sexta-feira, 17 de novembro de 2017

Geração Cabeça-Baixa e a Realidade Interseccional


A relação com a tecnologia na vida contemporânea, diferentemente das gerações passadas, quando podia-se optar por assistir ou não a TV, não nos deixa a escolha de ‘não integrar-se `a vida digital’ (desde o sistema bancário de emite holerits, até a escolha do medico no seu plano de saúde, é agora feito exclusivamente pela internet, o que significa que quem não está na rede se encontra excluído de dimensões sociais essenciais na vida de qualquer um), as formas de relacionar-se com esta tecnologia e com as pessoas, que são em última instancia, a rede, são inúmeras, tal qual as relações na vida real.

Mas uma delas é comum a praticamente todos os jovens, que mesmo quando resistem a ela, estão vivendo-a, pois se posicionam em relação `a mesma – A Vivência da Realidade Interseccional. Num bar, numa reunião de negócios, nas aulas da faculdade, ou mesmo na intimidade do casal, o smartphone parece uma extensão do corpo do usuário ao qual ele precisa recorrer em intervalos controlados de tempo. A sensação de ‘perda’ do momento presente quando a pessoa não se conecta `a rede para ‘saber o que está acontecendo’, seja checando emails, entrando no Facebook para ver quem comentou seu post ou quem está online, no Twitter para saber quem está onde fazendo o que, no Instagram para ver quem está no lugar mais legal, com quem, fotografando o que, entre muitas outras possibilidades que diferem de acordo com o interesse e valores do usuário, é a sensação de exclusão, seqüestro da realidade e falta de controle sobre ela.

Um jovem pode passar a semana planejando ir a uma festa descolada onde vai encontrar sua paquera e curtir com seus amigos, mas tão logo ele chega na festa, você o encontra, em diversos momentos – e entre alguns jovens, na maior parte dos momentos – de cabeça baixa, olhando para um artefato tecnológico na palma de sua mão que o poupa da sensação de falta de controle e vivência totalizadora, real, do momento presente. Ele está no lugar que queria, com as pessoas que queria, curtindo a realidade palpável que queria, mas, a noção de vivência da REALIDADE, de experienciar momento presente , apenas se torna fato para ele, quando o real offline e o ‘real online’ estão ao seu alcance, constituindo o conceito que denomino REALIDADE INTERSECCIONAL’, uma pára-realidade, constituída a partir das necessidades e percepções geradas pela era da internet, que constitui o ‘real de fato’ para as gerações atuais e influenciam gerações anteriores.

A REALIDADE INTERSECCIONAL é como uma nova forma de estar e vivenciar o mundo, a vida, as pessoas. Ela não é uma escolha, ela é um sistema que se engendra por um processo. Ela se torna parte da vida das pessoas sem que elas percebam. Ela é criticada pela maior parte das pessoas, mas as mesmas não a abandonam, no máximo, tentam controlar seus impulsos de buscar a totalidade da vivência interseccional acessando a internet para amenizar a sensação de obsolescência – algo está acontecendo ‘na rede’ e eu nnao estou sabendo, logo, eu não sou parte disso, eu me sinto excluído, eu preciso me integrar para que a sensação de falta de controle acabe.

Jean Baudrillard[2] falava da TV como uma atividade de conluio entre os telespectadores que, ao assistir ao jornal no horário nobre, se sentiam parte de um todo e vivendo um processo de integração e experiência do social. A internet, em especial as redes são este conluio exponencial que se torna vivência essencial na sociedade contemporânea. Consumimos a rede como consumimos a cultura, a arte, a musica, o ar, a comida, entendendo o consumo como um processo de fruição por meio do qual nos relacionamos com as pessoas, nos identificamos, nos diferenciamos e nos integramos por meio de nossas escolhas de bens tangíveis e intangíveis.

Mas sobretudo, na rede, consumimos aquilo que nos é mais precioso: a nós mesmos e `a pessoas. Nos tornamos o mais notável produto exposto em perfis a ser percebido, analisado, escolhido ou não e assim também nos relacionamos com outrem. Note-se que, como uma cientista do consumo, não concebo o tema consumo como um acordo frio e mecanicista que trona pessoas coisas sem humanidade, mas um processo onde coisas são instrumentos de relações humanas entre pessoas e representam o mais humano e relacional, constituído a partir de emoções, imaginário valores permeiam estas relações. Consumimos na redes avatares que se constituem como totens dos valores mais profundos que constituem a visão de mundo, a perspectiva sobre a realidade e orientam o comportamento na vida social. A rede são as pessoas `as quais nos conectamos num sistema de trocas simbólicas, tal qual entre os povos primitivos, num sistema de signos, significados, mitos, ritos e comportamentos que representam ordens sociais, cultura e engendram formas de ser e agir no real offline.

Theodor Adorno escreveu que “A Industria cultural é a integração deliberada, a partir do alto, de seus consumidores”[3]. A indústria digital é a nova industria cultural, é o meio como mensagem de MacLuhan, que integra pela mensagem que não necessita de palavras, do engajamento pelo código cultural manifesto – não é mais ‘o que se diz’, mas os diferentes grupos culturais, integrados na web, se definem e diferenciam por ‘como se diz’.

Fonte: ANTROPOLAB

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