domingo, 13 de agosto de 2017

A Antropologia da Política em Georges Balandier



O antropólogo francês Georges Balandier colocou como pergunta uma das questões mais cruciais no que se refere aos estudos relativos à antropologia da política e à teoria política: qual é o lugar do político no social? O que pode definir este objeto de investigação? Esse esforço aparece especialmente em “Antropologia Política”, cujo objetivo, como o título aponta, consiste em explanar sobre essa área do conhecimento.

Neste mesmo livro, Balandier faz outra pergunta crucial: onde está o poder? Qual sua função? A definição desses dois conceitos (político e poder) é um ponto nodal para a construção de sua “teoria dinamista dos sistemas sociais”. Este trabalho, sendo estritamente bibliográfico, pretendeu apenas conferir uma mínima inteligibilidade no que se refere às particularidades através das quais Balandier constrói um objeto de estudo para a investigação antropológica.

DOWNLOAD / BAIXAR

Biografia e Contexto Etnográfico de Franz Boas


Naturalizado norte-americano em 1887, Franz Boas iniciou sua carreira científica como geógrafo, na Sociedade Berlinense para a Antropologia, Etnologia e Pré-História. Graças a seus contatos com Adolf Bastian e Rudolf Virchow, foi iniciado na antropologia.

Um vasto material etnográfico recolhido entre esquimós possibilitou a Boas escrever sua primeira obra de caráter antropológico: Os esquimós centrais, publicada, em 1888, no Sexto relatório anual do Departamento Norte-Americano de Etnologia e reeditada em 1964, sob forma de livro, pela Editora da Universidade de Nebraska.

Em 1886 iniciou pesquisas entre os Kwakiutl e outros grupos tribais da Colúmbia Britânica, na costa norte do Pacífico. No ano seguinte fixou residência nos EUA, tornando-se editor do periódico Ciência (Science) e instrutor da Clark University desde 1888.

Em 1896 transferiu-se para a Universidade de Colúmbia e, três anos depois, alcançou o posto de professor. Ali estruturou um dos primeiros departamentos de antropologia dos EUA, iniciando antropólogos e linguistas importantes, como A. L. Kroeber, que posteriormente fundou, em 1903, um departamento na Universidade da Califórnia, e F. G. Speck, que fez o mesmo, em 1909, na Universidade da Pensilvânia.

Boas foi um dos fundadores, em 1888, da Sociedade Norte-Americana do Folclore e de sua Revista do Folclore Norte-Americano, da qual foi editor de 1908 a 1925.

Em 1898 desempenhou papel relevante na modernização da publicação O Antropólogo Norte-Americano e na fundação, em 1902, da Associação Antropológica Norte-Americana. Em 1931 presidiu a Associação Norte-Americana para o Progresso da Ciência.

Autonomia do fenômeno cultural

Na época de Boas, a antropologia era marcada pela ideia de que raça e cultura, e raça e linguagem, constituíam fenômenos interdependentes. A cultura era conceituada como resultado do pensamento racional do homem, manifesto em diferentes graus, dentro de uma escala evolucionista. Encarava-se a história cultural como processo unilinear e universal, cujas expressões peculiares a cada sociedade, em dado momento, refletiam o seu estado de desenvolvimento.

Boas criticou não o princípio da evolução do desenvolvimento histórico, que considerava válido, mas a ortogênese (modificação individual, proveniente de causa interna, que sofre um organismo vivo, sem que entre em jogo a adaptação) que dominava o pensamento científico da época.

Franz Boas mostrou que as culturas humanas não percorrem o continuum simples-complexo, pretendido pelas teorias ortogenéticas, mas que existem diferentes desenvolvimentos históricos, resultantes de diferentes processos em que intervieram inúmeros fatores e acontecimentos, culturais e não culturais.

A obra de Boas, ao estabelecer a autonomia relativa do fenômeno cultural, desvinculou-se do rígido determinismo em face do meio ambiente e das características biológicas dos componentes das diversas sociedades. Adicionando contribuição tão valiosa à causa do antirracismo, escreveu trabalhos sobre raça e sobre a situação do negro nos EUA, além de estimular pesquisas semelhantes em várias partes do mundo.

Linguística e etnologia

No campo da linguística, preocupou-se de início com a compreensão do desenvolvimento histórico das línguas e do papel por elas desempenhado na cultura e no pensamento humano.

Ao dedicar-se ao estudo das línguas ágrafas dos grupos tribais norte-americanos, rompeu com a herança histórica dos neogramáticos, utilizando uma abordagem empiricista que consistia em descrever e analisar cada língua em seus próprios termos, a partir do conceito de "forma íntima", adotado de Heymann Steinthal.

Sua preocupação em comparar a forma íntima de línguas diferentes conduziu-o aos relacionamentos linguagem-pensamento e linguagem-cultura, através dos quais tentou entender como ocorria, em diferentes sociedades, a relação entre a realidade concreta e a idealização do mundo internalizada por seus componentes.

Encarando o fenômeno linguístico como parte do fenômeno etnológico, Boas descobriu que entre as línguas indígenas americanas haviam ocorrido empréstimos léxicos, fonéticos e morfológicos, e que, portanto, as línguas se podem desenvolver tanto por convergência de diversas fontes, como por divergência, a partir de uma origem comum.

Como professor, a influência de Boas foi clara sobre muitos antropólogos e linguistas famosos, como Edward Sapir, Ruth Benedict, Margaret Mead e outros.

Franz Boas acrescentou novas dimensões à compreensão do relacionamento homem-meio-cultura-sociedade, encaminhando a integração pretendida pela moderna antropologia.

O que é o Kula?

     
O kula é uma forma de troca de caráter intertribal praticadas por comunidades localizadas num extenso conjunto de ilhas do norte ao leste e extremo oriental da Nova Guiné descrito pelo antropólogo Bronislaw Malinowski. Reunindo milhares de pessoas de dezoito comunidades Massim, um arquipélago onde se inclui as ilhas trobiand.   
     
Segundo Malinowski - que documentou entre 1914 e 1918, essa prática de navegação e encontro ritual por um circuito pré-determinado por tradição - os participantes do Kula viajavam centenas de quilômetros de canoa transportando os vaigua'a (objetos de valors). Os colares de conchas vermelhas chamados soulava vinham no sentido horário desse círculo e na direção oposta (anti-horário) eram transportados os braceletes feitos de conchas brancas chamados mwali encontrando-se em dado momento para realizar o ritual da troca.            
  
Aquele que recebia un colar soulava, estava obrigado a corresponder com um bracelete mwalli e vice-versa. As condições para a participação no circuito de troca variavam de região para região. Os principais objetos de transações do Kula – os braceletes de conchas (mawli) feitos com a parte superior e extremidade delgada da concha de um grande caramujo e os colares (souvala) feitos do nácar da ostra espinhosa vermelha segundo Malinowski são muito cobiçados por todos os papua – melanésios, ambos usados como enfeites com os trajes de dança mais elaborados nas grandes ocasiões festivas, nas danças cerimoniais e nas grandes reuniões que participam os nativos de várias aldeias.       
     
Malinowski foi um dos primeiros antropólogos a propor uma interpretação teórica seguida ao trabalho de campo. Para essse autor acima do valor estético e advindo do trabalho empregado na confecção dos objetos dessa troca ritual está a oportunidade, que esta proporciona, de se estabelecer relações sociais e ganhar prestígio social. Os costumes e tradições que acompanham esta troca de presentes é cuidadosamente pré-escrito no sistema cultural das pessoas nele envolvidas, especialmente no que diz respeito as relações doador–receptor/receptor-doador. A aliança de doações implica relações de correspondência, hospitalidade, proteção e assistência mútua. Os líderes mais importantes do Kula podem ter centenas de parceiros em troca, enquanto os homens com menor status na sociedade têm geralmente uma dúzia deles, dependendo do tamanho de suas redes sociais. 


                                                  
REFERÊNCIA

MALINOWSKI, Bronislaw. Argonautas do pacífico ocidental: um relato do empreendimento e da aventura dos nativos nos arquipélagos de Nova Guiné Melanésia. São Paulo: Abril Cultural, 1976. 436 p. (Pensadores(os); v43)

Principais Conceitos na obra de Franz Boas


Evolucionismo / Novo Método: Apesar de não ser um conceito criado por Boas, entender o que é evolucionismo é fundamental na compreensão de uma parte de sua obra. Em seu texto “As limitações do método comparativo da Antropologia”, Boas critica o método até então usada pelos evolucionistas.

O Evolucionismo, que foi impulsionado pela teoria de Darwin, buscava descobrir as leis uniformes da evolução humana. Segundo os evolucionistas, a mente humana possuiria um funcionamento uniforme, desta forma todas as sociedades humanas teriam que passar obrigatoriamente pelos mesmos estágios obrigatórios e sucessivos. Através da comparação entre os diferentes costumes dos povos, buscavam esclarecer este caminho percorrido pela evolução humana. A crítica de Boas residia na metodologia usada pelos evolucionistas. Para Boas não era possível apresentar provas de que o mesmo fenômeno cultural necessariamente se desenvolveria em todos os lugares da mesma forma. Era uma pretensão muito grande tentar analisar a evolução em todas as sociedades humanas.

Difusionismo: Também não é um conceito criado por Boas, mas semelhante ao conceito de evolucionismo, faz-se necessário entendê-lo, pois é outra teoria que dialoga com os estudos boasianos. A teoria difusionista é semelhante a teoria evolucionista, contudo seu peso explicativo reside na ideia de difusão cultural.
Diferente dos evolucionistas que acreditavam que os fenômenos culturais semelhantes haviam se desenvolvido em regiões geográficas distantes devido ao único caminho evolutivo da raça humana, os difusionistas acreditavam na existência de uma difusão de elementos culturais entre esses mesmos lugares seja através do comércio, guerras ou viagens. Certos autores difusionistas acreditavam que o Egito antigo foi o grande centro de difusão cultural, que a partir dele a civilização humana teria se irradiado por todo o globo.

Particularismo Histórico: Esta era a teoria dada por Boas como alternativa para o evolucionismo. Seu fundamento estava na ideia de que para se obter uma compreensão mais geral das culturas era necessário iniciar o estudo pelo particular. Vemos então que este método pode ser descrito como sendo empirista e diacrônico.
Para Boas, a história da civilização humana não poderia ser entendida exclusivamente através de uma necessidade psicológica que levaria a uma evolução única da mente humana. Era necessário entender primeiramente a história cultural de cada grupo, perceber suas influências internas e externas pela qual passaram para então entendê-los. Seria impossível entender a história de um povo somente se baseando em um único sistema evolucionário.

Cultura: Para Boas a cultura era o elemento explicativo da diversidade humana. No sentido norte americano, cultura se torna um conceito mais abrangente do que o conceito de sociedade. A cultura no caso seria tudo que os seres humanos criaram inclusive a sociedade. É importante frisarmos que Boas usa o termo culturas devido a sua teoria do relativismo cultural, pois segundo ele cada povo possuiria uma singularidade cultural. Diferentemente vemos o termo cultura (aqui no singular), usado pelos evolucionistas, pois segundos estes teóricos, a cultura humana seria única devido ao seu desenvolvimento unilinear. De maneira resumida, Boas entendia a cultura como a lente pela qual cada um de nós enxerga a sociedade e pela qual estaríamos presos à ela através dos grilhões da tradição.

Raça: Para Boas, o conceito de raça na verdade seria uma classificação não científica dos traços físicos superficiais que possuímos. Vemos em seus textos que Boas não faz uso do termo raça, mas do termo formas corporais. A ideia de raça na verdade era uma construção de tipos ideais locais baseados em características físicas semelhantes, sendo estes retirados de localidades comuns. Porém Boas ressalta que por mais fisicamente semelhantes um grupo de pessoas seja, haverá inúmeros indivíduos na qual esta descrição não poderia caber.

Fontes:

BOAS, Franz. Antropologia Cultural. Tradução: Celso Castro. 6ed. Rio de Janeiro, Zahar, 2010.

ERIKSEN, Thomas H. NIELSEN, Finn S. História da Antropologia. Tradução: Euclides Luiz Calloni. Petrópolis, Editora Vozes, 2007.

Trabalho de Campo - Franz Boas


Como podemos ver ao longo de nossos estudos, Franz Boas e Bronislaw Malinowiski foram os fundadores do trabalho de campo na Antropologia. Rompendo com os laços evolucionistas, estes pensadores propõem o estudo aprofundado, contínuo, baseado interação e observação direta de pequenas sociedades não ocidentais.

Franz Boas ancorou-se em um dos pontos mais importantes da etnografia: a observação participante. A partir dela surgem as anotações, os diários de campo, depoimentos, as entrevistas, os registro através de vídeo/fotografia  enfim a coleta de dados do grupo estudado. Através desses dados é que o antropólogo põe-se a 'escrever sobre a cultura em questão ou a prática cultural então observada' (lembrando Geertz, 1978).

Em outras palavras, o autor em questão acreditava que essa coleta minuciosa de dados culturais, obtidos nas pesquisas de campo, permitiria com que se tornasse possível ter um melhor conhecimento da vida dos mais variados povos. Quanto maior for o contato com os nativos maior será a chance de interpretar suas vidas (costumes, crenças) de maneira mais próxima a verdade.

Destacando o trecho seguinte, podemos entender o quanto era especial e de muita importância o envolvimento profundo com a cultura estudada, a ponto de que fosse se despindo o antropólogo de outrora e novas roupas fossem lhe cabendo, a cada detalhe incorporado.

"Eu não tinha interesse por bruxaria quando fui para a terra Zande, mas os Azande tinha; de forma que tive de me deixar guiar por eles." (Evans Pritchard, 1978).

Estudos apontam que Franz Boas  interessou-se pela Costa Noroeste dos EUA. Segundo ele, as migrações ao longo da linha costeira poderiam facilitar um “intercâmbio” cultural por difusão entre Velho e Novo Mundo.

Fontes Teóricas de Franz Boas


Em 1881, Boas concluiu seus estudos universitários com uma dissertação sobre a absorção da luz pela água. Data dessa época seu interesse pela psicofísica (desenvolvida por Gustav Fechner), disciplina que buscava compreender a relação entre sensações físicas e percepção psicológica

No entanto, insatisfeito com a carreira de físico, mudou seu interesse para a geografia, em parte por influencia do geógrafo Theobald Fischer, seu professor em Kiel e de quem se tornaria amigo.

Após prestar um ano de serviço militar obrigatório,mudou-se para Berlim, onde conheceu Adolf Bastian (1826-1905), patriarca da antropologia alemã e então diretor do Museum fur volkerkunde (museu do folclore), e por ele fundado em 1873 e ao qual boas ficou provisoria mente ligado.

Nessa época, também estudou técnicas de medições então característica da antropologia física, com o médico anatomista Rudolf Virchow (1821-1902).

Marie visitava a Alemanha em companhia de sua mãe e de um amigo da família, Abraham Jacobi, coincidentemente, tio materno de Boas que também se mudara para Nova York ( no futuro, Jacobi seria de grande importância para o sobrinho, inclusive ajudando-o financeiramente)..

Em 20 de junho de 1883, Boas partiu para sua expedição aos esquimós. Por insistência do pai, ia acompanhado por um empregado da família, Wilhelm Weike, da sua idade.

Daí partiu para um trabalho temporário como assistente de Frederick W. Putmam na seção de antropologia da World´s Columbiam Exposition, que celebrava os quatrocentos anos da chegada de Colombo à América.

Em 1896 , finalmente Boas conseguiu um emprego estável, sendo contratado para trabalhar na curadoria das coleções etnológicas do American Museum of Natural History, em Nova York. A instituição estava sedo revitalizada sob a liderança ( e com os recursos ) do milionario Morris K. Jesup. Boas convenceu Jesup a financiar uma ampla pesquisa coletiva para investigaras afinidadese reaçõesentreos povos da Asia e do Noroeste norte Americano _ que ficou conhecida como a Jesup North Pacific Expedition.

Fontes Teóricas de Malinowski


Referências

KUPER, Adam. Antropólogos e Antropologia; tradução de Álvaro Cabral. Rio de Janeiro, F.Alves, 1978. (Ciências sociais)

MALINOWSKI, Bronislaw Kasper, 1884-1942. Argonautas do Pacífico ocidental: um relato do empreendimento e da aventura dos nativos nos arquipélagos da Nova Guiné melanésia / Bronislaw Malinowski; prefácio de Sir James George Frazer; traduções de Anton P.Carr e Lígia Aparecida Cardieri Mendonça; revisão de Eunice Ribeiro Durham. – 2 ed. – São Paulo: Abril Cultural, 1978. (Os Pensadores)

Fazia-se aqui sentir a influência de Durkheim; e, é claro, o mais importante dos evolucionistas, Spencer, tinha reconhecido que o estudo intensivo de pequenas comunidades implicava em compromisso com a análise sincrônica de um tipo que mais tarde passou a denominar-se funcionalista. O enfoque funcionalista não era visto como algo que desalojaria as preocupações evolucionistas e difusionistas mas, outrossim, como algo que deveria ser-lhes adicionado. (pág. 19, 2º§).
[...] ainda acredito na evolução, ainda estou interessado nas origens, no processo de desenvolvimento; mas vejo cada vez naus claramente que as respostas a quaisquer evolucionárias devem conduzir de forma direta ao estudo empírico dos fatos e instituições, ao desenvolvimento passado daquilo que desejamos agora reconstituir. (pág. 20, 1º§).

Em Leipzig, decidiu diversificar seus interesses e estudou Psicologia Experimental, sob a direção de Wundt, e História Econômica, com Bücher. A importância desses dois anos em Leipzig não deve ser subestimada. Wundt, em particular, era uma influência de peso; já fora mestre de Durkheim e de Boas, e estava sumamente interessado em Antropologia [...] dizia respeito à cultura, “àqueles produtos mentais que são criados por uma comunidade de vida humana e que, portanto, são inexplicáveis em termos de mera consciência individual, uma vez que pressupõem a ação recíproca de muitos”, uma concepção que estava relacionada com a noção de “consciências coletiva” de Durkheim. Wundt era contrário a que se descrevesse o desenvolvimento de um fenômeno cultural em isolamento [...]. (pág. 22, 2º§).

Se os principais elementos do Funcionalismo podem ser discernidos em Wundt (e em muitos de seus discípulos), talvez seja ainda mais interessante notar que o primeiro estudo antropológico de Malinowski, sobre a organização da família australiana, já estava bem avançado antes de ele ter trocado Leipzig pela London School Of Economics em 1910. Na L.S.E., ele trabalhou sob a orientação de Westermack, o homem que tinha criticado de forma tão peremptória as primeiras teorias de “promiscuidade primitiva”, “casamento de grupo” etc., e defendido a primazia em termos evolucionários de família monogâmica. Mas esse era também um tema do Mestre de Leipzig; Wundt e seus discípulos estavam também interessadíssimos no material australiano – como muitos outros cientistas sociais desse tempo, é claro. Em 1912 e 1913, eram publicados importantes trabalhos sobre os aborígenes australianos, não só de Malinowski e Radcliffe-Brown, mas também da autoria de Durkheim e Freud; cada um deles, segundo parece, trabalhando na ignorância de produção dos demais. Assim, faz sentido que Malinowski tivesse sido estimulado em Leipzig a meter ombros a uma monografia sobre a família australiana e que decidisse completá-la sob a orientação de Wastermack. (págs. 22 e 23, 3º§).

A publicação em 1899, das extensas investigações desenvolvidas por Spencer e Gillen entre os aborígines australianos demonstrou definitivamente as grandes potencialidades do trabalho de campo e a importância das informações obtidas por meio de observação direta para a resolução dos problemas teóricos colocados pela antropologia. Só essa obra inspirou pelo menos três grandes trabalhos, cada um dos quais constituía uma reflexão inovadora em seu próprio campo: As formas elementares da vida religiosa, de Durkheim (1858-1917), Totem e Tabu, de Freud (1856-1939), e A família entre os aborígenes australianos, o primeiro livro de Malinowski, todos publicados em 1913. (pág. 9, 5º§).

Os primeiros trabalhos de Malinowski, assim como os de Radcliffe-Brown, acusam uma forte influência de Durkheim, que forneceu a ambos a formulação inicial dos conceitos de função e de integração funcional com os quais essa nova geração de antropólogos procurou construir um método próprio e chegar a uma nova teoria antropológica. (pág. 10, 4º§).

Fontes Teóricas de Radcliffe-Brown


KUPER, Adam. Antropólogos e Antropologia; tradução de Álvaro Cabral. Rio de Janeiro, F.Alves, 1978. (Ciências sociais)
RADCLIFFE-BROWN, Alfred Reginald, Estrutura e função na sociedade primitiva; trad. de Nathanael C.Caixeiro. Petrópolis, Vozes, 1973.

Radcliffe-Brown sofreu a influência das teorias sociológicas de Durkheim antes da I Guerra Mundial, e os anos produtivos de sua carreira foram dedicados à aplicação dessa teoria às descobertas dos etnógrafos; uma atividade que ele compartilhou durante a maior parte de sua vida com Mauss, sobrinho de Durkheim. [...] (pág. 52, 1º§).
Guiado por Rivers e Haddon, Brown realizou um estudo das Ilhas Andaman em 1906-8. [...] A sua monografia inicial sobre Andaman concentrou-se em problemas etnológicos e refletia as propensões difusionistas de Rivers. Entretanto, não tardou em converter-se à concepção durkheimiana de sociologia. (pág. 53, 2º§).
Um ensaio preliminar de Durkheim, que pronunciava o argumento de Les Formes Elémentaires de la Vie Religieuse, causou um impacto considerável na Inglaterra desse tempo. [...] Em 1909-10, Brown proferiu uma série de conferências na L.S.E. e em Cambridge, nas quais expôs o ponto de vista essencialmente durkheimiano que iria manter pelo resto da vida. (págs. 53 e 54, 3º§).
[...] Ao mesmo tempo, é possível avaliar o que a conversão oferecia: método científico, a convicção de que a vida social era ordenada de forma sistemática e suscetível de análise rigorosa, um certo desprendimento das paixões individuais [...] Tal quanto o anarquismo de Kropotkine, para o qual Brown fora atraído enquanto estudante, a sociologia de Durkheim continua uma visão essencialmente otimista da possibilidade de auto-realização do homem numa sociedade metodicamente ordenada; mas ao mesmo tempo, o socialismo de Durkheim minimizava a “guerra de classes”, e isso talvez tivesse atraído também a Brown. Em suma, a devoção de Brown às Ciências Naturais e o seu vago anarquismo utópico foram alimentados por um novo credo que era simultaneamente científico, humanitário, de uma forma maciça, e – muito importante – francês. O seu fanatismo fundamental ganhara agora um rumo definitivo. As paixões ulteriores, como pela filosofia chinesa, e as paixões anteriores, como pela cultura francesa, foram absorvidas por ele. Na década de 1920, os intelectuais britânicos tornaram-se pessimistas e místicos; na década de 1930, otimistas e comunistas. Brown nunca vacilou. (pág. 54, 1º§).
[...] Foi para o campo como etnólogo e seu objetivo inicial, refletido em seu primeiro relato, era reconstituir a história dos andamaneses e dos negritos em geral. Mais tarde, foi convertido ao ponto de vista durkheimiano de que o significado e a finalidade dos costumes devem ser entendidos em seu contexto contemporâneo; e foi isto que ele se propôs demonstrar no livro. (pág. 58, 2º§).
A sociologia de Durkheim foi a mais importante influência sobre o pensamento maduro de Radcliffe-Brown, mas ele também permaneceu um evolucionista na tradição de Spencer. As culturas (depois sociedades) eram como organismos e, portanto, devem ser estudadas pelos métodos das Ciências Naturais. Como organismos, evoluíram no sentido da crescente diversidade e complexidade. Neste sentido, a evolução distingue-se claramente do progresso, pois a evolução é um processo natural ao passo que o progresso implica em avaliação de um processo moral. (pág. 65, 1º§).
Mas eu exagerei a unidade do legado de Durkheim, já que podemos distinguir, pelo menos, duas correntes divergentes [...] Em primeiro lugar, havia o estudo das relações sociais, a “morfologia social” exemplificada em De la Division du Travail Social; e em segundo lugar, o estudo de sociedades como sistemas morais, o ponto de vista que domina Le Suicide e Les Formes Elémentaires de la Vie Religieuse [...] Ambas as abordagens podem ser encontradas na obra de Radcliffe-Brown e Mauss, sendo defensável a tese de que as suas perspectivas não são divergentes mas antes complementares. Contudo, Radcliffe-Brown dedicou-se mais ao estudo das relações sociais, enquanto que Mauss continuou desenvolvendo o estudo de noções cosmológicas. (pág. 67, 3º§).
A forma estrutural está explícita em “usos sociais”, ou normas sociais, os quais se reconhece geralmente como obrigatórios e são largamente observados. Portanto, esses usos sociais têm as características dos “fatos sociais” de Durkheim [...] (pág. 69, 3º§).
À semelhança de Durkheim, era ambivalente a respeito da Psicologia. Os fatos sociais não podiam ser explicados em termos de psicologia individual mas era possível que algumas formas de psicologia ajudassem à Sociologia. [...] Argumentou que a nova Sociologia deveria manter um relacionamento cauteloso mas cordial com a Psicologia. (pág. 81, 1º§).
[...] Radcliffe-Brown compartilhou sempre do ponto de vista de Durkheim e Roscoe Pound, um ponto de vista relacionado “não com as funções biológicas mas com as funções sociais, não com o ‘indivíduo’ biológico abstrato mas com ‘pessoas’ concretas de uma sociedade. Isso não pode expressar-se em termos de cultura. (pág. 82, 1º§).
[...] Tanto quanto sei, a primeira formulação sistemática aplicada ao estudo estritamente científico da sociedade foi a de Emile Durkheim, em 1895 (Règles de la Méthode Sociologique). (pág. 220, 1º§).
[...] A única recompensa que busquei, penso que em certo grau obtive: algo como uma penetração na natureza do mundo do qual somos parte, que só paciente aplicação do método das ciências naturais pode proporcionar.(pág. 251, 1º§).

Biografia e Contexto Etnográfico de Radcliffe-Brown


Alfred Reginald Brown nasceu em Sparkbrook, Birmingham, em 17 de Janeiro de 1881. Quando tinha cinco anos, faleceu-lhe o pai, deixando sua mãe na penúria. Ela trabalhava como “dama de companhia”, ficando as crianças aos cuidados da avó. “Rex” era aluno bolsista na King Edward’s School(Escola Rei Edward), em Birmingham, mas, antes dos 18 anos trocou a escola por um emprego na biblioteca daquela cidade. Seu irmão mais velho, Herbert, encorajou-o a prosseguir nos estudos e sustentou-o enquanto cumpria um ano de ciências pré-médicas na Universidade de Birmingham. Ganhou depois uma bolsa de estudos do Trinity College (Colégio Trindade), Cambridge, e em 1902 começou a preparar-se para os exames finais em Ciências Morais. Seu irmão, agora estabelecido na África do Sul, continuou a prestar-lhe auxílio financeiro, em parte decorrente de uma indenização por ferimentos recebidos na Guerra Anglo-Bôer.
         
O desejo de Brown era fazer os exames de Ciências Naturais em Cambridge, mas o seu diretor de estudos insistiu em que era preferível apresentar-se em Ciências mentais e Morais. Entre os seus professores estavam Myers e Rivers, ambos psicólogos médicos e veteranos da expedição aos Estreitos de Torres, o empreendimento pioneiro de Cambridge na área da pesquisa antropológica de campo. O curso abrangia Psicologia e Filosofia, incluindo a Filosofia da Ciência, que era lecionada em parte por Alfred North Whitehead. Em 1904, tornou-se o primeiro aluno de Rivers em Antropologia.
       
Guiado por Rivers e Haddon, Brown realizou um estudo das Ilhas Andaman em 1906-8. O seu relatório granjeou-lhe um fellowship( sociedade )no Trindade, que ele manteve de 1908 a 1914, embora durante esse período também desempenhasse funções docentes, por pouco tempo, na Escola de Economia de Londres. A sua monografia inicial sobre Andaman concentrou-se em problemas etnológicos e refletia as propensões difusionistas de Rivers. Entretanto, não tardou em converter-se à concepção durkheimiana da Sociologia.
       
Um ensaio preliminar de Durkheim, que pronunciava o argumento de As Formas Elementares da Vida Religiosa, causou um impacto considerável na Inglaterra desse tempo. Em 1919-10, Brown proferiu uma série de conferências na Escola de Economia de Londres e em Cambridge, nas quais expôs o ponto de vista essencialmente durkheimiano que iria manter pelo resto da vida.
       
Em 1906-1908 Radcliffe-Brown realizou seu primeiro trabalho de campo nas Ilhas Andaman, no Oceano Índico, a pesquisa que levou em 1922 à publicação de seu clássico monografia The Islanders Andaman (Os Ilhéus de Andaman). Sua pesquisa de campo teve outro grande levantamento das diferenças de parentesco entre os sistemas de grupos aborígenes da Austrália Ocidental, realizado em 1910-1912. O restante de sua vida profissional foi retomada com o ensino e a escrever trabalhos teóricos. Ao longo de três décadas, Radcliffe-Brown também lecionou na Universidade de Capetown, na África do Sul, na Universidade de Sydney, na Austrália, na Universidade de Chicago, nos Estados Unidos, e na Universidade de Oxford, onde foi nomeado para a primeira cátedra de Antropologia em 1937.
       
A força da personalidade e intelecto de Radcliffe-Brown moldaram o curso de Antropologia britânica em toda a década de 1940. Considerando a influência de Bronislaw Malinowski, outros importantes antropólogos britânicos da época estabeleceram um alto padrão de trabalho de campo e coleta de dados, no entanto, a influência de Radcliffe-Brown foi mais teórica. Malinowski havia argumentado que as instituições culturais tinham de ser entendidas em relação às necessidades humanas básicas psicológicas e biológicas. Radcliffe-Brown, entretanto, sublinhou o "estrutural-funcionalismo" para a análise social que via sistemas sociais como mecanismos integrados, nos quais todas as partes funcionam para promover a harmonia do todo.
       
Como Durkheim, Radcliffe-Brown achava que as instituições sociais devem ser estudadas como qualquer objeto científico. O trabalho do antropólogo social foi descrever a anatomia de instituições sociais interdependentes - o que chamou de estrutura social - e para definir o funcionamento de todas as partes em relação ao todo. O objetivo dessa análise é a conta para o que mantém o funcionamento da sociedade em conjunto.
        
Sua pesquisa inicial na Austrália Ocidental, nas sociedades indígenas, por exemplo, levou para a primeira conta sofisticada de complicados sistemas de parentesco aborígenes como um conjunto de variações sobre alguns temas estruturais. Ele foi capaz de identificar um conjunto de relações entre terminologias de parentesco e as regras do casamento que faziam sentido pela primeira vez da "estrutura" da sociedade indígena. Estes estudos ainda são a pedra angular da antropologia social dos aborígenes australianos.
         
A lista de publicações de Radcliffe-Brown não é especialmente longa. No entanto, em uma série de jornais argumentaram poderosamente que ele foi capaz de transformar a face da antropologia no seu tempo. Ao longo de sua carreira Radcliffe-Brown insistiu em que o próprio objetivo da antropologia era a comparação cuidadosa das sociedades e a formulação de leis gerais sociais. Quando ele entrou em antropologia, culturas exóticas foram geralmente estudadas como coleções de costumes separáveis, e antropologia cultural era a história de como tais costumes eram “difusas" entre as culturas por meio de empréstimos ou de conquista. Esta abordagem elegante e, muitas vezes abstrata para a análise social teve seus críticos e seus defensores. Mas a análise de Radcliffe-Brown de padrões sociais deixou uma marca importante em toda Antropologia Social moderna.

Referências

Kuper, Adam. Antropólogos e Antropologia; tradução de Álvaro Cabral. Rio de Janeiro , F. Alves, 1978.
http://www.answers.com

Da Antropologia de Gabinete à Antropologia Participante: Bronislaw Malinowski


Video criado sobre a vida do antropólogo Bronislaw Malinowski.

Trabalho de Campo na Antropologia


Trabalho de campo

Neste tópico falaremos um pouco sobre o trabalho de campo de Malinowski, destacando seus estudos em Nova Guiné. Para começar, é importate ressaltarmos que o autor teve muitas dificuldades ao chegar na região, pois não sabia quase nada dos nativos, e os brancos que habitavam no local também tinham pouquíssimas informações deles. Os primeiros cumprimentos de Malinowski com os nativos da região aconteceram em inglês pidgin, que era um inglês modificado e mais simples e que era usado como língua franca em várias regiões do Pacífico.

Depois das dificuldades iniciais, Malinowski começou a colocar em prática os princípios metodológicos que, segundo ele, eram essenciais para um trabalho de campo eficaz. Para o autor, o pesquisador deve, em primeiro lugar, possuir objetivos verdadeiramente científicos e ter conhecimento dos critérios e valores da etnografia moderna. Em segundo lugar, o pesquisador deve ter boas condições de trabalho, ou seja, viver entre os nativos, sem depender de outros brancos. E em último lugar, o pesquisador deve utilizar alguns métodos especiais de coleta, manipulação e registro da evidência.

Para Malinowski, o etnógrafo ao fazer o trabalho de campo, deve estabelecer todos os regulamentos e leis que ditam a vida tribal, ou seja, tudo aquilo que é fixo e permanente, além de mostrar a anatomia cultural, como também descrever a constituição social. O autor destaca que o pesquisador deve passar a conhecer o ponto de vista dos nativos, bem como a relação deles com a vida, e ainda a visão que eles têm de seu mundo. Então para Malinowiski, é papel do etnógrafo estudar o homem e tudo aquilo que diz respeito a ele.

Queremos destacar agora o trabalho de campo de Malinowski com relação ao Kula, que é uma forma de troca e que tem um caráter intertribal muito grande. O Kula é praticado por comunidades que ficam num círculo grande de ilhas que formam um circuito fechado. No seu trabalho de campo, o autor pôde perceber que no Kula são utilizados dois artigos: o mwali que é um bracelete de concha e o soulava que é um colar de discos feito de conchas vermelhas e que a cerimônia de troca destes dois artigos é o aspecto central do Kula.

O autor também ressalta os princípios mais importantes e significativos do Kula. Ele diz que, em primeiro lugar, o Kula é um presente retribuído após algum tempo, através de outro presente e que isto não se trata de um escambo. Em segundo lugar, é papel do doador estabelecer a equivalência do contrapresente, que não deve ser imposta e não pode haver devoluções ou regateio na troca. Mas existem ocasiões que participantes do Kula fazem ofertas por artigos que estão em poder de um parceiro. São os chamados “presentes de solicitação”.

Queremos apresentar agora algumas atividades secundárias ao Kula que foram estudadas por Malinowiski. Podemos primeiramente destacar a construção de canoas, que tinham que ser bem feitas para poder suportar as longas viagens. Também é considerada uma atividade secundária do Kula o comércio secundário, que se tratava de viagens onde nativos levavam presentes para seus parceiros. Presentes estes que seriam de grande utilidade para aqueles que iriam receber. Em contrapartida aqueles que levavam presentes recebiam outros também úteis para si mesmos. Outra atividade secundária de grande relevância no Kula era a magia. Os nativos acreditavam em poderes mágicos. Eram feitos rituais mágicos sobre as canoas marítimas para lhes proporcionar segurança e rapidez. Também eram executados rituais mágicos para se afastar os perigos da navegação e outros para que os nativos tivessem dentro de si o desejo de sempre presentear.

Para concluirmos esta parte sobre o trabalho de campo de Malinowiski, nos convêm falar que o que mais interessava a ele no estudo do nativo era a visão que eles tinham das coisas. Ele ressalta que é preciso que o pesquisador consiga captar a realidade psicológica das coisas. Também fala que o pesquisador precisa amar aquilo que faz, tornando-se assim um genuíno profissional da verdadeira Ciência do Homem.

Referência Bibliográfica: 

Malinowiski (1884-1942). Vida e obra. Consultoria de Eunice Ribeiro Durham.

Biografia e Contexto Etnográfico de Bronislaw Malinowski

 

Bronislaw Kaspar Malinowski, nasceu em Cracóvia, Polônia, a 7 de abril de 1884. Seu pai, um professor de filologia eslava na Universidade Jagellonian e um linguista e folclorista de alguma reputação, era descendente da nobreza polonesa. Sua mãe era de uma família proprietária de terras cultivadas. Ele era frágil, muitas vezes doentio em sua infância, e, assim, em vários intervalos durante sua vida escolar e, mais tarde, na universidade, ele foi forçado a abrandar e ter tempo livre para o bem de sua saúde. Em um desses tempos livres começou a se interessar por Antropologia após a leitura do livro O Ramo Dourado, de James Frazer. Entretanto, apesar dos contratempos criados por sua saúde, ele conseguiu obter seu doutorado em Filosofia, Física e Matemática em 1908, graduando-se Sub Auspiciis Imperatoris, a mais alta honraria do Império Austro-Húngaro.
         
No ano de 1913 escreveu seu primeiro livro: A Família Entre os Aborígenes Australianos. De 1914 a 1918 realizou um importante trabalho de campo na Nova Guiné e Austrália. Ajudado por seu amigo Seligman, conseguiu fundos para a sua primeira expedição etnográfica, em 1914 quando residiu alguns meses com os Mailu, habitantes da Ilha de Tulon, no Oceano Pacífico. Fez mais duas expedições, convivendo durante dois anos com os habitantes das ilhas Trobriand, arquipélago situado a nordeste da Nova Guiné. Esse estudo dos Trobriand proporcionou a Malinowski a base de seu prestígio subsequente, e o teor pioneiro dessa investigação é destacado pela comparação com o anterior estudo Mailu. Na realidade ele inventou os métodos da moderna pesquisa de campo nas Ilhas Trobriand. Durante esse tempo Malinowski aprendeu a língua dos nativos, participou de suas cerimônias e de seu dia-a-dia. Malinowski vigorosamente enfatizou a importância de mergulhar profundamente na língua nativa. Mas talvez mais do que qualquer outro pesquisador diante dele, Malinowski adotou o valor de estudar a vida cotidiana em todos os seus aspectos mundanos. Assim, para ele, não foi suficiente simplesmente registrar o que os membros tribais diziam sobre suas crenças religiosas, práticas sexuais, costumes matrimoniais, ou as relações comerciais, mas, o que eles realmente faziam.
      
Mas, apesar de todas as contribuições e sua considerável influência científica e ramificações, Malinowski é principalmente reconhecido como o pai dessa escola da antropologia chamada Funcionalismo, que se baseia na ideia de que todas as partes da sociedade trabalham em conjunto, um conjunto integrado. Este pensamento pode ser prontamente contrastado com o estruturalismo de Durkheim e o estrutural-funcionalismo de Radcliffe Brown- cada um dos quais dá mais ênfase à sociedade como um todo, e as formas que as instituições servem para mantê-la. Malinowski, entretanto, coloca uma maior ênfase nas ações do indivíduo: como as necessidades do indivíduo eram servidas por instituições da sociedade, as práticas costumeiras e crenças, e como a psicologia desses indivíduos pode levá-los para gerar mudanças.
       
Em 1920 e em 1922, ele deu aulas na London School of Economics (Escola Econômica de Londres) durante o período letivo de verão, e em 1923 foi reconhecido como professor de Antropologia Social pela Universidade de Londres. Em 1924, assumiu o cargo de Reitor na L.S.E. Em 1927, Malinowski foi nomeado para a primeira cátedra de Antropologia da Universidade de Londres (Seligman tinha uma cátedra de Etnologia). Permaneceu na L.S.E. até 1938, quando foi aos Estados Unidos em gozo de uma licença-prêmio, para aí ser retido pela eclosão da II Guerra Mundial. Lecionou em Yale e realizou algumas pesquisas de campo, durante as férias, nos mercados camponeses do México. Morreu em New Haven, Connecticut, em Maio de 1942, aos 58 anos de idade.
           
As sete monografias de Malinowski sobre as Ilhas Trobriand foram publicadas entre 1922 e 1935. Constituem a maioria esmagadora de suas publicações durante os anos passados em Londres como professor, e o material trobriandês também forneceu o núcleo de suas conferências e cursos. Foi nessa época que ele formou o seu séquito de adeptos e seguidores, apresentando aos estudantes o fascinante Homem de Trobriand, impondo a crença em seu próprio papel de profeta de uma nova Ciência, e enviando-os pelo mundo inteiro para que realizassem estudos de campo de sua própria lavra.

Referências

Kuper, Adam. Antropólogos e Antropologia; tradução de Álvaro Cabral. Rio de Janeiro , F. Alves, 1978.
Oliveira, Pérsio Santos de. Introdução a Sociologia - Editora Ática.

Paulo Granjo


Doutorado em Antropologia Social (ISCTE, 2001), realiza pesquisas em Portugal e Moçambique que, abrangendo terrenos tão diversos como a indústria, as práticas curativas e mágicas, os processos de aprendizagem ou o direito familiar, possuem um fio condutor comum: compreender as concepções e respostas sociais à incerteza, ao perigo e à tecnologia, em contextos de mudança cultural e social. Em combinação com a sua actividade de investigador, é Professor Visitante na Universidade Eduardo Mondlane, Maputo (licenciatura em Antropologia), desenvolvendo também trabalho docente no Instituto de Ciências Sociais (mestrado em Antropologia Social e Cultural) e na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (licenciatura em Artes do Espectáculo). É autor de diversos livros e artigos, recenseados no item de "publicações" da presente página. É membro do Centro de Estudos de Antropologia Social (ISCTE), do Centro de Estudos Africanos (ISCTE), da Associação Portuguesa da Antropologia e da European Association of Social Anthropologists. É membro honorário da Associação de Médicos Tradicionais de Moçambique. Foi coordenador científico do CASO-Centro de Análise Social (1994/2001), professor auxiliar da Universidade Lusófona (2000/2003) e investigador associado do ICS-UL (2002/2004).

O trabalho e perigo na fundição de alumínio Mozal, as tensões de género e poder em torno da nova Lei da Família, as concepções e práticas ‘tradicionais’ de adivinhação e cura, a memória de acontecimentos traumáticos e a violência pública. Publicou diversos artigos e os livros “Lobolo em Maputo” e “Um Amor colonial”. Prepara a publicação dos livros “Família e Lei em Moçambique”, “Os Antepassados e Nós – incerteza no Moçambique actual” e “Mozal: Labour in a Border Culture”. Recebeu em 2007 o Prémio Sedas Nunes Para as Ciências Sociais. É membro honorário da Associação dos Médicos tradicionais de Moçambique.

Artigos do autor

Em Moçambique, antes de mais a paz
Julgamentos de feitiçaria, hegemonias locais e relativismos
Raça e racismo são coisas que se aprendem
Ser curandeiro em Moçambique: uma vocação imposta?

Biografia de Erving Goffman


Biografia de Erving Goffman

Erving Gojjman (1922-1982) foi um sociólogo, antropólogo e escritor canadense, considerado o pai da microssociologia. Sua obra tem influenciado e contribuído para estudos na área da sociologia, da antropologia, como também no campo da psicologia social, psicanálise, comunicação social, linguística, literatura, educação, ciências da saúde etc.

Erving Goffman (1922-1982) nasceu em Mannville, Canadá, no dia 11 de junho de 1922. Filho de judeus que migraram para fugir do exército russo. Foi criado em Dauphin, Manitoba, uma pequena vila habitada em sua maioria por ucranianos. Obteve o grau de bacharel pela Universidade de Toronto, em 1945. Concluiu o mestrado em 1949 e o doutorado em 1953, na Universidade de Chicago, onde estudou Sociologia e Antropologia.

Em 1958 passou a lecionar na Universidade da Califórnia, em Berkeley. Em 1959, publicou seu estudo de maior destaque “A Representação do Eu na Vida Cotidiana”. Na obra, desenvolveu a ideia de que o mundo é um teatro e cada um de nós, individualmente ou em grupo, teatraliza ou é um ator consonante com as circunstâncias que se encontra, marcadas por rituais e posições distintivas relativamente a outros indivíduos ou grupos.

Em 1962 foi promovido a professor titular. Em 1968 ingressou na Universidade da Pensilvânia, onde passou a lecionar Sociologia e Antropologia. Em 1977 Erving Goffman recebeu o Prêmio Gugenheim. Entre os anos de 1981 e 1982 presidiu a Sociedade Americana de Sociologia. Realizou pesquisas na área de sociologia interpretativa e cultural, iniciada por Max Weber.
Entre outras obras importantes, Erving Goffman escreveu, “Manicômios, Prisões e Conventos” (1961), resultado de uma pesquisa de três anos sobre os comportamentos nas enfermarias dos Institutos Nacionais do Centro Clínico de Saúde e do trabalho de campo no Elizabeths Hospital, em Washington, nos Estados Unidos, entre os anos de 1955 e 1956, uma instituição federal com pouco mais de 7000 internos, e “Estigma: Nota Sobre a Manipulação da Identidade Deteriorada” (1963) entre outras.

A maneira de fazer pesquisas, empregada por Erving Goffman teve suas raízes na prática defendida pelos precursores da Escola de Chicago, principalmente Robert Park, baseada na imersão da realidade social a fim de elaborar suas próprias análises. Para Goffman os alunos deveriam abandonar a biblioteca e ir a campo, centralizando seus interesses em fontes primárias.
Erving Goffman faleceu na Filadélfia, Pensilvânia, nos Estados Unidos, no dia 19 de novembro de 1982.

Biografia de Émile Durkheim


Biografia de Émile Durkheim

Émile Durkheim (1858-1917) foi um sociólogo francês. É considerado o pai da Sociologia Moderna e chefe da chamada Escola Sociológica Francesa. É o criador da teoria da coesão social. Junto com Karl Marx e Max Weber, formam um dos pilares dos estudos sociológicos.
Émile Durkheim (1858-1917) nasceu em Epinal, região de Lorena, na França, no dia 15 de abril de 1858. Descendente de família judia, filho e neto de rabinos, foi preparado para seguir o mesmo caminho, mas rejeitou sua herança judaica. Estudou no Colégio d’Epinal e no Liceu, em Paris. Estudou filosofia na Escola Normal Superior de Paris.

O fato de Durkheim não ter seguido os preceitos da cultura judaica pode ter influenciado no teor de seus estudos e de suas preocupações religiosas, preferindo analisá-las desde o ponto de vista social. Estudou as teorias de Auguste Comte e Herbert Spencer, o que fez com que conferisse uma matriz científica às suas teorias.
Em 1897 fundou a revista L’Année Sociologique na qual reuniu um eminente grupo de estudiosos. Formou grande número de discípulos que por sua vez forneceram contribuições à pesquisa sociológica. A teoria dos fatos sociais de Durkheim influiu decisivamente sobre o desenvolvimento da Sociologia Científica do século XX.

Émile Durkheim foi nomeado professor de Ciências Sociais em curso criado especialmente para ele, e de Pedagogia, na Universidade de Bordeaux. Em 1902, foi nomeado para a primeira cadeira de Sociologia na França, e para a cadeira de Pedagogia, ambas na Sorbonne. Émile Durkheim foi considerado um dos fundadores da Sociologia Moderna e chefe da chamada Escola Sociológica Francesa, rival da Escola da Ciência Social de Frédéric Le Play.

Durkheim escreveu obras que foram definitivas nos rumos dos estudos sociológicos. No livro "Da Divisão do Trabalho Social" (1893), ele estabeleceu as bases da sociedade comparando a um organismo vivo, onde cada parte funcionava como um órgão biológico que agiria de forma dependente. Assim, numa sociedade "doente", que ele denominava de anomia, a cura para o melhor funcionamento social seria a solidariedade orgânica.

No livro "As Regras do Método Sociológico" publicado em 1895, estabeleceu as bases para a sociologia como ciência. Em sua obra "O Suicídio" (1897), avaliou que o maior nível de integração social estava ligado aos índices de suicídio, que seriam maiores quanto mais frágeis fossem os laços sociais. Também pesquisou assuntos sobre religião, através do livro "Formas Elementares da Vida Religiosa", publicado em 1912.
Émile Durkheim morreu no dia 15 de novembro de 1917. Seus restos mortais encontram-se no cemitério de Montparnasse, em Paris.

Obras de Émile Durkheim

Da Divisão do Trabalho Social, 1893
As Regras do Método Sociológico, 1895
O Suicídio, 1897
As Formas Elementares da Vida Religiosa, 1912
A Educação e a Sociologia, 1922 (obra póstuma)
Sociologia e Filosofia, 1924 (obra póstuma)
A Educação Moral, 1925 (obra póstuma)

Biografia de Marcel Mauss


Biografia de Marcel Mauss

Marcel Mauss (1872-1950) foi um sociólogo e antropólogo francês. Considerado o pai da Antropologia Francesa deixou importantes artigos para a Sociologia e a Antropologia Social Contemporânea.

Marcel Mauss (1872-1950) nasceu em Épinal, França, no dia 10 de maio de 1872. Formou-se em Filosofia e especializou-se em História das Religiões. Sobrinho do sociólogo Émile Durkheim, estudou com o tio e foi seu assistente. Participou da formação do que seria mais tarde conhecido como a Escola Sociológica Francesa, da qual Émile Durkheim foi o criador.

Marcel Mauss publicou a maioria de seus artigos na revista Année Sociologique, entre eles, “Essai Sur la Nature et la Fonction du Sacrifice” (1903), (col. de Henri Hubert), “De Quelques Formes Primitives de Classification” (1903) (col. de E. Durkheim), Esquisse d'une Téorie generale de la Magie (1904) e “Essai Sur le Don, Forme Archaique de l’Échange” (1924).
De 1900 a 1902 foi professor suplente na Ecole des Hautes Etudes, em Paris, lecionando história das religiões indianas. De 1901 a 1907 foi professor de História das Religiões dos Povos Primitivos na mesma instituição. Foi diretor da revista L’Année Sociologique, entre 1923 e 1925, quando sucedeu Émile Durkheim.

Colaborou com a fundação do Instituto de Etnologia da Universidade de Paris, em 1925, tornando-se secretário-geral e professor, onde formou os primeiros etnógrafos da antropologia francesa. Entre os importantes alunos do Instituto destacam-se: Marcel Griaule, Roger Bastide, Claude Lévi-Strauss, Michel Leiris e Louis Dumont.
Em 1930, foi eleito para a cadeira de Sociologia do Collège de France, onde permaneceu até 1939. Entre outro trabalhos de sua autoria destacam-se: “Manual de Etnografia” (1947) e “Sociologia e Antropologia” (1950).
Marcel Mauss faleceu em Paris, França, no dia 10 de fevereiro de 1950.

Antropologia e Filosofia: estética e experiência em Clifford Geertz e Walter Benjamin


Relivaldo Pinho de Oliveira

Universidade da Amazônia - Brasil

RESUMO

Este artigo estuda as concepções de estética e experiência de Clifford Geertz e Walter Benjamin como possibilidades argumentativas e metodológicas para pensar a realidade e suas formas estéticas. Utiliza-se para isso as discussões metodológicas de Geertz, especialmente a respeito do lugar da estética e de sua relação com os demais âmbitos do humano, que encetaram uma nova forma de concebê-los para a etnografia e antropologia de modo geral, e os estudos de Benjamin a respeito da estética como expressão fisionômica de uma época, de determinada realidade, especialmente os que se referem sobre a modernidade. Constata-se essa possibilidade a partir da observação de que a estética e a experiência, nos autores, são tomadas como dimensões da realidade que se relacionam, não de modo mecânico, e sim como âmbitos que atravessam a realidade, os artefatos estéticos, os discursos, e esses assim devem ser observados.

Palavras-chave: Clifford Geertz, estética, experiência, Walter Benjamin.

DOWNLOAD / BAIXAR

Antropologia e Filosofia: experiência e estética na literatura e no cinema da Amazônia


A obra é resultado da tese de doutorado do autor, defendida no Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da UFPA, sob a orientação do professor Ernani Chaves. A pesquisa foi vencedora da edição 2012 do Prêmio Professor Bendito Nunes da UFPA, coordenado pela Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação (Propesp) e  atribuído à melhor tese de doutorado defendida no âmbito dos Institutos de Filosofia e Ciências Humanas, de Ciências da Arte e de Letras e Comunicação da UFPA. Podem concorrer ao prêmio trabalhos de pesquisadores (docentes e técnicos) da UFPA vinculados a esses institutos, ou teses de autoria de pesquisadores externos, mas defendidas em programas de pós-graduação desses mesmos institutos da Universidade Federal do Pará.

O trabalho de Relivaldo Pinho analisa os livros Belém do Grão Pará, de Dalcídio Jurandir; Altar em chamas, de João de Jesus Paes Loureiro; Os Éguas, de Edyr Augusto; e os filmes Um dia qualquer, de Líbero Luxardo; Ver-o-Peso, de Januário Guedes, Peter Roland e Sônia Freitas; eDias, de Fernando Segtowick.

Os livros e filmes têm em comum a cidade de Belém do Pará e representam épocas diferentes e importantes da capital. O livro de Dalcídio Jurandir tem o declínio da cidade com o fim da era da borracha; o de Edyr Augusto é um romance policial no fim do século XX. Já o filme de Luxardo é da década de 1960, e o de Segtowick, que mostra a vida de três personagens em uma Belém já repleta de grandes edifícios, é do início do século XXI. São esses períodos e épocas que levam o autor a afirmar, em sua introdução, que “a literatura e o cinema aqui estudados são objetos estéticos pensados na sua relação com o sentimento, o espírito, que os emula”.

Real originalidade - “Perscrutar esse espírito em um conjunto de obras que o encerrasse foi a tarefa mais longa, porque, imagino, contrapunha o espírito mais comum. O significado fundamental desta pesquisa foi buscar uma real originalidade na abordagem sobre a Amazônia, neste caso, mais especificamente, sobre Belém do Pará”, diz, nas notas iniciais do livro, Relivaldo Pinho. Para o autor, o estudo não poderia “ignorar a urbanidade - sua representação - que se ergueu e se ergue e a decadência que a acompanhou e a acompanha, naquilo que se imaginou/imagina ser o paraíso perdido, a Paris nos trópicos, ou se pensa ser exemplo de ‘moderno/contemporâneo’”.
Unindo Antropologia e Filosofia, a partir, principalmente, das teorias do antropólogo norte-americano Clifford Geertz e do filósofo alemão Walter Benjamin, o escritor buscou uma nova possibilidade de se observar a cidade por meio da experiência social nela presente e da estética que a representa. A pesquisa “se volta para as obras com a intenção de compreender seus significados e ler suas existências. Existências que podem se situar primordialmente na cidade, mas estão atreladas à região”, afirma, no trabalho, o autor.

No prefácio do livro, o professor Ernani Chaves diz que “o que aguarda o leitor nas páginas que se seguem é, antes de mais nada, o resultado de um trabalho de pesquisa, em vários aspectos, extraordinário. O resultado de uma longa convivência do autor com o seu tema”. Para ele, Relivaldo Pinho “se situa na tradição daqueles que tomam a cidade como objeto, mas também como companheira e amante, tentando, de algum modo, desnudá-la. O estranhamento do familiar. O que corresponde, em Walter Benjamin, ao duplo movimento de imersão no objeto para que, depois, possamos tomar em relação a ele a ‘distância certa’”.

Sobre o autor - Relivaldo Pinho é graduado em Comunicação Social, mestre em Planejamento do Desenvolvimento e doutor em Ciências Sociais (Antropologia) pela Universidade Federal do Pará (UFPA). Foi coordenador adjunto do curso de Comunicação Social e coordenador da Especialização em Jornalismo, Cidadania e Políticas Públicas, da Universidade da Amazônia (Unama). É professor do curso de Comunicação Social e do Mestrado em Comunicação, Linguagens e Cultura da Unama. Coordena o Projeto de pesquisa Comunicação, Antropologia e Filosofia: Estética e Experiência na Comunicação Visual, Audiovisual e Literária Urbana da Contemporaneidade de Belém do Pará. É autor dos livros Mito e Modernidade na Trilogia Amazônica, de João de Jesus Paes Loureiro (Naea/UFPA, 2003), vencedor do Prêmio Naea de Melhor Tese/Dissertação de 2001-2002; Amazônia, Cidade e Cinema em Um Dia Qualquer eVer-o-Peso: Ensaio (IAP, 2012), contemplado com o Prêmio Vicente Salles de Melhor Ensaio do Instituto de Artes do Pará (IAP), e organizador do livro Cinema na Amazônia: Textos sobre Exibição, Produção e Filmes (CNPq, 2004).

Frases Clássicas da Antropologia


“Eles apenas falam da sua própria experiência quando perguntados sobre o Kula, mas não tem idéia sociológica da instituição”.

Bronislaw Malinowski em sua observação participativa sobre os  rituais do Kula.

"Sinto vergonha de ser brasileiro quando vejo o que se fez com os povos originários dessa terra, ou ainda quando lembro que o Brasil foi o último país no mundo a abolir a escravidão. Se eu fosse francês, teria vergonha do que a França fez na Argélia, na Indochina, na África. Ou seja, ser brasileiro não é especialmente vergonhoso. Ser de qualquer país é vergonhoso, porque todo país é construído em cima da destruição de povos".

Viveiros de Castro - Antropólogo brasileiro

"A crise financeira que atravessamos nos faz esquecer que na sua origem há uma profunda crise antropológica".

Papa Francisco

"Não existe cultura em que a relação extraconjugal seja desconhecida, e parece não haver nada que consiga fazê-la deixar de existir".

Regina Navarro

"Na nossa cultura, as pessoas amam o fato de estar amando, se apaixonam pela paixão. Sem perceber, idealizam o outro e projetam nele tudo o que desejam. No fim das contas, a relação não é com a pessoa real, que está do lado, e sim com a que se inventa de acordo com as próprias necessidades".

Regina Navarro - Escritora

"O indivíduo só poderá agir na medida em que aprender a conhecer o contexto em que está inserido, a saber quais são suas origens e as condições de que depende. E não poderá sabê-la sem ir à escola, começando por observar a matéria bruta que está lá representada".

"A educação é uma socialização da jovem geração pela geração adulta".

Émile Durkheim

Os deuses canibais – notas sobre a cosmologia dos Araweté



Viveiros de Castro enfatiza que a abordagem desta sociedade é o complexo de relações entre os humanos e os espíritos, e a morte é o lugar onde a “pessoa” Araweté se realiza. Os humanos (bidé) encontram-se no centro de um movimento da cosmologia que compõe o universo. Pelo movimento não estático que se define a cosmologia Araweté, torna-se impossível descrevê-los ou analisá-los utilizando os termos sobre a noção de pessoa utilizada por Marcel Mauss, pois eles não se definem como substancia acabada, e sim com um processo em constante movimento.

Entre o plano terrestre e o céu, encontram-se os bidê (humanos), e no céu encontram-se os deuses Mai, que são espíritos não terrestres, divindades que possuem a ciência da imortalidade. Os Ayí são espíritos ferozes que atacam bidés e vivem na terra, mais especificamente habitando as matas. Embora pareça evidente que existe uma relação de oposição e complementaridade entre as partes, não é isso que ocorre na dinâmica entre os dois mundos, instaurado pelo constante devir. No plano celeste também existe numerosas divindades ferozes que comem a alma dos mortos, entre eles os Mai heté que são associados à primitividade. O código canibal representa a cerne da estrutura Araweté, uma vez que eles não comem carne humana, eles comem a carne do inimigo como ato de coragem. Quando bidé encontra um Ayí deve matá-lo e comer sua carne, tornando-se mais forte e aquilo que era seu inimigo, portanto perigoso para os demais. O guerreiro então ficará de resguardo, com a barriga cheia de sangue inimigo, e quando este guerreiro morre o espírito do inimigo sobe junto com ele, causando medo aos May, se transformando em divindade sem passar pela devorarão. Assim, bidé tornou-se Ayí e no plano celeste se transforma uma categoria específica de May. Esse processo não ocorre com todos os mortos terrestres, quando se trata de um não matador, bidé ao morrer e subir ao plano celeste, torna-se automaticamente Ayí para May, pois é como se fosse um estrangeiro, que precisará ser devorado pelos deuses e depois será ressuscitado por meio dos ossos. Os mortos transformam-se em alma terrestre ou celeste e é na morte que a “pessoa” Araweté se instaura, portanto a identidade é um constante “tornar-se outro”, é através dela que o canibalismo fundamenta-se como um ato crucial para o eterno devir Araweté em que os deuses são o “nós”, e o humano enquanto morto o inimigo. A vida na morte não é algo negativo, e sim um processo de transformação, onde os verdadeiros bidé são os May, e a pessoa está sempre em um processo de construção. Como ressalta Viveiros de Castro, o canibalismo é a aliança entre os vivos e os mortos, e os deuses “são sempre definidos como os que comem: na terra a comida dos homens; no céu, os próprios homens”.

Ps: Observações feitas após ler o texto Deuses Canibais de E. Viveiros de Castro.

O Relativismo Ocidental e o Perspectivismo Ameríndio


“Outra coisa, não disse Cunhambebe, o chefe tupinambá, quando Hans Staden, vendo-o saborear uma perna de inimigo, argumentava aterrado que sequer as bestas selvagens comiam seus semelhantes. Com humor, algo Zen, Cunhambebe apontou para o abismo que o separa do europeu. Não disse: não, isto que como, meu inimigo, não é meu semelhante, é um animal…Ele disse: Eu sou o inimigo, Eu sou um jaguar; e está muito gostoso“. (Viveiros de Castro, 1984).

Eduardo Viveiros de Castro ao etnografar os povos ameríndios, observa que cada ser é um centro de perspectivas no universo e todo acontecimento é no mínimo dois. Dessa forma, Viveiros de Castro é o primeiro antropólogo a abordar as relações entre os seres pertencentes à cosmologia dos ameríndios através do perspectivismo, e o resultado desse trabalho trouxe contribuições para o campo da antropologia, que até então seguia teorias relativistas que não poderiam ser aplicadas para uma relação tão complexa quanto as existentes entre os ameríndios e os seres que fazem parte das suas relações.

O relativismo corresponde a uma análise tipicamente ocidental, e defende que certos princípios organizadores sociais (como a moral) são fatores resultantes da cultura, e que todas as interpretações são reais dentro de realidades diferentes. Enquanto o perspectivismo pressupõe que toda percepção tem lugar a partir de uma perspectiva que é alterável, ou seja, existe uma única realidade que é alterável conforme a perspectiva de cada um frente à realidade.

Nas cosmologias indígenas o mundo é povoado por muitas espécies (humanos e não humanos) e o mundo está dotado de consciência e cultura, e cada espécie se vê como humano e as demais como não humanas, e nesta relação às espécies atribuem sentidos diferentes que dialogam entre si e com todos os acontecimentos. Este é um circunstancialismo, onde todo mundo é humano de antemão.

O relativismo coloca o antropólogo em condição desigual com o nativo, pois este quando denomina o outro por nativo já pressupõe que existe uma condição desigual de interpretar o universo, e o antropólogo é aquele que toma a palavra discursiva para interpretar o sentido do outro, transformando-o em matéria que não detém sentido do seu próprio sentido, como ressaltou o autor em “O nativo relativo”. Eduardo Viveiros de Castro polemiza essa questão e propõe ao antropólogo inverter o jogo, ou seja, abdicar da sua posição de “conhecimento de causa” para tornar-se o observado, a fim de observar os sentidos atribuídos pelo outro em suas relações com os sujeitos, e é a partir da observação do ponto de vista dos índios sobre o ponto de vista  que um universo de relações dotadas de sentidos começam a aparecer para o observador. Em “Perspectivismo e multinaturalismo na América indígena”, Eduardo Viveiros de Castro enfatiza que a capacidade de ocupar um ponto de vista depende do grau e da situação, alguns não humanos atualizam a “personitude” e “perspectiva” de modo mais completo.

O perspectivismo raramente se aplica em extensão a todos os animais, geralmente ocorre com grandes seres predadores, tais como o jaguar, a sucuri, ou sobre presas típicas humanas, como os peixes e os veados por exemplo.          A oposição comum entre os humanos e os animais, não é a animalidade, e sim a humanidade, para os ameríndios a humanidade é uma condição, o que deixa em evidência um aspecto importante sobre os ameríndios: a distinção entre espécie e condição.

Existe uma valorização simbólica da caça por esta representar o campo onde as interações entre os humanos e não humanos se relacionam.

Observando os Jurunas, percebe-se que eles são para os porcos uma espécie de inimigo e portanto um não humano  (e por isso os Jurunas são caça para os porcos). Enquanto para os Jurunas os porcos pertencem à atividade da caça, e é através dela que se concretiza a relação com os porcos. A relação dos porcos com os Jurunas está dotada de significado para ambas as partes, pois enquanto os porcos para os Jurunas representam perigo por entenderem que os Jurunas são inimigos não humanos, os porcos para os Jurunas representam espíritos não humanos. Os Jurunas pensam que os porcos pensam que são humanos, e por eles saberem que não são, sabem do risco que é esta interpretação dos porcos para eles. É correto afirmar que os porcos estão para os Juruna assim como os Juruna estão para os porcos.

A onça, por exemplo, se vê como humano e não nos vê como humano (nós nos vemos como humanos) e estas são duas perspectivas que dialogam através das experiências de cada parte, diferente do relativo que depende do tempo e do espaço. No perspectivismo ameríndio uma relação social é uma relação entre sujeitos, mesmo quando as espécies são diferentes elas dialogam atribuindo diferenças entre si.

Eduardo Viveiro de Castro enfatiza que o xamanismo também tem uma valorização singular, pois os xamãs possuem a habilidade de “cruzar deliberadamente as barreiras corporais e adotar a perspectiva de subjetividades alo-específicas de modo a administrar as relações entre estas e os humanos”.p.231.

O xamanismo é uma forma de agir que implica um modo de conhecer, e conhecer é um personificar, “tomar o ponto de vista do que quer se tornar conhecido”, ou seja, do outro sujeito ou agente e a forma do outro é a pessoa.

Para os ameríndios existe a unidade de espíritos e a diversidade de corpos, a cultura seria a forma do universal e a natureza ou o objeto a forma do particular.

O autor se distancia do antropomorfismo e afirma que todos os seres veem o mundo da mesma maneira, o que muda é o mundo que eles veem e dessa forma Eduardo Viveiros de Castro distancia sua abordagem também do relativismo cultural que supõe uma diversidade de representações (subjetivas e parciais). O perspectivismo não é uma representação, porque as representações são propriedades do espírito, mas o ponto de vista está no corpo.  O corpo possui uma importância, e sua forma visível é um signo importante, e é composto não pela sua fisiologia e sim por um conjunto de modo der ser que resultam no habitus, e por isso muitas vezes o corpo pode ser enganador, quando a aparência de um humano pode estar ocultando uma afecção-jaguar, por exemplo. A diferença dos corpos só pode ser captada pelo ponto de vista exterior, uma vez que para si mesmo, cada sujeito possui uma forma humana, portanto o corpo é a origem das perspectivas.

Briga de Gigantes "Foucault e Sartre"


Sartre e Foucault nos anos 70, vendo-se atrás deles Deleuze

Uma curiosidade interessante que possibilita compreender melhor o posicionamento de dois grandes pensadores.

Como e porque Sartre brigou com Foucault extraído do blog: https://kakarodrigues.wordpress.com/2012/08/15/briga-de-gigantes/

Foucault (1926-1984) e Sartre (1905-1980), ambos filósofos franceses, que muitas vezes lutaram pelas mesmas causas na política interna da Fança, estavam em lados opostos em suas concepções filosóficas. Em temas como o marxismo, o sujeito humano, sua existência, as ciências humanas, a teoria sobre a história – a disputa foi acirrada.

Sartre discordou da análise de Foucault sobre a história, este “esqueceu a história”, pois não diz como os acontecimentos se transformam em função do movimento dialético (veja postagem sobre a dialética marxista). E pior, Foucault “matou o homem”, que não passa de um sujeito assujeitado e constituído por saberes de certa época. Quer dizer, Foucault despreza a dignidade e a liberdade humanas. Os estruturalistas visam constituir, sempre segundo Sartre, uma nova ideologia, burguesa, se recusam a prestar atenção às relações de produção, à praxis e consideram que a estrutura da linguagem é mais importante do que a história material e social. Ora, argumenta Sartre, a linguagem é inerte, uma rede de oposições e de regras, de onde o homem está ausente.
Em suma, para o existencialismo sartreano, que aos poucos se tornou um marxismo sartreano, sem o homem concreto, abolindo sua existência e a história dos modos de produção que o transformam, Foucault comete, proclama Sartre “um escândalo lógico”. O homem é mais do que as estruturas que o condicionam.

Foucault sustenta algo muito diferente. Para ficarmos só com As Palavras e as Coisas (1966), para ele a história não é feita de passagens, mas de cortes, diferentes práticas de saber para falar, para situar e lidar com os acontecimentos. Acontecimentos são fabricados, inclusive esse humanismo que vê o homem como pura existência, genérica. A história produz lutas, mas muitas delas nada têm a ver com classes sociais. O próprio marxismo surgiu de condições históricas, Marx é um peixe nas águas do século 19, há que compreendê-lo e lê-lo nesse “ambiente”. Ele escreveu sobre uma dessas situações históricas: conflitos no nascimento do capitalismo moderno. Conhecimentos só podem nascer de circuntâncias que os homens produziram, o que, diga-se de passagem, Marx sabia. O que ele não sabia, tampouco Sartre, é que não há nada por detrás, nem um projeto de avançar para o socialismo, nem a existência como essência do homem.

Foucault não pretende que uma ideologia deva servir à revolução de que classe for. Não há revolução de classe que acabe com as diferenças, com ciências que marcam e classificam, como a psiquiatria. As transformações históricas não têm uma causa geral ou única. Foucault não negou a história, ele mostrou que a história pode ser vista de outra forma. Ele não foi um antihumanista, ele foi o cartógrafo dos saberes que permitiram o surgimento da figura do homem como alguém vivo, que trabalha e fala. Essa figura é recente. Se pensarmos no modo como Platão, por exemplo, via o homem – alma imortal presa a um corpo, e como nós hoje nos pensamos, e como certos saberes nos produziram como seres finitos, sujeitados a normas , a técnicas, a ciências, nada disso nos “humaniza”, tudo isso nos tiraniza.

Na entrevista em que Foucault, com 38 anos, rebate a acusação de Sartre de que ele despreza a subjetividade e o humanismo (um dos escritos mais difundidos de Sartre chama-se , aliás, O existencialismo é um humanismo), Foucault responde: o esforço feito pela nossa geração não é o de reivindicar o homem contra o saber e contra a técnica, mas o de mostrar que nosso pensamento, nossa vida, nosso modo de ser, até o mais cotidiano, fazem parte da mesma organização sistemática, dependem das mesmas categorias que regem o mundo científico e técnico.
O que ele quis dizer com isso? O homem não tem uma essência pura, ele não está salvo se o livrarmos dos condicionamentos. Em nossa época predominam os saberes técnicos, das várias ciências, a tecnologia. DNA, exames, testes, diagnósticos, controlar, produzir, empreender, obter sucesso, comunicar -, é isso que nossa “humanidade” carrega.