O sistema Kula de comércio foi descrito e analisado primeiramente por Malinowiski (considerado um dos “Pais Fundadores” da Etnografia), no livro “Os argonoutas do pacífico ocidental (1922)”, elaborado a partir de seu trabalho de campo nas Ilhas Trobriand, na Melanésia.
De acordo com Lanna:
“Ainda a partir da etnografia de Malinowski, Mauss retoma as diversas formas de dádivas trobriandesas (inicial, de fechamento, convite, de retorno etc.) interpretando-as como “formas primitivas de classificação”. Corretamente, não dá atenção à (re)classificação malinowskiana desta classificação trobriandesa. Sugere futuras pesquisas sobre o lugar do indivíduo não generoso no kula, infiel aos seus parceiros, e conclui que “o kula não passa, ele próprio, de um momento, o mais solene, de um vasto sistema de prestações e contra prestações que parece englobar a totalidade da vida econômica e civil dos trobriandeses” pois “ele concretiza e reúne muitas outras instituições” (idem, p. 83). O kula é assim um fato fundamental da vida trobriandesa, englobando não só o que Mauss chama de “vida civil e econômica” (incluindo aqui a política e a diplomacia intertribal) como também os mitos, a religião, a magia, as práticas funerárias e a moral (Mauss, 1974, p. 86). (Lanaa, 2000, p. 183).
Para Marcel Mauss: “O kula é uma espécie de grande potlatch” (Mauss, 2003, p.214). A partir do trabalho de Malinowiski, ao qual elogia, Mauss elabora sua análise do grande “sistema de comercio intertribal e intratribal” denominado kula, que se estende por todas as ilhas Trobriand.
Apesar de tratar-se de um sistema comercial, para Mauss “o comércio kula é de ordem nobre.”(Mauss, 2003, p.215), o que quer dizer que os objetos de trocados no kula possuem um valor distinto dos demais, que excede o simples valor comercial de uma moeda de troca qualquer e, por isso mesmo, possuem uma esfera de circulação restrita. Segundo Lanna:
“O kula, por exemplo, pode ser entendido como um comércio intertribal, por implicar uma troca circular que ocorre entre várias ilhas melanésias. Mas, como Malinowski mostra, ele é distinguido pelos próprios trobriandeses das trocas puramente econômicas “de mercadorias úteis”, denominadas gimwali, e que ocorrem paralelamente a ele (idem, p. 74). Mauss nota que os trobriandeses sempre foram comerciantes. Em resumo, para Mauss, como para Malinowski, as trocas podem ter um caráter mais ou menos comercial.” (Lanna, 2000, p. 182).
Nas palavras do próprio Mauss:
“Para começar, a troca dos próprios vaygu’a enquadra-se, por ocasião do kula, em toda uma série de outras trocas extremamente variadas, que vão do regateio ao salário, da solicitação à pura cortesia, da hospitalidade completa à reticência e ao pudor.” (Mauss, 2003, p. 223-224).
Mauss também aponta para a questão dos valores e das motivações envolvidas nas trocas, entre as tribos que participam do sistema kula:
“A importância e a natureza dessas dádivas provêm da extraordinária competição que se instala entre os parceiros possíveis da expedição que chega. Eles buscam o melhor parceiro possível da tribo oposta. A questão é grave: pois a associação que se tenta criar estabelece uma espécie de clã entre os parceiros. Para escolher, portanto, é preciso seduzir, deslumbrar. Levando em conta as hierarquias, é preciso atingir o objetivo antes que os outros, ou melhor que os outros, provocar assim trocas mais abundantes das coisas ricas, que são naturalmente propriedade das pessoas mais ricas. Concorrência, rivalidade, ostentação busca de grandeza e interesses, tais são os motivos diversos que subjazem a todos esses atos.” (Mauss, 2003, p. 225).
E, tecendo um comentário sobre o objetivo de Mauss ao analisar esses “fenômenos sociais totais” (o potlatch e o kula, dentre outros) no Ensiao sobre a Dádiva, Lanna encerra:
“... para Mauss as trocas incluem bens mais ou menos alienáveis, assim como bens economicamente úteis ou não. Elas podem incluir “serviços militares, danças, festas, gentilezas, banquetes, mulheres”; em resumo, qualquer “circulação de riquezas” (incluindo-se aqui as mulheres) é apenas um momento “de um contrato mais geral e muito mais permanente” (MAUSS, 1974, p. 65). Ou seja, o objeto do Ensaio não é a economia primitiva, mas a circulação de valores como um momento do estabelecimento do contrato social.” ). (Lanaa, 2000, p. 179)
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