2007)
Documentário em vários episódios, em média 60min cada, sobre a guerra colonial portuguesa em Angola.

Atlântico Negro: na Rota dos Orixás (Renato Barbieri, 1998)
Documentário sobre religião dos orixás entre Brasil e África.

Quilombos da Bahia (Antonio Olavo) 98 min.
Documentário sobre os quilombos do estado da Bahia.

Nhá Fala (Flora Gomes, 2002)
Ficção sobre jovem cantora em Bissau. Trata da transgressão simbólica A tragédia, augúrio ditado pela negra condição africana, é contornada por um poder maior, que a tradição substima, reprimida pelo colonialismo : a força da vida.

Cafundó (Paulo Betti e Clovis Bueno) 98 min.
Ficção biográfica sobre a vida de João de Camargo, Preto Velho milagreiro nas primeiras décadas do século XX.

Da Etnologia à Filosofia Política (ideologias políticas)


Sintese elaborado pelo estudante do curso de licenciatura em Antropologia da Universidade Eduardo Mondlane (Moçambique) na disciplina de História do Pensamento Africano.

O texto começa por trazer o percurso histórico da antropologia como ciência, nesse sentido o autor vai buscar o evolucionismo como uma linha de pensamento com uma visão etnocêntrica e classificava as sociedades segundo o seu grau de desenvolvimento técnico, nessa ordem de ideia, o evolucionismo era uma forma de pensar do ocidente que via as sociedades de forma linear ou evolutiva e que a sociedade ocidental era o ponto de referência.

No entanto, esta teoria evolucionista foi sendo substituída por uma outra que é o funcionalismo de Malinowski e Radcliffe Brown, ambos são figuras eminentes da antropologia social Britânica, nesse sentido, essa corrente vem rectificar o que a corrente evolucionista fazia ela retira a possibilidade de generalizar as sociedades, essa corrente advoga que dentro de uma sociedade temos que ter em conta todos os aspecto da vida social e cultural e todas as instituições. Portanto segundo Ngoenha a epistemologia actual demonstra que uma certa convivência entre o funcionalismo, que estuda cada etnia como um mundo fechado, coerente e intemporal, deste modo, o funcionalismo sugeria a irredutibilidade das culturas a um denominador comum, e fornecia um novo horizonte para o surgimento do relativismo cultural.

O relativismo cultural que é um termo bastante relevante na antropologia defende a diversidade cultural e social e considerava que a unidade do género humano se manifestava na sua capacidade de se diferenciar em múltiplas culturas. Portanto, segundo Herkovits citado por Ngoenha a cultura é um conjunto dinâmico, sujeito a mudança porem, ele acrescenta que toda cultura adopta uma direcção particular.

O posicionamento do relativismo tinha como objectivo lutar contra o imperialismo americano e defender as minorias colonizadas, os grupos oprimidos, nesse sentido na visão do autor, o relativismo cultural impõem como normas, o respeito pelas diferenças, a crença na pluralidade de valores, aceitação da diversidade, alem disso o relativismo cultural contribuiu para a tomada de consciência sobre a necessidade de considerar as outras culturas de maneira mas seria e independente da cultura ocidental. Deste modo, um dos grandes impacto do relativismo cultural foi surgimento de novas escolas com grandes investigadores do ocidente que vieram estudar as sociedades ditas primitivas com grande objectividade, valorizando passando do africano. 

Esta viragem de grandes pensadores europeus trouxe uma nova abordagem sobre as sociedades ditas primitivas de forma concisa e esses autores foram considerados traidores da etnografia por descrever de forma mais objectiva as sociedades que ate agora eram consideradas sem interesse e isso levou a Levi Bruhl a alterar o seu slogam de considerar as sociedades ditas primitivas com um pensamento pré-lógico e a considerar o pensamento lógico dentro do seu contexto. 

Voltando ao relativismo cultural que tem origem no continente americano, algum momento contribuiu muito para o surgimento de movimentos como Negritude que protestava contra a submissão de negro, alem disso, foi uma teoria que serviu de alicerce para essa revindicação para grandes figuras como Senghor, Cesaire,Damas, Dubois. Entretanto esses autores tinham diferentes tendências mas com o mesmo objectivo. Segundo Ngoenha para Damas tratava se de negar a assimilação e defender a própria qualidade do negro, para Cesaire era a constatação de um facto que se resolve no regresso de e na assunção do destino da raça, e por ultimo, Senghor a Negritude delineava se como descoberta, defesa e ilustração do próprio património racial e do espírito da própria civilização. Nesse sentido, Senghor sustenta que a libertação cultural é a condição preliminar da libertação política, e faz uma análise da civilização africana tradicional, vista como um complexo unitário de concepções comuns a todo continente.

Contudo, o autor mostra como surge duas grandes ideologias políticas partindo da etnologia, nesse sentido vai partir de um princípio básico, que é o evolucionismo que é uma linha de pensamento ocidental ou que tem imagens preconcebidas, isto é, principio teórico que assiste uma evolução. Não obstante o autor recupera o evolucionismo como uma forma de pensar europeia, e que ao longo do tempo foi sendo substituída por funcionalismo que defendia a interligação, e que essa nova proposta vai de forma indirecta negar os princípios universais. Entretanto o funcionalismo advoga que as sociedades tem uma interconexão de diferentes partes, portanto o funcionalismo contribuiu de forma significativa para o surgimento do relativismo cultural que foi grande passo para o aparecimento do movimentos como a negritude, que foi ideologia que procurava criar ou demostrar uma identidade negra, valorização dos negros em diferentes contextos do mundo, era uma forma de mostrar a complexidade do ser humano, e o relativismo cultural é uma linguagem antropológica.

Referencia Bibliográfica

Ngoenha, S. (1993) “Da Etnologia à Filosofia Política (ideologias políticas)” in Filosofia Africana: Das Independências às Liberdades, Maputo, Edições Paulistas, pp 53-67.

Pan-Africanismo e Movimentos Culturais Negros


Trabalho elaborado pelo estudante do curso de licenciatura em Antropologia da Universidade Eduardo Mondlane (Moçambique) na disciplina de História do Pensamento Africano.

No presente trabalho pretendo fazer uma síntese do texto de Dos santos (2007), cujo título é “Pan-Africanismo e movimentos culturais negros”. Na qual a ideia central do autor sige-se em dar uma explicação de como surgiram os movimentos culturais negros nos Estados Unidos, Cuba, Haiti, França, nesse sentido para tornar possível os objectivos do texto a autora recorreu a revisão de literatura ou seja de pesquisas bibliográficas de autores relacionados com o tema.

Dos santos traz uma abordagem histórica do comércio triangular que envolveu Europa, África e América, nesse sentido afirma o autor que este comércio criou as condições para futuros movimentos culturais negros. De acordo com o autor o movimento Pan-negrismo começa com a auto-afirmacao da igualdade da raça negra nas três Américas que sofria ainda uma profunda escravidão mesmo após a abolição do tráfico de escravo em 1888.

Para o autor duas figuradas se destacaram nesse movimento que são: W.Dubois e M.Garvey, mas antes desses dois, o autor faz menção de Blyder que é considerado como a primeira personalidade a falar de Áfrican Personality, este segundo Nascimento citado por autor é o fundador do Pan-Africanismo. Dubois pensava num Pan-Africanismo em que o negro teria os mesmos direitos nos estados unidos da América, lugar onde a desigualdade dos direitos e submissão da raça negra era algo predominante, por isso ele propunha que o negro lutasse pelos seus direitos numa nação onde ele ajudou a construir a sua economia sobretudo o seu desenvolvimento.

Garvey ao contrário de Dubois propunha que o negro regressasse a África Terra Mãe, ele acreditava que só em África que o negro viveria livre e feliz, nessa linha de pensamento o autor afirma que Garvey fundou uma associação e comprou dois navios que com eles conseguiu carregar alguns negros a África. Dos santos fazendo uma comparação entre Garvey e Dubois, diz que o primeiro em relação ao outro conseguiu arrastar uma massa de pessoas enquanto Dubois não conseguiu arrastar uma elevada densidade populacional. 

Dentro da linha do debate acima de Garvey e Dubois em torno do Pan-Africanismo, surgem os movimentos culturais negros em todo o mundo, nessa ordem de ideia o autor avança que o primeiro movimento a surgir foi o Renascimento Negro Americano, este movimento surge em Harlem uma cidade Nova Yorkina nas décadas de 20-30 do século XX, surgem grandes nomes que levaram a cabo esse movimento, nomes como Langston Hughes, Claude Mackay e Richard Wright.

A poesia de Hughs expandiu para outras partes fora dentro e fora da América, neste caso inspirou o movimento do Indigenismo Haitiano, Negrismo Cubano e a Negritude na França. Para o autor o Indigenismo haitiano surge em 1927 com a publicação da revista Revolução Negra, este preconizava a valorização da cultura autóctone do Haiti que sofreu uma desvalorização por parte dos colonos. O termo indigenismo surge como revalorização da cultura negra haitiano, ela tinha um arsenal de pessoas em defesa dela, valorizou a o folclore, culto ao vudu que foi desprezado pelo colono alegando que era algo mas primitivo.

O negrismo Cubano surge nas mãos do poeta Nicolas Guillén em 1930 com a publicação do Motivos de Son que teve impacto positivo no mundo negro e comparável ao do Renascimento Negro Americano, nesta óptica o autor afirma que este ao contrário do Haiti, a sua densidade populacional negra era muito baixa, mas ela para ser cultura negra cubana passa a reivindicar a sua cultura. Este movimento tinha a poesia como género literário enquanto o indigenismo haitiano tinha a prosa como género literário.

Para o autor a Negritude foi definido por um dos seus mentores como uma revolução na linguagem e na literatura que permitiria reverter o significado pejorativo da palavra negro para dele se extrair um sentido positivo, visto que a palavra Negretudo em Français tem uma força de expressividade muito forte e ofensivo. Dai que surge a ideia de reverter a semítica dela para o positivo de modo que a comunidade negra passasse a assumi-la com orgulho e não pudesse ter vergonha ou revolta dela.

Aimé Césaire caracteriza a Negritude por três palavras nomeadamente a identidade que significava assumir-se ser negro com orgulho; a fidelidade que significava ligação permanente com a Mãe-África e a solidariedade que significa o sentimento de união e identidade comum entre todos os negros. 

Contudo, fica nesta pequena e breve síntese a ideia de que o Pan-negrismo pode ser viso como um movimento Mãe, visto que ela da origem a todos outros movimentos culturais desde Renascimento Negro Americano até a Negritude. Nesse sentido o autor afirma que a génese do Pan-Africanismo esta no comércio triangular, porque foi atraves de dela que os negros começaram a ter a consciência de revalorização das suas culturas, que estavam submetida a colonização e exploração brutal.

Em ralação ao debate de Garvey e Dubois, afirma o autor que Dubois mais teórico enquanto Garvey foi mais prático e conseguiu arrastar um número elevado de massa popular em ralação ao Dubois. Estes movimentos mais tarde vieram a formar aquilo que chamou-se de movimento de descolonização.

Referencia Bibliográfica

Dos Santos, D. (2007) “Pan-Africanismo e movimentos culturais negros” in ANALECTA v.8 No1, Jan/Jun 2007, pp 67-77.

quinta-feira, 5 de outubro de 2017

Biografia de Edmund Leach


Edmund Ronald Leach nasceu em Lancashire, Inglaterra, em 7 de novembro de 1910 e faleceu em 6 de janeiro de 1989. Graduou-se em Matemática e Ciências Mecânicas no Clare College de Cambridge em 1932, com a distinção de First Class Degree. Após um período de quatro anos na China como funcionário de uma empresa de comércio, durante o qual viajou extensamente nas férias (incluindo uma visita aos Yami na ilha de Botel Tobago, seus “primitivos reais”), retornou à Inglaterra em 1937 e estudou Antropologia Social com Bronislaw Malinowski e com Raymond Firth. À uma pesquisa abortada no Curdistão devido à crise de Munique (1939), seguiu-se uma viagem à Birmânia (hoje Myanmar), em 1939, para um período de pesquisa de campo que se prolongou até o fim da Segunda Guerra. Durante este tempo, tornou-se membro do Exército da Birmânia, viajando e conhecendo a região ocupada pelos Kachin no Nordeste do país. Doutorou-se na London School of Economics em 1947, onde passou a lecionar até 1953, quando retornou a Cambridge como Lecturer.

Promovido a Reader, em 1972 foi nomeado para uma cátedra na universidade e, em 1966, tornou-se Provost do King’s College. Ascendendo em sua carreira, recebeu inúmeros prêmios prestigiosos na Inglaterra e nos Estados Unidos. Não se furtou a contribuir nas tarefas administrativas das instituições que prezava, inclusive ocupando altas posições acadêmicas e inserindo-se na vida pública: proferiu conferências na BBC (1967), escreveu inúmeros verbetes e incontáveis resenhas de livros, foi presidente da Association of Social Anthropologists (1966-70) e do Royal Anthropological Institute (1971-5), entre outras distinções e honrarias, culminando com sua elevação ao status de Cavaleiro, em 1975. Aposentou-se em 1979.

Sua produção acadêmica é vasta e diversificada, com pontos altos nas publicações dos livros Political Systems of Highland Burma (1954), baseado em sua pesquisa entre os Kachin – hoje um dos clássicos da antropologia e leitura obrigatória nos cursos de formação na disciplina; Pul Eliya, a Village in Ceylon (1961), onde confrontou as teorias de parentesco vigentes até então na antropologia feita na Inglaterra; e uma série de artigos influentes nas décadas de 1950 a 1980, marcada pela coletânea Rethinking Anthropology (1961) e pelos debates vigorosos com contemporâneos na revista Man. Journal of the Royal Anthropological Society. Um pequeno livro de 1970 apresenta sua perspectiva sobre da obra de Claude LéviStrauss e revela a influência deste autor em seus trabalhos.

A produção de Leach inclui contribuições em temas como parentesco e organização social, economia camponesa, posse de terra, casta e classe, semiótica, mito e ritual, classificação e liminaridade, comunicação simbólica, arte, tecnologia, textos bíblicos, mitos gregos.

Biografia de Gilberto Velho


Gilberto Cardoso Alves Velho (Rio de Janeiro, 15 de maio de 1945 - Rio de Janeiro, 14 de abril de 2012) foi um antropólogo brasileiro, pioneiro da Antropologia Urbana no país.

Graduado em Ciências Sociais pelo Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro (1968). Mestre em Antropologia Social também pela UFRJ (1970). Especializou-se em Antropologia Urbana e das Sociedades Complexas na Universidade do Texas, em Austin (1971). Doutor em Ciências Humanas pela Universidade de São Paulo (1975).

Atuou nas áreas de Antropologia Urbana, Antropologia das Sociedades Complexas e Teoria Antropológica. Além de vários cargos acadêmicos, como coordenador do PPGAS do Museu Nacional e chefe de Departamento de Antropologia, foi presidente da Associação Brasileira de Antropologia - ABA (1982-84), presidente da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais - ANPOCS (1994-96) e vice-presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (1991-93).

Foi membro do Conselho Consultivo do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (1983-93), tendo sido relator do primeiro tombamento de terreiro de candomblé realizado no Brasil - Casa Branca, em Salvador. Foi também membro do Conselho Federal de Cultura (1987-88).

Em 2000 tornou-se membro titular da Academia Brasileira de Ciências. Foi agraciado com a Grã-Cruz da Ordem Nacional do Mérito Científico (2000) e com a Comenda da Ordem de Rio Branco (1999). Foi colaborador e professor visitante em várias universidades brasileiras e estrangeiras.
Orientou cerca de 100 dissertações de mestrado e teses de doutorado.

Até sua morte, era professor titular e decano do Departamento de Antropologia do Museu Nacional da UFRJ.

Obras Publicadas

2002: "Mudança, Crise e Violência: política e cultura no Brasil contemporâneo" (Civilização Brasileira)[2]
1998: "Nobres & Anjos: um estudo de tóxicos e hierarquia" (Editora FGV)
1994: "Projeto e Metamorfose: antropologia das sociedades complexas" (Zahar)
1992: "Duas Conferências" / Co-autoria com Otávio Velho (Editora da UFRJ)
1986: "Subjetividade e Sociedade: uma experiência de geração" (Zahar)
1981: "Individualismo e Cultura: notas para uma antropologia da sociedade contemporânea" (Zahar)[
1973: "A Utopia Urbana: um estudo de antropologia social" (Zahar)

MEMORIAL Gilberto Velho.pdf

Biografia de Roberto DaMatta


Graduadado e licenciado em História pela Universidade Federal Fluminense (1959 e 1962). DaMatta possui curso de especialização em Antropologia Social do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (1960); mestrado (Master in Arts) e doutorado (PhD) em 1969 e 1971 respectivamente pela Universidade Harvard. Foi Chefe do Dept. de Antropologia do Museu Nacional e Coordenador do seu Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social (de 1972 a 1976). É Professor Emérito da Universidade de Notre Dame, USA, onde ocupou a Cátedra Rev. Edmund Joyce, c.s.c., de Antropologia de 1987 a 2004. Atualmente é professor associado da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e da Universidade Federal Fluminense.

Estudioso do Brasil, de seus dilemas e de suas contradições, mas também de seu potencial e de suas soluções, DaMatta não se afasta de seu país mesmo quando desenvolve outros temas. A comparação com o Brasil é inevitável em sua obra. DaMatta revela o Brasil, os brasileiros e sua cultura através de suas festas populares, manifestações religiosas, literatura e arte, desfiles carnavalescos e paradas militares, leis e regras (quando respeitadas e quando desobedecidas), costumes e esportes. Daí surge um Brasil complexo, que não se submete a uma fórmula ou esquema único. Para DaMatta, o Brasil é tão diversificado como diversificados são os rituais, conjunto de práticas consagradas pelo uso ou pelas normas, a que os brasileiros se entregam. Todos esses temas são abordados em sua relação com duas espécies de sujeito, o indivíduo e a pessoa, e situados em dois tipos de espaço social, a casa e a rua.

Biografia de Clifford Geertz


Clifford James Geertz (São Francisco, 23 de agosto de 1926 — Filadélfia, 30 de outubro de 2006) foi um antropólogo estadunidense, professor emérito da Universidade de Princeton, em Nova Jérsei, nos Estados Unidos. Seu trabalho no "Institute for Advanced Study" de Princeton se destacou pela análise da prática simbólica no fato antropológico. Foi considerado, por três décadas, o antropólogo mais influente nos Estados Unidos (Shweder and Good, 2005. p. 1).

1943-1945 - Participa da Segunda Guerra Mundial - Marinha dos Estados Unidos.
1950 - Completa os estudos no Antioch College em Ohio.
1951 - Pesquisa multidisciplinar na Indonésia. Geertz estuda religião. Hildred, sua esposa, estuda parentesco.
1956 - Ph.D. na Universidade de Harvard em Antropologia Social no Departamento de Relações Sociais.
1930-1980 - Regressa aos Estados Unidos. Mantém contato com Parsons na Universidade de Chicago.
1957-1958 - Realiza novas pesquisas na Indonésia.
1960-1970 - Professor na Universidade de Chicago.
1963-1971 - Pesquisas no Marrocos. Publica " Islam Observed" em 1968.
1970-2000 - Transfere-se para a Universidade de Princeton, Nova Jersey.
2006 - Morre em decorrência de complicações surgidas após cirurgia cardíaca.

Fonte: Wikipedia

Pessoa, Tempo e Conduta em Bali



Por: Élida Damasceno Braga [1] 
(elidabraga74@gmail.com)


Referência Bibliográfica

GEERTZ, Clifford. Pessoa, Tempo e Conduta em Bali. In: A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: Zahar, 1978.

Ao afirmar que o pensamento humano é uma atividade social essencial, Clifford Geertz apresenta suas preocupações em relação a isso já alertando, inicialmente, para a incompletude da temática. O autor se debruça sobre o povo de Bali para observar como as ideias se definem em torno do aparato cultural, como este povo percebe e reage e, por conseguinte, o que pensam, trazendo, assim, elementos para uma análise da cultura. Desse modo, as conexões que se mostram dão sentido para compreender não apenas a sociedade local, mas a humana como um todo.

Geertz (1978) traz os conceitos de cultura e estrutura social em seu texto, abordando-os de forma independente, ou seja, no sentido de que “é preciso compreender tanto a organização da atividade social, suas formas institucionais e os sistemas de ideias que as animam, como a natureza das relações existentes entre elas” (p. 227). O autor informa também a dificuldade de se trabalhar cientificamente o conceito de cultura, haja vista a indefinição do objeto de estudo.

No entanto, o pensamento visto como objetos em experiência com a impressão de significados através de símbolos significantes coloca a cultura no patamar de ciência como outra qualquer. O sentido para estes símbolos significantes é encontrado através dos acontecimentos vividos pelo homem com padrões, que se acumulam culturalmente. Vale salientar que, alguns desses padrões são inerentes à pessoa humana e por isso aparecem em diversas sociedades. Daí que vem a proposição do autor para que se lance um olhar mais atento para as singularidades a fim de que se compreenda a problemática subjacente.

Geertz (1978) destaca ainda a importância da caracterização humana individual. A perspectiva individual, por categorias, perfaz  “o mundo cotidiano no qual se movem os membros de qualquer comunidade, (...) habitado por homens personalizados, classes concretas de pessoas, positivamente caracterizadas e adequadamente  rotuladas” (p.229). Contudo, Geertz (1978) adverte para a não redução da análise cultural apenas à caracterização individual. Isso ocorre devido à falta de um método para analisar a estrutura significativa da experiência. Embora se tenham registradas algumas tentativas de análise cultural no sentido de uma fenomenologia da cultura, uma das que se destacam, segundo Geertz, é a de Alfred Schutz, com tópicos abordados sobre a “realidade principal da experiência humana: o mundo da vida cotidiana enfrentado pelo homem, no qual ele atua e vive”. Esses estudos deram suporte ao autor no sentido de orientá-lo em suas pesquisas.

Em Bali, Geertz (1978) observa uma série de padrões culturais, nos quais a atuação humana pode se dar em termos de ordem temporal, estilo comportamental e identidade pessoal, bastante diversas, mas nem sempre muito claras para os padrões empíricos. O autor descreve os tipos de rótulos aplicados aos indivíduos ali, um tipo de ordem simbólica a ser descrita em: nomes de pessoas, nomes na ordem de nascimento, termo de parentesco, tecnônimos, status e títulos públicos. Para se ter uma ideia, o nome pessoal não possui muita importância social em Bali, pois são raramente usados. Aos demais vão se acrescentando importância, afetando a condição humana com tal estrutura.

Outra questão que aparece no texto de Geertz é a maneira como as pessoas veem o tempo dentro do percurso biológico e também natural na sociedade balinesa. Além da condição pessoal, da definição de pessoa, desde “os nomes ocultos até os títulos ostentados” (p.255), o tempo em Bali é marcado, no geral, de modo qualitativo, no que se manifesta como experiência humana. "Ele é usado para distinguir e classificar partículas de tempo (...) os ciclos são intermináveis e sem um clímax, pois sua ordem não tem significação. (...) Eles não acumulam, não constroem (...) Eles não lhe dizem que o tempo é agora, eles apenas informam que espécie de tempo é" (p.260). 

Sobre a conduta, Geertz (1978) observou que a vida social em Bali é construída em torno do cerimonial, algo próximo à teatralização. Tudo nessa esfera é muito exterior, calculado, pomposo, uma sociabilidade polida e bastante estética. Nesse contexto, termos como a vergonha e o fracasso assumem características marcantes na vida afetiva do povo balinês, tanto no plano interpessoal como no plano coletivo. Contudo, a vergonha para os balineses, está no medo de não cumprir com os papéis sociais propostos, tratando-se de um verdadeiro terror a simples suposição de não atuarem em conformidade com o desempenho público desejado.

Desse modo, a análise cultural lida com formas cheias de significados. Significados estes que não estão diretamente nas coisas, nos objetos, mas lhe são impostos pelos homens que vivem em sociedade. A natureza da integração, da mudança e do conflito cultural deve ser procurada nas experiências dos indivíduos e dos grupos que sentem, percebem, agem e julgam estas simbolicamente, sem esquecer, no entanto, que essas sensações são apreendias e interpretadas. Logo, as estruturas simbólicas que definem pessoas, caracterizam o tempo e ordenam comportamentos. Essas são produto da interação, de como se desenvolvem, bem como o impacto que causam um ao outro (GEERTZ, 1978, p.272).

Portanto, o autor faz uma observação inquietante quando aponta a possibilidade de mudanças culturais na sociedade balinesa. Pensar em um tempo mais dinâmico, um estilo de interação social menos formal e uma condição de pessoa que saísse do quase anonimato, produziriam, assim, mudanças significativas no modo de vida, haja vista esses três possuírem papéis fundantes na estrutura social balinesa: a pessoa, o tempo e a conduta.

Por fim, as questões levantadas nesse texto, tantos modos de vida repletos de valores e significados, são vistos como elementos de controle social. Assim, a cultura ou elementos dessas culturas, contribuem significativamente, com as formas de controle e como definidores de comportamentos sociais. Trata-se, pois, de um estudo de percepção dos indivíduos dentro de suas culturas no sentido de analisar e descrever a estrutura de significados dessas.

[1] Doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação em Sociologia da UFS.

O Impacto do Conceito de Cultura Sobre o Conceito de Homem


Referência Bibliográfica

GEERTZ, Clifford. O impacto do conceito de Cultura sobre o conceito de Homem. In: A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: Zahar, 1978.

Por: ELISEU RAMOS DOS SANTOS¹
(eliseu_ciso@hotmail.com)

Uma das principais ideias presentes no livro “A interpretação das culturas” de Clifford Geertz, é a de que a cultura é composta por teias de significados, cabendo a ciência não uma busca por leis e padronizações, e sim uma postura interpretativa desses significados (p.14). Dessa forma, o autor rejeita a concepção estruturalista que buscava alinhavar todas as sociedades a partir de regularidades culturais pré-determinadas. 

O capítulo a ser discutido aqui, é um desdobramento dessa rejeição. Para mostrar a cultura como teia de significados, Geertz busca primeiro desmistificar a ideia de Homem como uma categoria universal, sustentada por características que desconsideram as particularidades locais e estão presentes em qualquer indivíduo. Essa busca pela universalidade, chamada no texto de concepção “estratigráfica”, era alimentada pela noção da estratificação do homem, na qual todo indivíduo era composto por camadas sobrepostas equivalentes a fatores biológicos, psicológicos, sociais e culturais, que caso retiradas, revelariam o Homem (com “H” maiúsculo) atomizado, no qual, despido de suas especificidades, eram encontradas as “regularidades estruturais e funcionais da organização social” (p.49).

Geertz vê o estudo da cultura como uma ferramenta ordenadora da complexidade, e tal definição universalista de Homem parece demasiado simplista para ele, tão simplista que o mesmo não a considera uma possibilidade científica, pois uma modelagem estrutural do Homem equivale somente a correlações intuitivas de diferentes características presentes nas mais variadas sociedades. Outra questão levantada por ele, nos parece também legítima: Geertz critica a ideia de que um hipotético denominador comum, resultante de uma fração mínima da composição do homem, possa se tornar um ponto de partida para uma reflexão do que realmente somos. O autor, aliás, rebate essa problemática afirmando que é justamente através dos fenômenos mais particulares encontrados nas sociedades que podemos nos debruçar sobre uma concepção de homem, e que essa concepção não teria uma proposta fechada, mas um aspecto de incompletude de disposições conceituais, no qual era papel da Antropologia auxiliar na investigação dessas facetas da humanidade.

Com que postura a Antropologia adentraria no assunto? Em uma aproximação com o pensamento de Nietzsche, o qual dizia que junto à existência humana nasceu a necessidade de obediência como consciência formal e naturalizada², Geertz nos diz que para apreendermos minimamente uma imagem generalista do homem era preciso a) pensar a cultura como conjunto de mecanismos de controle para governar o comportamento e b) pensar o homem como animal dependente desses mecanismos de controle para ordenar seu comportamento. A partir desses pressupostos, ele tenta desviar o foco da definição do homem que enfatiza “as banalidades empíricas do seu comportamento” para uma discussão sobre “os mecanismos através de cujo agenciamento a amplitude e a indeterminação de suas capacidades inerentes são reduzidas a estreiteza e especificidade de suas reais realizações” (p. 57). Ou seja, a resposta para Geertz se encontra na própria condição do homem, que é limitada através da cultura.

Ao mesmo tempo em que cultura aparece para Geertz como mecanismo de controle, ela figura como aspecto essencial no quadro evolutivo da espécie, sendo não somente um ornamento da existência humana, mas uma condição essencial para ela – a principal base de sua especificidade (p. 58). Dentro dessa formação, o homem aparece como variado e multifacetado pela cultura; é nessas bases que se torna possível construir um conceito da natureza humana, que deveria estar em paralelo a diversidade dos modos de vida, com suas peculiaridades e detalhes compondo o caráter de cada cultura e também dos vários tipos de indivíduos dentro delas (p. 65).

¹ Mestrando em Sociologia pelo Programa de Pós-graduação em Sociologia da Universidade Federal de Sergipe.

² NIETZSCHE, F. Além do bem e do mal. Petrópolis – RJ: Vozes, 2012.

O pensamento como ato moral: dimensões éticas do trabalho de campo antropológico nos países novos


GEERTZ, Clifford. "O pensamento como ato moral: dimensões éticas do trabalho de campo antropológico nos países novos". In: ______. Nova Luz sobre a Antropologia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001. p. 30-46.

Por: Felipe Silva Araujo
(bobsonda@hotmail.com)

A Antropologia Social é uma disciplina fascinante para qualquer interessado por métodos científicos e estudos epistemológicos. Talvez isso se dê, em parte, em virtude de um forte apelo à constante reinvenção de suas práticas de campo, algo que pode soar bastante comum para estudantes familiarizados com as ciências humanas, e ao mesmo tempo como algo academicamente "imoral" para aqueles familiarizados com as chamadas ciências duras. Para um estudante e pesquisador de ciências sociais, um antropólogo, por exemplo, como será que soa tal singularidade? 

A experiência da etnografia suscita no pesquisador dilemas comuns de áreas que estudam pessoas para além de um olhar biológico, físico ou matemático, que estudam com os homens, em vez de neles. Numa leitura fria da prática etnográfica, o ser humano é muito mais complexo do que qualquer variável naturalista. Não se trata de anular o aspecto natural em função do social, mas em grande medida os etnógrafos estão preocupados em complementar ou confrontar diferentes paradigmas teóricos em função do registro da experiência corpo a corpo enquanto experiência do objeto em contexto, do significado compartilhado localmente, numa espécie de microfísica da cultura. 

Para Clifford Geertz, a etnografia envolve este exame vermeeriano da experiência de pesquisa. Tal prática levanta questões de ordem ética que, não obstante diversas vezes ignoradas, compõem o universo de toda e qualquer investigação de questões e fatos sociais sujeitos a análises detalhistas de aspectos das sociedades e da cultura. Em Nova Luz sobre a Antropologia, o autor e antropólogo norte-americano encontra espaço para propor o debate sobre questões relacionadas com a disciplina antropológica no que diz respeito a uma suposta moralidade do pensar. Para ele, ao passo que "essas ciências se desenvolveram tecnicamente, sua situação moral tornou-se uma questão cada vez mais premente" (p. 30). 

O texto focaliza suas experiências de campo no Marrocos e na Indonésia. O autor indaga a questão da modernização de sociedades tradicionais, como acontece nos dois "novos países" pesquisados, avaliando a partir disso a "pesquisa social como forma de conduta" e procurando "contribuir para que o debate sobre a situação moral das ciências sociais se faça em solo mais firme" (p. 32).

Em síntese de suas observações mais pontuais, o autor destaca o papel pouco eficaz da pesquisa social, diante dos problemas "diagnosticados" em tais países, no sentido de prover soluções. Parafraseando Bacon, ele reflete que o conhecimento "nem sempre resulta em grande coisa em matéria de poder" (p.33). Encontrar e tratar do problema estariam, segundo Geertz, em posições diferentes de alcance, o que desperta no pesquisador um dilema, uma dada "situação moral" (ainda que em caráter profissional). 

Afirma ainda que os diversos tipos de questões morais colocadas pela prática da etnografia muitas vezes se assentam em uma espécie de "assimetria radical de opiniões" entre o informante e o pesquisador, o que por sua vez "dá ao trabalho de campo esse colorido moral muito especial que considero irônico".
[...] o antropólogo é um mostruário de bens que, apesar da semelhança superficial com produtos locais, não estão efetivamente disponíveis no mercado interno. (p. 38)
Diante de tamanhas diferenças entre os interesses de antropólogo e informante, como pode o pesquisador esperar um retorno voluntarioso por parte dos pesquisados? Como evitar uma autovalorização da pessoa do pesquisador diante de contextos por vezes marcados pela miséria? Até que ponto a empatia entre ambos é real, necessária e sincera, e não apenas uma possível saída para o dilema? Segundo Geertz, existe, por conseguinte, esta
enorme pressão tanto sobre o pesquisador quanto sobre seus pesquisados para encararem essas metas como próximas, quando, na verdade, são distantes; como certas, quando meramente desejadas; e como alcançadas, quando, no máximo, houve uma aproximação delas. Essa pressão deriva da assimetria moral inerente à situação de trabalho de campo. (p. 40)

Institui-se assim entre antropólogo e pesquisado este edifício de "ficções parciais que são mais ou menos percebidas", o trabalho de campo vai se desdobrando quase como uma "experiência educativa" ao tato nos relacionamentos, diante muitas vezes do ambíguo e do implícito nas atitudes e pensamentos das figuras envolvidas, dos pesquisadores envolvidos, esses como partes, inclusive, da cultura estudada.

Em tom de conclusão à reflexão sobre tal dificuldade i) de apresentar o problema e possuir o poder para sua resolução, e ii) sobre a tensão moral existente entre pesquisador e pesquisado, Geertz chama a atenção para que a necessidade analítica da investigação social não anule a necessidade de o pesquisador considerar-se moralmente comprometido com a atividade que desempenha. Se há qualquer tipo de "fuga" pelo cientificismo ou subjetivismo na prática, o autor conclui que é porque a tensão se torna insuportável, em detrimento da própria consciência da humanidade do pesquisador ou da racionalidade do projeto. Caberia então a todo estudante de ciências sociais buscar abarcar fatos e valores dentro de uma mesma experiência, apostando que, antes de se anularem, possam ser equilibrados, ainda que dentro de uma abordagem racional. Ao invés de uma saída à francesa, propõe-se um espaço para a honestidade junto à "descrição densa" da cultura enfocada, revelando assim os contornos mais tênues que estão implicados na experiência da etnografia, para além de um formalismo inteiramente deslocado da realidade pesquisada e vivida.