Conceitos de saúde e doença ao longo da história sob o olhar epidemiológico e antropológico
Elaborado por Iracema Freitas
Backes, M.T.S, et al, Rev. enferm. UERJ, Rio de Janeiro, 2009 jan/mar; 17(1):111-7.
Os conceitos de saúde e doença passaram por muitas variações no decorrer da História, sempre relacionados com os contextos vividos e a influência que cada época teve sobre a perspectiva do adoecimento e do estar saudável. Nessa perspectiva, foi se desenvolvendo um modelo de assistência à saúde voltado para a doença, para o tecnicismo e em que as relações são impessoais, baseadas apenas no contato breve e de certo modo superficial. Tomando por base uma revisão teórica da literatura a respeito dos conceitos de saúde e doença ao longo da História, nas perspectivas epidemiológica e antropológica, esse artigo apresenta a questão sanitária com enfoque na saúde.
Em toda História, o processo saúde e doença foi evoluindo e se adequando às influencias sociais vigentes, refletindo costumes e ideias de médicos e teóricos de seu tempo. Na Antiguidade, surge com Galeno a ideia de saúde como equilíbrio entre as partes primárias do corpo, a crença de que as doenças seriam provocadas por elementos naturais ou sobrenaturais (influência da filosofia religiosa). Na medicina hindu e chinesa, o desequilíbrio do organismo e para os gregos os fatores externos causariam doenças (ideia de contágio). No medievo a doença retoma o caráter religioso, mas com as epidemias retorna-se temor do contágio (envenenamento das águas por leprosos, bruxarias, conjugação dos astros e outros). Era comum atribuir aos entes míticos a causa das doenças. Pouco se sabia a respeito da verdadeira etiologia das doenças, o que fazia com que as crenças e o misticismo fossem fundamentais para compreensão dos elementos originadores das doenças e o seu tratamento.
No renascimento, estudos empíricos buscavam as matérias causadoras do contagio, surgindo a teoria miasmática. Essa teoria pode ser entendida como a influência dos odores venenosos que ao serem levados pelos ventos contaminavam o ar, hoje entende-se como uma teoria ultrapassada. A medicina social (séc.XVII ao XX), abriu espaço para prática médica individual e criou condições de salubridade adequadas a nova sociedade. Já a bacteriologia (séc.XIX) com as vacinas e produtos químicos para combater os agentes etiológicos das doença, também desenvolveu um trabalho mais especifico e menos generalizado, direcionado para uma patologia celular. Com o fortalecimento da biologia, a fisiologia, a bacteriologia e o desenvolvimento de pesquisas a medicina se torna uma ciência experimental. Na Idade Moderna há uma redução, objetividade , fragmentação do conhecimento do corpo, biologização da saúde e o equilíbrio orgânico, traduzindo os acontecimentos de formas abstratas aos enquadramentos, demonstráveis e calculáveis.
Na contemporaneidade, saúde e doença no indivíduo como sistema vivo, passam a ser compreendidas nas suas relações de subjetividade, e não apenas nas dimensões biológicas. Os conceitos de normalidade e patologia ganham flexibilidade e passam a incorporar outras perspectivas a respeito das influencias que uma realidade social e histórica podem exercer sobre o processo saúde-doença. Agora, o que se pretende é observar os contextos vulneráveis e promover a saúde respaldando-se nos acontecimentos que afetam individual e coletivamente.
Na epidemiologia o foco está nas causas das doenças, na dimensão biológica e reação favorável do organismo aos estímulos externos. As dimensões subjetivas do indivíduo (a psicopatológica e psicossomática) são desconsideradas por não terem precisão diagnóstica, garantida pelos componentes laboratoriais. Isso leva ao pensamento de que a doença fica reduzida ao dados fisiológicos, e o trabalho fica restrito ao reconhecimento da doença já instalada. Na ótica antropológica, a doença não se reduz a plano individual e biológico, voltando-se para saúde, condições de vida e incorporando também a visão dos usuários dos serviços de saúde. Assim, saúde e doença são construídas a partir de uma herança cultural e de uma história social, em que inúmeras variáveis podem interferir e comprometer o estado de normalidade do indivíduo.
A influência cultural e social sempre se fez presente no conceito de saúde e doença no decorrer da História. Mas, apesar de toda precisão científica, não se pode reduzir o indivíduo a um organismo vivo biologicamente previsível, nem desconsiderar toda forma de influência externa (econômica, familiar, de hábitos e outras) que resulta da dinâmica entre o sujeito, o seu meio e o resultado das suas experiências. Tanto a prática dos profissionais da saúde, quanto a racionalidade científica precisam compreender e explicar a realidade, para conseguir desenvolver uma política de educação para saúde, principalmente em contextos mais vulneráveis. Não se trata apenas de como combater a doença, mas de promover uma prevenção.
Enfim, hoje em dia as questões sobre saúde já não pertencem apenas ao domínio biomédico, apesar desse modelo ainda ser hegemônico e considerar certas práticas populares como irracionais, tem na interdisciplinariedade a possibilidade de se aproximar dos usuários, conhecer suas produções culturais e colaborar para que esses se tornem agentes transformadores da realidade. Isso torna-se viável com o auxílio da epidemiologia , antropologia, psicologia e demais ciências que dentro dos seus recortes, contribuem para o estudo e tratamento das doenças.
Considero a leitura bastante significativa para que profissionais da saúde tenham um maior conhecimento sobre as muitas maneiras que a ideia de doença e saúde foi desenvolvida ao longo da historia, e como pode ser abordada em nossos dias. Para Psicologia da Saúde sua relevância também remete as formas de lidar com o adoecimento e a saúde em parceria com os demais saberes, promovendo saúde e não apenas combatendo a doença.
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