quarta-feira, 2 de agosto de 2017

Um Jogo Absorvente: Notas sobre a Briga de Galo Balinesa



Elaborado por: Hélder Luís


Um Jogo Absorvente: Notas sobre a Briga de Galo Balinesa


Referência bibliográfica



Geertz, Clifford. Um Jogo Absorvente: Notas sobre a Briga de Galo Balinesa. In: A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC, 2008.


Breve Resumo



Através do contacto com o povo balinês, Clifford Geertz percebeu a importância que os nativos davam ao evento da briga de galos e, ainda nesse aspecto, compreendeu a visão de mundo deles contextualizando com a cultura e um conjunto de significados simbólicos que norteiam a vida cotidiana em Bali.

Geertz conceitua cultura como sistemas integrados de símbolos públicos que os indivíduos possuem e manipulam e que se encontram dentro de cada ser, isto é, no interior de cada um. Os sistemas de símbolos que habitam nas pessoas apresentam um sistema de lógica cultural no interior da própria cultura de determinado povo. Assim, a briga de galos possui uma lógica para o próprio povo de Bali que encara este evento como algo de grande importância.

Transcrições de citações mais importantes


Logo no começo do capítulo, o Geertz (2008) destaca a indiferença, a não percepção (e seus correlatos) e a dificuldade que ele e sua mulher encontraram para estabelecer um contacto com os nativos, sensação esta compartilhada por muitos pesquisadores. 

A briga de galos é uma “actividade pública” de relevância, desempenhada exclusivamente por homens. Na interpretação do autor, a briga pode ser caricaturada como uma guerra “de seus simbólicos” (p. 207), tendo em vista que ali se confrontam os homens, e não os galos. Os galos têm um valor tão significativo para os homens da aldeia, que as suas regras são transmitidas de geração em geração, fazendo com que a “tradição legal e cultural das aldeias” (p. 192) seja mantida. Fora dos campos de briga, por exemplo, os homens e proprietários cedem grande parte do tempo para o cuidado primoroso de seus galos, envolvendo dietas e banhos especiais, treinos e até massagens.

A maneira de categorizarem os galos se expande para o modo como os homens categorizam e classificam uns aos outros. A relação cotidiana e o contacto entre os homens são relacionados, metaforicamente, com características negativas ou positivas atribuídas aos galos como “ostentoso”, “desesperado” ou “avarento”-, numa comparação que tem por finalidade elogiar ou insultar alguém, como afirma Geertz (2008): “a linguagem do moralismo cotidiano pelo menos é contaminada, no lado masculino, de imagens de galos, Sabung” (p. 189).

A proximidade, poder-se-ia dizer que no jogo absorvente há uma espécie de solidariedade. As apostas nunca são feitas contra os homens que, de que algum modo, encontram-se mais próximos. Geertz (2008) descreve como “subfacções” as diferentes configurações de proximidade, de modo crescente. A subfacção mais próxima é de cunho familiar, significando que não se aposta “contra um galo de propriedade de seu próprio grupo de parentesco” (p. 202), ampliando-se essa lógica para o “grupo de parentesco aliado” e o “galo da aldeia” (p. 202). A aposta se revela, inclusive, como uma ferramenta que sinaliza a reaproximação, com alguém antes considerado “inimigo”, quando numa briga é declarado apoio ao galo do outro.

O alto investimento financeiro também tem o seu peso simbólico, pois o valor apostado representa o risco de outros elementos como “orgulho, pose, uma falta de paixão, masculinidade” (p. 199). Por fim, em torno da briga de galo há toda uma organização, composta pelo árbitro (que possui autoridade absoluta), pela multidão que aprecia a rinha e é composta por homens que seguem as regras mais formais de apostas e aqueles que gerem as apostas periféricas; tudo conduzido com muito respeito e aceitação, independente do resultado do jogo.

Geertz (2008) nos ensina, pois, um meio de lidar com essa dificuldade, no momento em que ele não força esse contacto e aproximação com a comunidade, mas, mostra-se aberto e disponível, possibilitando que o outro tomasse essa iniciativa, como aconteceu após a confusão da briga de galo. Talvez seja importante no processo de imersão em um novo campo, a princípio, sentir o lugar, o espaço e buscar compreender as suas configurações e movimentos, pois, considerando que a nossa presença interfere, de algum modo, no contexto, é bem possível que dessa afectação, experiências e invenções sejam co-construídas.

Geertz (2008) descreve o processo de “aceitação” e “abertura” da comunidade (p. 187). A fala do autor sobre a defesa de seu hospedeiro frente ao policial, fez-me pensar numa ambivalência descrição detalhada X anonimato que muitas vezes experiencio durante a análise dos dados. Essa é, na verdade, uma preocupação que atravessa todo o meu processo de escrita da dissertação, pois manter o sigilo dos entrevistados (debate que perpassa pela questão da ética em pesquisa) é algo prioritário e que foi garantido aos interlocutores.


Comentário pessoal


A briga de galos é uma estrutura simbólica colectiva, organizada, que “fala” sobre a organização social dos balineses, onde os sentimentos estão presentes através de emoções, da excitação do risco, da perda, do desespero da derrota, do regozijo com a vitória. O autor considera que o que se aprende na briga de galos em Bali é o ethos da cultura balinesa e da sensibilidade provocada pela fascinante briga.

O galo simboliza não apenas o seu dono, mas também a família. Na base da estrutura de parentesco e casamento pode significar o nível de inclusão das famílias. Além disso, o galo representa também a alteridade, as relações sociais baseadas nas diferenças e num sistema de status social hierárquico herdado. Outro aspecto é que no embate entre um galo de fora e um de dentro da aldeia, então, o galo de fora representa a todos na aldeia e não apenas a família que cuida dele.

As mulheres na briga de galos, estas somente participam das actividades periféricas das brigas mais festivas; não participam das brigas em si, mostrando assim, que ocorre uma separação de género. Entretanto, no cotidiano há uma igualdade entre homens e mulheres, que lidam entre pares, onde os balineses se tratam com cortesia. Outra questão é que no momento da briga de galos é que se destacam os aspectos mais agressivos da masculinidade, onde os homens “colocam pra fora” tudo o que sentem, mostrando o quanto se envolve emocionalmente com a briga de galos.


A partir do decorrer de suas observações, Geertz percebeu que os homens eram verdadeiros entusiastas, apaixonados por este animal. Da estreita relação entre homem e animal é que decorria todo um cuidado com a alimentação, a higiene, a saúde e a força física do galo, onde o animal conferia admiração ao dono. Cuidar bem do animal se constituía uma prática levada a sério e vê-lo bonito e forte era algo que dava prazer ao dono. Existia toda uma preparação, desde a alimentação ideal até a preparação da plumagem, das esporas, das massagens nas pernas, para deixar o galo pronto para a briga.

O autor coloca que os balineses possuem uma repulsa contra qualquer comportamento tido como animal e que a visão cosmológica confere aos demónios a retractação animalesca; existe uma ambivalência em relação à figura animal, que, por um lado é encarado pelo ódio, medo, mas também, fascínio; para os balineses, o galo tem relação directa com os poderes das trevas. Outro aspecto fundamental é que para o povo de Bali, o acontecimento de um desastre natural deveria ser feito um sacrifício de sangue. O autor coloca que um homem nunca aposta contra um galo de seu grupo de parentesco, mesmo que ele não seja o favorito. Caso não haja um galo de seu grupo na briga, aposta a favor do galo do grupo de parentesco aliado contra um não-aliado; da mesma forma, quando um galo da aldeia luta com um galo de fora, ele deve apoiar o galo local. Geertz considera que todos os embates são sociologicamente importantes.

Do trabalho de Geertz podemos considerar importante que seu estudo segue uma linha weberiana, na medida em que parte de aspectos mais subjectivos da vida das pessoas pesquisadas, bem como dos símbolos presentes na cultura. Através de sua Antropologia Interpretativa buscou interpretar a sociedade (ou cultura) de Bali.

Em suma, o que ficou expresso claramente é que o galo é a representação de um símbolo público e a briga um ritual simbólico.

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