KUPER, Adam. 2002. Cultura, a visão dos antropólogos. Bauru, SP: EDUSC.
Roberta Bivar C. Campos
PPGA /UFPE
A EDUSC mais uma vez oferece aos leitores de língua portuguesa uma publicação relativamente recente no cenário internacional: Culture: the anthropologist's account. Em português, o mais recente livro de Adam Kuper publicado no Brasil tem como título Cultura, a visão dos antropólogos. Adam Kuper é nosso conhecido não tanto por seus trabalhos etnográficos baseados em pesquisa de campo na África e na Jamaica, mas por conta de seus trabalhos sobre a antropologia britânica, mais especificamente, pelo seu livro Antropólogos e antropologia (originalmente publicado em 1973). Tal qual este último, Cultura, a visão dos antropólogos é uma história crítica da produção antropológica, e não dispensa ironias. Em verdade, trata-se de um desdobramento do último capítulo do primeiro livro onde já estão colocadas suas idéias sobre o desenvolvimento recente da antropologia a partir de 1970, quando os antropólogos, em face do processo de descolonização, se viram forçados a repensar a natureza de seu objeto de estudo. Se o primeiro livro é obra de sua juventude e tem por objeto de análise a antropologia britânica, em especial os antropólogos de orientação estrutural e cultural-funcionalista, o segundo, obra da maturidade do autor, trata da antropologia americana, em especial de David Schneider, Clifford Geertz e Marshall Sahlins, herdeiros intelectuais, segundo Kuper, de Talcott Parsons.
O livro está organizado em torno do desenvolvimento e usos da idéia de cultura, particularmente na antropologia norte-americana. A primeira parte contém dois bons capítulos dedicados à genealogia do conceito de cultura. No primeiro, passamos pelos intelectuais franceses, alemães e ingleses, como é de praxe em toda genealogia do conceito. O segundo, mais original, fornece-nos o desdobramento mais recente do conceito via a tradição parsoniana que influenciou vários antropólogos. A segunda parte, dedicada ao que Kuper chama de experimentos, elege Clifford Geertz, David Schneider e Marshall Sahlins como os herdeiros de Talcott Parsons, e a cada um desses teóricos dedica um capítulo (capítulos 3, 4 e 5) onde descreve suas carreiras, idéias e contribuições no contexto intelectual e institucional em que trabalharam. Essa parte oferece ao leitor um certo desconforto. Ao contrário dos capítulos dedicados a Geertz e Sahlins, em que Kuper nos oferece uma análise crítica séria e por vezes até minuciosa da trajetória intelectual desses teóricos, aquele consagrado a David Schneider parece ter sido escrito às pressas, para dizer o mínimo. Seu conteúdo é desrespeitoso à pessoa de David Schneider. Kuper decepciona e infelizmente não nos oferece uma análise crítica das idéias de Schneider, mas uma biografia com comentários psicanalíticos de profundidade questionável, fazendo sugestões sobre a personalidade de Schneider que não vejo como possam contribuir para a compreensão do impacto de suas idéias nos estudos sobre parentesco, que Kuper faz questão de omitir.
A introdução e os capítulos 6 e 7 estão organicamente ligados e situam Cultura, a visão dos antropólogos em um debate maior sobre os limites e impasses que a teoria antropológica enfrenta na atualidade, e que tem como foco a crítica ao conceito de "cultura". Tal crítica tem como alvo as vertentes teóricas que privilegiam a função cognitiva, mental e representacional da cultura. Kuper, em particular, parece mais preocupado com a banalização e vulgarização do conceito, e culpa em grande medida os estudos culturais e o multiculturalismo por tal efeito perverso. A cultura por estar em toda parte teria perdido seu potencial analítico e explicativo. Ao mesmo tempo, o próprio potencial liberal que se pensa existir no conceito de cultura, em especial se comparado ao conceito de raça, não é mais garantido, podendo o conceito, inclusive, servir para oprimir e subjugar. A cultura tal qual a raça, por mecanismos distintos, fixa a diferença. Kuper, na verdade, é fiel à tradição britânica, privilegiando as relações sociais, o jogo de interesses econômicos e políticos. O forte sociologismo de Adam Kuper o faz "jogar fora a criança (cultura) junto com a água do banho". Ao final da leitura não temos uma simples genealogia do conceito, com suas aventuras acadêmicas e transformações, mas um ataque consciente ao movimento pós-moderno em favor de uma antropologia sociológica, comparativa.
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