domingo, 15 de outubro de 2017

De Mudanças e Metáforas


Das mudanças das metáforas, às novas metáforas e mudanças na teoria critica dos nossos tempos. É nesse empreendimento que Stuart Hall elabora uma analise das representações metafóricas das transformações culturais (e de certa forma, uma homenagem a Allon White). Para tanto, se vale da obra que este elabora com Peter Stallbryass: Política e a poética da transgressão.

Sugere Stuart Hall uma analise das “metáforas de transformação” para pensar analiticamente a relação entre o social e o simbólico no processo de transformação. Cita Marx e sua perspectiva de reduzir as idéias operantes em toda sociedade, às idéias da classe dominante (p. 206). Nessa direção a transformação corresponde à substituição. Ou seja, “o mundo de cabeça para baixo”, a metáfora que exprime inversão.

Essa concepção é superada, tendo a idéia de que as categorias “alto” e “baixo” propostas por Allon Mhite e Peter Stallbryass, que entendem, em uma perspectiva “carnavalesca” a relação do social com o simbólico. Nesse sentido Hall sugere se ater nas “afinidades eletivas” dos autores com as idéias bakhtinianas.

Em suma trata-se de perceber as interligações hierárquicas no campo do social e simbólico, que elaboram e reelaboram arcabouços culturais que se relacionam. Essa inter-relação entre as classes sociais sugere outras possibilidades de entender a “transgressão”. O carnaval é a metáfora do “mundo as avessas”, onde o plebeu se torna príncipe; o escravo manda no senhor; onde o corpo torna-se o algoz subversivo.

A ênfase apresentada por Hall, e o que insiste em chamar atenção por via da metáfora do carnaval é uma “interdependência”, onde nenhuma forma ou idéia é hegemônica, ao passo que um se constrói na relação com o outro. A hierarquia torna-se, assim, um espaço de negociação e contradição.

Como fica assim a transgressão? Enquanto categoria de analise de metáforas, se constitui em “... algo sintomático de uma transição maior em nossa vida política e cultural, bem como no trabalho teórico das últimas décadas.” (p.212). Demonstra essa constatação por via dos Estudos Culturais.

Partindo de Raymond Williams chama atenção para o “popular” como elemento transgressor das “fronteiras da classificação cultural” (p. 213). Essa é a fonte do dilema binário. O “relacionamente”.

Chegando a 1975 trata da 2ª fase do “Centro”: as “subculturas jovens”. Nessa o caráter da “resistência” se caracteriza enquanto frente à “ordem dominante”. A representação simbólica é visualizada por via de “rituais”. Expressões diferentes – e pouco entendidas – dos cânones clássicos de transformação sócia. A base dessa postura é a idéia de “equilíbrio nas relações de força” proposta por Gramsci na analise da luta hegemônica. Substituindo a analise das relações sociais que entende a “luta de classes”, essa por sua vez não foge do esquema binário em dilema.

No terceiro momento apresenta a questão do “discurso ideológico” sugerindo repensar conceitos, mecanismos e mapeamentos. É com esse esforço que Hall entende que o caráter interdisciplinar – segundo Schulman (1999:169): “Os Estudos Culturais foram concebidos desde o inicio, como empreendimento interdisciplinar.” - dos Estudos Culturais possibilita ampliar o olhar acerca do fenômeno da ideologia para além de um marxismo recorrente.

A continuidade é a tentativa de aproximar a ideologia ao simbólico. Colocando o significado assim como flutuante e não como estabelecido, tendo em vista que o “signo ideológico” é “plurivalente” (Volochinov apud Hall 2009:216). Dentre outras concepções de relacional o ideológico ao signo (Freud).

Percebe-se ainda assim, que a idéia de classes não é abandonada. Seja em lados opostos ou se relacionando de formas diferentes, mas existem. Mas não seria possível pensar ideologia sem classes? Ou ela só se funda nessa distinção, dicotomia...?

Essas reflexões que partem do texto têm a apresentação analítica que Hall faz de Marxismo e filosofia da linguagem como impulso. E nesta obra destaco quando o(s) autor(es)1 afirma(m) categoricamente: “Todo fenômeno que funciona como signo ideológico tem uma encarnação material, seja como som, como massa física, como cor, como movimento do corpo ou como outra coisa qualquer.” (Bakhtin, Volochinov: 1990:33).

Hall segue apresentando a influencia de Bakhtin nos Estudos Culturais. Entendo como afirma Schulman que posição teórica dos estudiosos dos EC desde os princípios, se explica e se afirma pela sua posição social. Logo, o fato de politicamente o contexto influenciar Bakhtin, suas reflexões mostram uma perspectiva dialógica na vida do autor. O dialogismo presente em sua obra põe em debate a questão da autoria, o que também pode ser compreendida na direção das representações.

E dessa reflexão acerca das metáforas de transgressão que Hall considera fortuita a relação analítica entre a “dialógica da plurivalência” e a “dialética do antagonismo de classe”. A tentativa é mostrar a contribuição que uma lógica atribui à outra, é como se uma preenchesse a lacuna - limite? - da outra (p.220). Para tanto argumenta com Gramsci partindo dos “fundamentos paradoxais que captam o relacionamento dialógico entre forças antagônicas...” (p.221). Consiste num aprimoramento teórico presente nos Estudos Culturais.

O conteúdo crítico de Stallybrass e White, na direção das estruturas “binárias-e-inversões das metáforas clássicas”, pode ser vista em McCabe, também recorrendo a Gramsci, quando se volta para a cultura popular com base no “nacional popular”, entendida como uma força de ruptura com o alto e baixo. A horizontalidade proposta leva as metáforas na direção de não considerar a cultura popular uma mera forma de resistência.

Dessa forma - dialogando com Derridá - isso não significa o abandono da posição clássica, mas “colocá-la ´sob rasura`”. É sim considerá-la fundamental na constituição de identidades dentro da cultura européia (Stallybrass e White). Ressaltando assim o “princípio hierárquico da cultura”, no procedimento de deslocamento.

Por fim apresenta uma longa citação dos autores onde estes se valem de Jameson para defender a dialética que forma o inconsciente político quando procura alcançar a singularidade da identidade, e nessa busca, o inconsciente torna-se heterogêneo.

Referencia Bibliográfica

BAKHTIN, Mikhail (Volochinov). Marxismo e filosófica da linguagem. São Paulo: HUCITEC, 1981.

HALL, Stuart. Para Allon White: metáforas de transformação. HALL, Stuart. Da Diáspora. Identidades e Mediações Culturais. Beljo Horizonte: Ed UFMG/Humanitas,, 2009.

SHULMAN, Norma. O Centre for Contemporary Cultural Studiesda Univrsidade de Birmingham: uma historia intelectual. SILVA, Tomaz Tadeu da (org.) O que é, afinal, Estudos Culturais? Belo Horizonte: Autêntica, 1999.

1 Sem querer entrar no debate sobre autoria - mas é difícil definir entre Volochinov e Bakhtin - como alerta Roman Jacobson no Prefácio da obra; bem como Hall (2009:218). Vou usar os dois.

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