terça-feira, 21 de novembro de 2017

A Escola Sociológica Francesa e suas presenças nas teorias do imaginário


Elaborado por: Hélder Luís

Primeiro os esclarecimentos. O imaginário ao qual me refiro não designa um fenômeno esotérico ou que se coloque acima do mundo. Ele é a contextura do mundo humano. Para diversificar as possibilidades de entendimento, acrescento que falo de um imaginário social próximo daquilo que Foucault define como episteme ocidental. Um contexto social de saberes que permite a articulação de discursos – palavras, pessoas e coisas - que pondo em contigüidade, fusão e intercruzamentos as positividades, as empiricidades, construindo-as. 

Chamo de “Escola Sociológica Francesa” antes de tudo ao empreendimento intelectual posto pela Escola Francesa de Sociologia, a partir de Durkheim, que é a questão das representações sociais ou categorias coletivas do entendimento. Ao mesmo tempo, ao localizar o enfrentamento dessa problemática em diferentes autores, a exemplo de Foucault, particularmente sua obra intitulada “As palavras e as coisas”, Freud de “Totem e Tabu”, Lévi-Straus, Castoriadis de “A instituição imaginária da sociedade”, Bachelard e Gilbert Durand; o termo Escola Sociológica Francesa passa a designar o meu próprio empreendimento intelectual. Neste artigo abordo apenas o resultado parcial de minhas leituras e reflexões sobre o pensamento de Durkheim, Mauss, Lévi-Strauss e Durand, acerca da problemática do pensamento social. 

ÉMILE DURKHEIM 

Durkheim procura compreender a maneira pela qual, nós, os humanos, reunimos “As palavras e as Coisas”. Assim, ele articula a teoria do conhecimento da realidade social, situando-a no campo simbólico, no espaço das representações sobre o dizer e o fazer social, apreendido pelo tipo de relação que mantemos para com o totem e o tabu. Além disso, em sua teoria do conhecimento, o autor estabelece a hipótese sociológica de que as categorias da sensibilidade e do entendimento, ao contrário da afirmação de Kant, não são inatas, e sim, construídas socialmente. 

Desse modo, a Escola Sociológica Francesa lega a antropologia uma ferramenta de trabalho importante para o acesso às “representações sociais”, ao imaginário, que são os pressupostos teóricos e metodológicos para a análise das categorias do entendimento ou representações sociais. Ou seja, as categorias sintéticas, não enquanto a priori, mas, enquanto historicidades, permanências e metamorfoses.

Ao discutir as “categorias do entendimento”, nas “Formas Elementares da Vida Religiosa: o sistema totêmico na Austrália”, livro no qual Durkheim funda a sociologia do conhecimento, o autor discorda do pressuposto de Kant quanto ao fato de tais categorias serem inatas, e quanto ao aspecto de que o tempo e o espaço sejam apenas “formas de sensibilidade” e não categorias do entendimento, consideradas igualmente inatas na filosofia kantiana. Assim, em um mesmo movimento, Durkheim fundamenta essas categorias na hipótese sociológica e alarga a noção de “categorias do entendimento” de modo a designar as “formas da sensibilidade” como categoria do entendimento e, portanto, “representação social” porque construída socialmente. Assim, o autor lança, desde então, um percurso metodológico que, partindo de uma “etnosemântica” (as categorias) chega a uma “etnocognição” (o entendimento), como diríamos hoje.

A análise das “categorias do entendimento”, enquanto categorias verbais permitem a compreensão do modo pelo qual o grupo em questão compreende, e, conseqüentemente, representa o mundo, às maneiras de pensar que estão associadas às práticas sociais. Entre os fenômenos que nos permitem acessar as “representações sociais” das diferentes sociedades, Durkheim destaca os ritos e os símbolos. Em sua análise as condutas sociais não se dirigem para as coisas em si mesmas, mas para seus símbolos. Quanto aos ritos, ele os classifica em três tipos: 
Os negativos (tabus) – dizem respeito às interdições, ao distanciamento; 
Os positivos (totem) – são atos de comunhão (de proximidade e identificação com o totem) – tais como, as refeições rituais. 
A terceira categoria de rito, os ritos de imitação são ritos miméticos ou representativos, que tendem a imitar a coisa que deseja provocar. 

Os ritos teriam por função proporcionar coesão social, suscitar, manter, e renovar o sentimento de participação no grupo, uma vez que a sociedade só é possível através dos ritos e dos símbolos. Dentre as “categorias do entendimento”, Durkheim analisa as de gênero e de causalidade defendendo a tese segundo a qual classificamos os seres do universo em grupos, chamados gêneros, porque temos o exemplo das sociedades humanas. Estas são tipos de agrupamentos lógicos percebidos imediatamente pelos indivíduos. Desse modo, ampliaríamos às coisas da natureza a prática do agrupamento humano, tendo como referência à maneira pela qual concebemos o mundo social. Assim, de acordo com o autor, é a sociedade humana que fornece o modelo para a apreensão do mundo natural.

As classificações - argumenta Durkheim - são sistemas de noções hierarquizadas e só podem ter origem na sociedade. Assim, é porque os homens estão repartidos que eles repartem o mundo. Sendo a hierarquia um fenômeno social, sua origem não poderia advir da observação da natureza ou do mecanismo das associações mentais. Do mesmo modo, nos diz o autor, a noção de igualdade não pode advir da natureza.

Quanto à noção de causalidade, ela também provém da vida coletiva a partir da idéia de força. É a imagem e a experiência social da coletividade de homens que produz a noção de “força” superior à força dos indivíduos considerados isoladamente. A origem da noção de causalidade é a força coletiva criada pela comunhão dos homens entre si, em situação de trabalho ou de festa. As situações de trabalho ou de festa são particularmente importantes como geradoras da “efervescência social”: troca intensa que se estabelece entre os homens reunidos em torno de idéias e crenças em comum. 

São as representações coletivas, o imaginário social, que pode permitir ao homem elevar-se acima de si mesmo, ou seja, para além de sua condição de isolamento, possibilitando-o apreender a “totalidade” construída e representada por seu grupo, sua sociedade. Ao apresentar a hipótese sociológica, Durkheim pretende superar o empirismo que entende que os conceitos resultam diretamente da experiência sensível; e, o apriorismo de Kant, segundo o qual os conceitos ou categorias são dados inatos do espírito humano. Para o autor, a origem dessas categorias é a vida coletiva. As categorias são representações impessoais porque são coletivas, se impõem porque são coletivas. Elas exprimem a maneira pela qual as sociedades se representam às coisas que lhes dizem respeito e que, portanto, são valorizadas, protegidas, reproduzidas, sacralizadas ou racionalizadas.

A ciência, por exemplo, diz ele, tem autoridade sobre nós porque a sociedade assim o quer. Se hoje basta mencioná-la para obtermos crédito, é porque temos fé na ciência. Quanto à verdade, ela é construída socialmente, como todo e qualquer valor. Desse modo, não basta que algo seja verdadeiro para ser aceito como tal, é preciso, nos diz Durkheim, que se harmonize com o conjunto das representações coletivas vigentes, as arraigadas ou as que estão em ascensão, caso contrário, é como se não existisse. Tudo na vida social repousa sobre a “opinião”, diz ele, assim, para que haja conformidade de condutas é necessário haver “conformismo lógico”: uma certa homogeneidade de entendimento, daí o importante trabalho das “categorias do entendimento” na vida social.

Durkheim não opõe, em sua análise, as crenças e a lógica, como era próprio aos intelectuais desde o Iluminismo. Com isso, ele permitiu que se percebesse a lógica própria a cada crença em particular, além de localizar a crença como base das categorias do entendimento de diferentes grupos sociais, independente das suas características tecnológicas. Ao fazer isto, Durkheim rompe com a perspectiva evolucionista e, ao mesmo tempo, coloca os fundamentos do social e do humano como sendo de natureza essencialmente simbólica, e o simbólico como tendo origem social, portanto, cultural e histórica.

A antropologia, herdeira das hipóteses teóricas apresentadas nas “Formas Elementares de Vida Religiosa”, pôde, desde então, dedicar-se a estudar a lógica das crenças, uma vez que Durkheim evidenciou que o conhecimento é construído em função de “razões” sociais. A Escola Sociológica Francesa é racionalista com Durkheim. Mas, o que é a razão para este autor? Para ele a razão é o conjunto das categorias fundamentais de uma determinada sociedade. A categoria de razão estaria incluída no conjunto citado, sendo, ela própria, uma construção coletiva.

Durkheim é racionalista ainda, porque, contra o empirismo, ele acredita que o mundo tem um aspecto lógico, que se expressa pelo poder do intelecto de ir além da experiência imediata. Acredita que os conhecimentos racionais, lógicos, não se reduzem aos dados empíricos, aqueles que a ação direta dos objetos suscita em nossos espíritos. A sensação empírica é um estado individual explicável pelo psiquismo do indivíduo, diz respeito às representações individuais, ou seja, à construção pessoal que o indivíduo elaborou a partir de seu meio social. A ele interessa, particularmente, as representações coletivas: aquelas aceitas, preservadas e reproduzidas pelos grupos que, através delas, se expressam. 

Para Durkheim o homem é duplo: individual e coletivo. Apesar de duplo, Durkheim não postula pela oposição entre indivíduo e sociedade. Compreende que sendo as subjetividades construídas socialmente, é o próprio indivíduo que passa a identificar-se e a desejar o que a sociedade valoriza. Os conhecimentos racionais, lógicos, e as manifestações afetivas são gerais porque são coletivos (p. 45). Por isso, a razão - que não pode ser considerada universal ou abstrata, porque é sempre relativa aos grupos - ultrapassa o alcance dos conhecimentos empíricos e se impõe definindo e orientando representações e guiando as condutas, sendo, portanto, motivadora de ações.

Esse racionalismo durkheimiano será prolongado em Lévi-Strauss, que “herda” essa fundamentação filosófica e essa temática que será desenvolvida por ele, particularmente nas seguintes obras: “O Totemismo Hoje”, “O Pensamento Selvagem” e a “Eficácia Simbólica”. 

Antes, porém, de abordarmos as reflexões de Lévi-Strauss, é importante nos determos ainda um instante na primeira geração da Escola Sociológica Francesa, examinando a contribuição de Marcel Mauss, sobrinho e colaborador de Durkheim, para a discussão dos fundamentos simbólicos das sociedades. 

MARCEL MAUSS 

Dando continuidade ao programa da escola, Mauss escreve dois artigos importantes intitulados: “A noção de pessoa, a noção de eu” e “Técnicas corporais” fazendo, segundo ele, a “história social” dessas noções, evidenciando o longo processo pelo qual ela foi sendo construída coletivamente. Evidencia que a pessoa é fato moral e que todo fato moral é fato de educação, portanto, a própria noção de moral, bem como, as suas diferentes manifestações são adquiridas por aprendizagens. O autor prossegue afirmando que todo ato educativo é técnica corporal, e que as técnicas corporais são “sistemas de montagens simbólicas”.

Conclui indicando que a noção de pessoa, sendo construída socialmente através de toda uma pedagogia técnica e simbólica que institui o sentido do corpo e de sua individualidade para o sujeito, é uma das formas fundamentais do pensamento e da ação dos indivíduos, sendo, portanto, uma representação coletiva, uma categoria do entendimento; e, como toda categoria do entendimento, ela não é inata.

O axioma sociológico elaborado pela escola francesa apóia-se em dois postulados inter-relacionados: o primeiro, afirma que a origem e o caráter do pensamento é coletivo, porque o homem pensa interativamente com os outros homens de sua sociedade. Essa interação pode ser da ordem da homogeneidade (participação) ou da ordem da heterogeneidade (exclusão, demarcação de diferenças, oposições). O segundo postulado, indica que a pesquisa sociológica deve localizar a parte do social na construção do pensamento, porque essa participação não é evidente por si mesma, uma vez que os processos de “naturalização” do social obscurecem a origem coletiva dos mesmos, criando o efeito de tornar natural, sempre posto e imutável, aquilo que é social e, portanto, histórico.

Do mesmo modo que o falante de uma língua materna não se dá conta que a sua linguagem é fruto de seu grupo social, tendendo a considerá-la “natural”, o participante de uma cultura não vê o modo pelo qual a sociedade configura o seu pensamento e sua conduta. Cabe ao sociólogo buscar os significados profundos, inconscientes da cultura. (A Escola Francesa não distingue a Sociologia da Antropologia)

O programa específico da escola, portanto, era demonstrar o caráter social do pensamento através da análise das “categorias do entendimento”, e, evidenciar a dimensão “ideal”, simbólica, imaginária, dos “fatos sociais”. A simetria entre o concreto e o simbólico é a tese básica da escola que afirma: todo fato de consciência, todo pensamento é fato social, logo, todo fato social por mais objetificado, concretizado, instituído que seja, é fato de consciência, é consciência objetificada, sendo, portanto, da ordem do pensamento. O modo de pensar cria, transforma e destrói e, sendo sociais, as categorias são históricas: surgem, transformam-se e desaparecem. 

CLAUDE LÉVI-STRAUSS 

Lévi-Strauss retomará a busca dos fatos profundos, inconscientes que instituem o social, mas não o fará em perspectiva diacrônica, ancorado em uma “história social”, a exemplo do método histórico preconizado por Mauss. Ele retomará a busca desses fatos do ângulo da sincronicidade, através das “categorias do entendimento”, enquanto categorias lógicas, sem remetê-las à investigação da historicidade que as constituíram. Enfatizará o plano das articulações lógicas e das dualidades estruturais: a natureza e a cultura, o sagrado e o profano, o puro e o impuro, o próximo e o distante; remetendo-as, ao nível meta-teórico, à estrutura do “inconsciente”. 

O “inconsciente”, para ele, resulta do funcionamento do cérebro que, desse modo, é visto como um formante, um estruturador que não visa fins práticos ou utilitários, mas, sistema e ordem. Entretanto, em sua proposta metodológica a identificação da lógica não é buscada arbitrariamente em um suposto mundo arquetípico. Bem ao contrário, ela deve ser apreendida através de uma etnografia minuciosa, fenomenológica, que visa dois objetivos:

1. Identificar as “representações conscientes”, pois são via de acesso para as “representações inconscientes” que serão identificadas pela análise estruturalista. 

2. Perceber de que modo esse conjunto elabora sistema, pois não são automaticamente estruturas, são, antes documentos para ajudar a descobri-las.

As “representações conscientes” são expressas por diferentes objetivações do pensamento social: pela linguagem, pelo comportamento, pelas regras, ritos; pelas genealogias, planos de aldeias; usos do corpo, códigos alimentares e matrimoniais, enfim, por inúmeros e variados “documentos etnográficos”. A estrutura, entretanto, não é da ordem do empírico, é da ordem do pensamento, não corresponde diretamente a nenhuma realidade objetiva. A estrutura que a análise estruturalista desvenda é de ordem lógica. Diz respeito aos sistemas de constância dos elementos e ao caráter de relação que se estabelece entre ele e os demais elementos, bem como, aos modos de transformação pelos quais eles se configuram.

A obra de Lévi-Strauss constitui importante instrumento de percepção do imaginário social em sua estruturação lógica, permitindo a visibilidade das constantes estruturais que organizam os universos de sentido. 

GILBERT DURAND 

A teoria desse autor é um complexo diálogo entre a reflexologia, a fenomenologia estruturalista e a fenomenologia hermenêutica, além do Existencialismo, entre outras influências. Tomaremos como ponto de partida a definição de imaginário proposta por Durand, para, a partir dela, ancorar uma indagação que funcione como eixo de nossas reflexões tanto de fundamento quanto de método. O imaginário, segundo Durand (1997), é o conjunto das imagens e das relações entre imagens que constituem o capital pensado do sapiens; assim, ele remete o imaginário para as imagens e para os nossos procedimentos de produção de imagens. Esta definição nos impõe uma indagação: o que é a imagem? Ela é representação, esquema, arquétipo? 

Para Durand, a estrutura é encontrada ao nível do esquema que, por sua vez, é anterior a imagem. A estrutura é originada nos gestos primordiais dosapiens, que, seguindo Piaget, ele chama de esquemas de motricidade ou tendência geral dos gestos enquanto intenção, embora inconsciente, que formata as operações lógicas, ou seja, os tipos de relação que o sapiens estabelece com o mundo, a partir de sua corporeidade. O esquema leva em conta as afeições e as emoções e faz a junção entre os gestos inconscientes e as representações. Algumas das ligações lógicas resultantes dos esquemas de motricidade são: separar, típico da estrutura heróica; unir/fundir, próprios a estrutura mística. 

O arquétipo é a representação dos esquemas. Para a subida, por exemplo, temos os arquétipos - chefe e alto. Para o aconchego, os arquétipos mãe, colo e alimento. Já o símbolo é todo signo concreto, evocando algo ausente ou impossível de ser percebido. O mito é um sistema dinâmico de símbolos, arquétipos e esquemas que tende a se compor em relato – história, por isso ele já é um início de racionalização. O mito vai transformar em linguagem, em relato, as escolhas culturais, e, o relato, organiza o mundo, estabelece o modo das relações sociais, e seus personagens vão servir de modelo para a ação cotidiana dos indivíduos. 

Em Durkheim e Mauss, a teoria social se afasta da Biologia e compreende o pensamento enquanto construção coletiva. Com Lévi-Strauss e Durand, sem ignorar o social, voltamos ao biológico. O primeiro retém do biológico apenas o cérebro, entendido como um formante de estruturas binárias, complementares e opostas, que funcionam como estruturador lógico para as elaborações culturais. Durand considera que toda a corporeidade, bem como, a sociabilidade, participam na estruturação do pensamento.

Durkheim e Mauss compreendem a realidade humana como construção virtual, dispositivo, “sistemas de montagens simbólicas” na bela e competente expressão de Mauss. Essa noção pode ser aproximada do “dispositivo maquínico” e do “agenciamento coletivo” de Guattari, para acentuar a atualidade das formulações da primeira geração da École, que escreveu no início do século.

Lévi-Strauss e Durand vão articular o social ao substrato biológico, evidenciando outro aspecto do debate que é o diálogo interdisciplinar. É bem verdade que a Antropologia é interdisciplinar desde a fundação da “Escola”, Mauss, inclusive, estabelece a noção de “fato social total” para demarcar a necessidade de o antropólogo considerar todos os aspectos do fenômeno que estuda: econômico, político, biológico, psicológico, religioso, estético. A diferença está na escolha quanto às disciplinas consideradas no diálogo que os autores desenvolvem.

Lévi-Strauss, por exemplo, não aprofunda o diálogo com a Biologia, sua hipótese encontra argumentos na lingüística de Saussure e na Cibernética; a Biologia participa como meta-teoria, pois ele acredita que em função da universalidade da lógica binária, inclusive no pensamento selvagem, aquele ainda não informado pela herança Ocidental, deve haver homologia entre a natureza – o mundo orgânico (sabemos que ele é químico, elétrico, magnético e computacional) e o modo de funcionamento do cérebro; do contrário, como seria possível o isomorfismo das produções do “espírito” humano, entre nós e os “primitivos” e, entre essas duas metades da humanidade e a materialidade do mundo?

Durand dialoga com a Reflexologia, com a Epistemologia Genética de Piaget, com o Estruturalismo de Lévi-Strauss, com a Psicanálise (Freud), com a Cosmovisão de Bachelard e, com a etnografia; construindo um empreendimento complexo, ao qual pretendemos dedicar estudos mais completos.

Se, no início do século, Durkheim ao contribuir decisivamente para o estabelecimento da Sociologia, o faz “heroicamente”, pelo corte, separando-a da Psicologia Introspectiva e da Filosofia Social, no programa mesmo da Escola, a noção de “fato social total” preconiza a abordagem interdisciplinar para a elucidação do “fato social”. Mesmo porque, a interrelação entre o “soma” e a “psiquê”, foi objeto de análise de Mauss, em seu artigo sobre o “Efeito físico no indivíduo da idéia de morte sugerida pela coletividade” para compreender os casos em que o indivíduo se deixa morrer porque acredita que, de acordo com o padrão do grupo, ele, por transgressão ou ataque psíquico de inimigos, não pode continuar vivo.

É também Marcel Mauss – fortemente ligado à História Social (ao contrário de seu tio Durkheim que inaugura o funcionalismo-estrutural na França) – e, também interessado nos aspectos afetivos da sociabilidade, quem retomará o diálogo com a Psicologia, através de um outro artigo que trata das “Relações reais e práticas entre a Sociologia e a Psicologia”, projeto que será retomado por Roger Bastide em “Sociologia e Psicanálise”. Ou seja, há um intenso e intrincado debate interdisciplinar em torno da constituição mesma do pensamento humano, entendido enquanto imaginário social, e da relação entre grupo e indivíduo. Esse debate perpassa a produção da Escola e encontra eco na produção de vários intelectuais franceses contemporâneos. 

REFERENCIAS BIBLIOGRAFIAS

CEMIN, Arneide Bandeira. Entre o cristal e a fumaça: afinal o que é o imaginário? in Presença. Porto Velho, Universidade Federal de Rondônia, Ano VI, No. 14, 1998.

DURAND, Gilbert. A imaginação simbólica. São Paulo, Cultrix, 1988.

________. As estruturas antropológicas do imaginário, São Paulo, Martins Fontes, 1997.

________. O imaginário: ensaios acerca das ciências e da filosofia da imagem. Rio de Janeiro, Difel, 1998.

DURKHEIM, Émile. Sociologia e filosofia. São Paulo, Ícone, 1994.

________. As formas elementares da vida religiosa. São Paulo, Paulinas, 1989.

FOUCAULT, Michel. As palavras e as coisas. São Paulo, Martins Fontes, 1995.

LÉVI-STRAUSS, Claude. Mito e significado. Lisboa, Edições 70, 1985.

________. Antropologia estrutural. Rio de janeiro, Tempo Brasileiro, 1975. (Vol. I e II).

________. Totemismo hoje. São Paulo, Abril Cultural, 1985.

________. O pensamento selvagem. Campinas, Papirus, 1989.

MAUSS, Marcel. Sociologia e antropologia. São Paulo, EPU/EDUSP, 1974. (vol. I e II). 

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