domingo, 13 de agosto de 2017

Heloísa Buarque de Almeida - Observações sobre “Consumidoras e Heroínas”


O texto se trata de uma discussão sobre a feminilização do consumo e a construção de certa imagem feminina hegemônica nas novelas e nos anúncios presentes nos comercias de televisão. Dessa forma, a tecnologia do gênero” e o “espírito do consumismo” são ideias centrais do artigo.

A autora propõe analisar a correlação entre as telenovelas, consumo e gênero, buscando compreender como a mídia está articulada à promoção de bens e da cultura do consumo e como o gênero é um eixo importante em tal articulação.

Por meio da etnografia realizada no ano de 1997 com a recepção da novela O Rei do Gado, a autora tenta compreender como as pessoas interagem em seu cotidiano com a novela e como interpretavam os personagens e a narrativa. Nessa tentativa, a autora parte da hipótese que há variações no modo de interpretar as novelas, de acordo com as condições sócio-econômicas. Ao realizar tal estudo, Heloísa Buarque Almeida encontra também um campo de análise sobre as formas de poder presentes na TV comercial, relacionado ao seu papel econômico, cultural e comercial para promover o consumo.

O consumo, por sua vez, é cada vez mais associado a um habito domiciliar e o domiciliar associado ao universo feminino. Mesmo produtos até então comprados por homens, como carros e serviços bancários.

A novela como vitrine, a propaganda como pano de fundo e a mulher como potencial consumidora são os elementos que solidificam a relação entre a mídia, mais precisamente novelas e comerciais, com a homogeneização da feminilidade enquanto gênero.

Existe uma “negociação de sentidos nos textos da indústria cultural”, como define Gledhill. Como a programação é veiculada por todo o país, as telenovelas ao mesmo tempo que apresentam a figura feminina bem resolvida no amor e no sexo, e independente financeiramente como símbolo da modernidade, a telenovela também incorpora alguns valores morais, para atender também o perfil do consumidor de regiões mais tradicionais em seus costumes. É preciso ainda, que a novela possua personagens com personalidades, faixa etária, sexo e comportamento distinto para que se aproxime do maior número de telespectadores. O próprio texto da novela, mesmo que não tenha merchadising , mostra uma série de produtos, como usá-los ecomo as pessoas se diferenciam e se distinguem numa sociedade de consumo através desses bens”. (Almeida; 2007). Ou seja, as telenovelas atuam de forma estratégica para atrair um universo variado de telespectadores, associando comportamentos à produtos e estilos de vida.

A novela como vitrine possibilita também os merchandising, que são formas caras, porém eficientes de inserir no cotidano dos personagens produtos específicos, e por fim, no cotidiano dos telespectadores.
Anunciantes e produtores são cientes do poder da mídia para influenciar e até construir um padrão de comportamento, portanto é na mídia que os anunciantes destinam a maior parte dos seus investimentos de publicidade.
O meio publicitário considera que a televisão é a maior mídia do país, capaz de vender uma imensa gama de produtos. Os publicitários e produtores associam a urbanização e desenvolvimento do país à sua relação com o consumo, portanto seriam eles os responsáveis pela educação dos hábitos destes hábitos da população. Dessa forma o telespectador é transformado em consumidor.

A segmentação da audiência é um fator relevante para uma emissora como a Rede Globo que consegue atingir amplos setores da sociedade em diferentes regiões do país, com focos nos centros urbanos.
A relação simbólica de Pierri Bourdieu é um fenômeno importante na análise da autora, pois é través dos símbolos que a televisão se apropria de imagens e tipos específicos, podendo dessa forma ser reinterpretado no imaginário coletivo e ser introduzido no cotidiano das famílias, neste caso, mais especificamente das mulheres. A equipe de técnicos produtores da televisão é responsável por este “filtro” e seleção de elementos que serão inseridos no cenário televisivo, reforçando determinados tipos em construção.

Os produtores impulsionados para atender os índices de audiência e a todas as camadas de público, tendem a privilegiam o que consideram ser “consensual” para camadas médias e populares, que compõe a maior faixa de audiência.

A mídia extrai tipos específicos existentes na sociedade e reintrojeta elevando-a ao todo e a repetição das imagens através de seus símbolos são recriados pela sociedade que reinterpretam os símbolos e o reafirmam como real, quando introjetados em seu cotidiano. Em uma lógica circular, a relação mídia e sociedade é reinventada e gênero atravessa e articula todas as esferas. A tipificação dom sujeito vai além do consumo, quando promove conflitos afetivos, sendo possível que uma dona de casa se identifique com o rei do gado pela relação conflituosa que ambos possuem com os filhos. A identificação do “eu” aproxima o expectador dos personagens e muitas vezes até refletem algumas questões pessoais, e quando estas relações entram em choque com os seus valores hegemônicos atribuem um olhar reflexivo e parcialmente crítico sobre o que está sendo veiculado.

Ao apresentar a figura feminina através de tipificações de comportamentos tidos por “ideais”, as telenovelas funcionam como uma tecnologia de gênero, pois “constrói concepções de masculino e feminino que se tornam, ao longo dos anos de convivência com essas histórias, construções hegemônicas”. (Almeida 2007).

A imagem da super-mulher-ideal é materializada na figura feminina criada para corresponder os diversos tipos morais e comportamentais idealizados pelas diferentes esferas da sociedade.

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