domingo, 10 de dezembro de 2017

Breve Introdução à História da Antropologia


História da Antropologia

A Antropologia é uma ciência que se encarrega do estudo da diversidade cultural encontrada entre os seres humanos e estuda a relação entre indivíduos, e a relação de indivíduos com os seus meios envolventes, tendo como foco o conceito de cultura.

A antropologia foi reconhecida recentemente (em termos históricos) como uma ciência autônoma. Todavia, antes disso, era identificada como um ramo da história natural e narrava a evolução do homem de acordo com o conceito civilizacional.

Além disso, podemos dizer que este saber foi um instrumento de dominação (principalmente europeia, à época), uma vez que legitimava a dominação das metrópoles colonialistas sobre os povos conquistados.

Esse fenômeno, chamamos de "Etnocentrismo Eurocêntrico", pois tinha a civilização europeia como medida para todos os aspectos civilizados. Destarte, foi assim que surgiu a classificação “primitivo, bárbaro e civilizado” para determinar os estágios evolutivos das civilizações.

Em termos historiográficos, podemos supor o nascimento da antropologia propriamente dita com o advento das “Regras do Método Sociológico", em 1895, de Émile Durkheim, o qual define o “Fato Social” e os métodos para sua apreensão.

Ora, é curioso notar que foi com o surgimento da sociologia, que tivemos definido o campo antropológico, pois, ao definir o campo de atuação sociológico, Durkheim delineia também, por exclusão metodológica, o que seriam os objetos de pesquisa da antropologia, ou seja, enquanto na sociologia se estudaria o “Fato Social” como um atributo da grande coletividade, outros métodos teriam de surgir para estudar o homem numa posição mais subjetiva e menos coletiva.

Foi assim que Marcel Mauss, sobrinho de Durkheim, buscou nas representações primitivas, "Algumas formas primitivas de classificação", obra publicada em 1901 em conjunto com seu tio; todavia, será em 1903, com a obra “Esboço de uma teoria geral da magia”, que teremos, quiçá pela primeira vez, o fazer etnológico e o surgimento do conceito de “Fato Social Total” com viés mais cultural.

Outro marco antropológico que vale citar, são as ações de Bronislaw Malinowski (1884-1942) nas Ilhas Tobriand, pois, ao valorizar o trabalho de campo e a descrição minuciosa, ele rompe o ciclo de trabalhos de gabinete, pratica então usual na antropologia, e torna-se um marco para os trabalhos etnográficos, fundando o Funcionalismo. Igualmente, nos Estados Unidos, Franz Boas irá enfatizar ainda mais a importância do trabalho de campo e a formação histórica de cada povo, bem como as possibilidades de difusão de traços culturais pelo Mundo.

Em 1940, teremos uma nova guinada, quando Claude Lévi-Strauss cria a Antropologia Estrutural, onde afirma haver regras estruturantes das culturas na mente humana; alguns anos depois, outro antropólogo, Clifford Geertz, irá fundar, por meio de textos escritos essencialmente sob a forma de ensaio, uma das vertentes da antropologia contemporânea, a Antropologia Hermenêutica ou Interpretativa, onde o importante é determinar o que as pessoas de uma determinada cultura pensam sobre o que fazem.

FONTE: Toda Materia

Antropologia Urbana: De Gilberto Velho & Roberto DaMatta a Don Kulick

AÚDIO DIGITADO DA AULA DO DIA O2 DE SETEMBRO DE 2010

Autor: Italo Paulo Guedes

A premissa básica da Antropologia é a objetividade. Ser neutro, científico. Isso é mais difícil quando se estudo a própria sociedade e cultura. Gilberto Velho coloca justamente isso: como ser objetivo quando se está no ambiente familiar? Achamos que conhecemos muito bem o nosso próprio mundo. Temos que, no estudo antropológico, conseguir alguma distância. A distância é natural quando você vai para um lugar desconhecido e tudo é estranho. Se já se estranha, antes de chegar, já há alguma distância. É mais fácil estudar alguém que é diferente.

Nós temos que criar artificialmente uma distância para estudar a sociedade. Gilberto Velho (1987), questiona o texto do antropólogo carioca Roberto DaMatta O ofício de Etnólogo, ou como ter ‘Anthropological Blues’ (1978), perguntando o que vem a ser realmente distância, essa diferença entre o que é familiar e o que é exótico. Ele dá um exemplo, dizendo que foi num congresso e encontrou pessoas de várias nacionalidades e encontrou muitos pontos em comum. Às vezes você encontra pessoas de culturas diferentes, Japão, Brasil, Inglaterra, mas são capazes de comunicar bem, e passar a noite juntas, curtindo as mesmas coisas.

Esse tipo de leitura crítica é normal na Antropologia.

Então, o que significa “distância”? Será essa diferença entre o familiar e o exótico? Isso é suficiente para determinar o que é distância? Que tipo de distância é? É geográfica? Ecológica? Social? Se é necessário uma distância social, uma pessoa da classe média alta tem que estudar uma pessoa da classe popular. Mas na verdade, se você pensa nessa tensão, nesse constante jogo entre ser objetivo e ser subjetivo, essa distância é um jogo entre identidade e diferença. Ter uma afinidade ou ter uma distância não obedece a critérios nem sociais, nem geográficos. Nesse processo, a comunicação é vital. Quando você quer resolver o problema de buscar objetividade, você deve pensar as formas de comunicação. Como você se relaciona com as pessoas que você está estudando.

A questão da separação entre o familiar e o exótico é artificial, segundo Gilberto Velho. Algo que tem que ser mantido de uma forma artificial para conseguir objetividade, mas ao mesmo tempo se você consegue se comunicar, você tem uma aproximação. Não é uma ida simples do familiar para o exótico e um regresso simples do exótico para o familiar original, no momento que você familiarizou com o exótico. É bem mais dinâmico do que isso. No processo de estranhamento, você vê coisas que são naturalizadas para os nativos. Esse processo é basicamente, via intelectual, via as idéias que guiam a sua investigação e emergem desta.

Assim, Gilberto Velho já dá algumas idéias que vão além do texto de Roberto DaMatta, que traz toda essa questão do exótico e do familiar. Quando ele olha as pessoas do apartamento dele ele pode categorizá-las. Ele conhece suas categorias sociais. Ele não sabe, no entanto, o ponto de vista das pessoas, como eles entendem a vida deles, o mundo ao redor deles, que poderiam até atribuir moralidades pra eles, aspectos morais. Além da expressão “ponto de vista”, um dos objetivos da observação participante, outra também muito usada é “ethos”, a forma em que um determinado povo aborda o mundo. Não é um estereótipo. Você vai conhecer o ethos de um povo através da pesquisa, que é desconhecido antes da pesquisa. Se pode presupor que um povo, mas também um grupo social, tenha um ‘ethos’, por exemplo, o ethos dos porteiros, dos pedreiros, etc. Gilberto Velho diz que uma cidade tem muitas descontinuidades e diferenças, o que leva à possibilidade de estranhamento, de choque cultural, de não reconhecer o outro como você. Ou seja, um afastamento ao invés de uma aproximação.

A aula tratou em seguida de um texto sobre os travestis, que aborda o ethos dos travestis (Kulick 2008) . Como você pode tornar familiar a cultura das travestis? A professora falou, ‘Repare que cultura é uma expressão de algo que é criado historicamente, num momento específico. Então se existiam travestis como a gente conhece hoje, cem anos atrás, tinham uma cultura diferente. Essa cultura que inclui silicone para mudar o corpo foi algo que surgiu recentemente.

O quê que o antropólogo faz? Don Kulick descreve como nesse texto. Ele ficou oito meses no local, um casarão no Pelourinho. Tem muita discussão porque dizem que ele teria vantagem para estudar as travestis por não ser brasileiro. Na realidade, ele aprendeu tudo que ele sabe sobre o Brasil praticamente através dos travestis. Elas que foram as que mais ensinaram ele sobre o Brasil. Ele aprendeu o Brasil na perspectiva delas. Outro ponto que ele aborda é como eles percebem os transexuais. Isso é fruto da observação em um nível mais profundo do que essa descrição que ele faz. Esse é um ponto que ele vai tratar começando com a discussão sobre o quê que tinha sido produzido sobre as travestis na literatura antropológica.

Kulick, além de antropólogo, é também linguista. Lendo o seu livro, vocês vão perceber que ele transcreve longos trechos de entrevista. Ele foi formada em uma linha da antropologia norte-americana, que é a Antropologia Lingüística. Além disso, ele leu constantemente, quando estava aqui, artigos de revistas, reportagens, comentários mais gerais sobre os travestis veiculados pelo meios de comunicação no Brasil. Para Kulick alguns estudos brasileiros ainda não tinham se afastado de certos preconceitos em relação às travestis: Preconceitos não no sentido pejorativo, mas conceitos que já existiam sobre os travestis quando escreveram. Ele atribui isso também ao fato de os pesquisadores não conviverem com os travestis durante a pesquisa de campo. Para muitos estudiosos as travestis são a ambiguidade em pessoa. Não sabem se são homens ou mulheres. Tem problemas psicológicos. Ele mostra como isso também está espalhado na imprensa. Kulick diz que, ao contrário, as travestis cristalizam a percepção a cultura brasileira sobre sexo e gênero. Definem com nitidez o quê que é esse jeito brasileiro, essa cultura brasileira. Então, ele defende que, na cultura brasileira, a identidade sexual de uma pessoa não está no corpo biológico, mas, está na posição que se toma no ato sexual. Do ponto de vista das Travestis (e, segundo Kulick, da cultura brasileira) é ato sexual que define o gênero.

Ele ficou famoso como o antropólogo que defendia que no Brasil só existiam dois gêneros: homem e não-homem.

Outro ponto importante colocado claramente por Gilberto Velho é que quando a gente fala de que, para estudar sua própria sociedade, você tem que tirar os estereótipos, você tem que estranhar o familiar. Você deve estar aberto a perceber as hierarquias. E muitas vezes as hierarquias sociais já trazem consigo os estereótipos. O antropólogo que quer estudar sua própria sociedade tem que estar o tempo todo se auto-criticando, criticando sua própria sociedade.

Referências Bibliográficas

DaMatta , Roberto. ‘O ofício de Etnólogo, ou como ter “Anthropological Blues”’ In Nunes, E. de Oliveira (org) A aventura sociológica. RJ: Zahar. 1978. Pp.24-35.

Kulick, Don. ‘Introdução’ In Travesti: prostituição, sexo, gênero e cultura no Brasil RJ: Editora Fiocruz. 2008. pp. 18-35

Velho, Gilberto. ‘Observando o familiar’. cap. 9 In Individualismo e Cultura. RJ: Jorge Zahar. 1987. Pp. 121-132

Os fundamentos da antropologia social: Abordando o fenômeno da reciprocidade


Autoras: Rebecca Patas & Tatiane Fernandes

Retomando e aprofundando o assunto da aula anterior, sobre o texto de Marcel Mauss, a aula de 26/10/2010 deu ênfase ao potlatch. O primeiro tema abordado foi a metodologia da Mauss, que explica as dádivas, os rituais, os fatos por meio da lógica interna de cada sociedade, citando vários exemplos, reforçando esse sistema lógico diferenciado. Mauss divergia dos evolucionistas no que diz respeito à comparação: segundo o ‘método comparativo’ desses últimos, tudo se mistura, e os objetos, instituições, costumes e crenças são abordados de uma forma descontextualizada. Para Mauss, tinha que entendê-los dentro do contexto onde eram praticados e criados.

Malinowski também insistia no estudo desses fenômenos em contexto. Como ele, Mauss rejeitou a idéia de “economia natural”, - baseada no pressuposto de que os indivíduos desejam apenas satisfazer suas necessidades, apenas fazer o que querem. Assim, defende que todo o ser humano nasce social, não egocêntrico natural. É perceptível a influência durkheimiana no trabalho de Mauss. 

Quando de contempla a troca como base de um tipo de economia (que é social e não ‘natural’), as prestações não se dão como simples escambo, são dádivas que implicam numa relação duradoura. Para melhor compreensão, há uma comparação com os dias atuais: o escambo, como o comércio, é uma troca que não gera ligações profundas; em contraste, presentes de aniversário ou as comidas e festividades oferecidas na forma de dádivas, como o caruru de São Cosme e Damião, geram um laço entre os que participam, inclusive, os próprios santos que são convidados para se alimentarem das oferendas. Estes também engajam em relações sociais com os vivos que estão cumprindo antigas promessas.

Uma "prestação total" é aquela que envolve e integra elementos multiplos da vida social, religiosa, política, econômica de uma pessoa ´moral - quer dizer, uma pessoa jurídica (como um clã) ou física - normalmente, uma pessoa que representa uma coletividade, como um clã. Uma "prestação total se da por toda a comunidade: ao dar ou receber presentes e outras oferendas, sua representante contrata por todos, por tudo que possui e por tudo que faz. 

Um exemplo dessas prestações totais é o potlatch, ritual dos povos nativos do litoral pácifo do noroeste do continente norte-americano abordado no texto de Mauss, como os Kwakiutl, Tlingit, Haida e outros. O potlatch acontece no inverno, que diz respeito ao ciclo anual, época de recolhimento que gera excedente. É realizado pelo chefe do clã, que convida outro chefe e seus parentes. A tribo convidada chega de forma ritualística, e é recebida com presentes, cerimonias e uma abundância de comida, durante dias ou até mais tempo. 

A competição no potlatch, detalhe que lhe dá a classificação de “prestação total de tipo agonístico”, se dá quando o convidado tenta superar o anfitrião no seu potlach de retribuição. Há um exagero de gastos, que tende a aumentar, consumindo bens de todo o tipo. Os governos canadense e estadunidense proibiram o potlatch no fim do século XIX, por considerar o ritual uma perda "irracional" de recursos – lembrando que em cada potlatch se consumia mais que o anterior. Com a compreensão do significado do potlatch, a proibição desapareceu em 1934 nos EUA e em 1954 no Canadá. A queima e destruição desses bens é uma oferenda aos deuses, o sacrifício, baseado nessa extinção de riquezas. 

A professora apresentou uns slides com imagens de casas Kwakiutl, Tlingit e Haida e também de pessoas dessas nações que participavam dos ciclos de prestações do potlatch. Também detalhou outras características do potlatch, explicando que é realizado para celebrar uma ocasião social, por exemplo, marcando um evento importante (nascimento de uma criança, a puberdade feminina, os ritos funerários e o comércio); tem a função de adquirir status para o chefe, que é a encarnação da coletividade; e tem diferentes níveis de importância. 

No outro lado do oceano Pacifico, também existe "prestações totais", mas não existe potlatch. Mauss discute os tonga, presentes que um clã da para outro segundo relações de parentesco e casamento. Os ciclos de prestações em Samoa já não são competitivos, ou seja, são bem diferentes daqueles do potlatch. Mauss construi o esquema da sua explicação sobre as prestações de tonga - e sobre as dádivas em geral - através de uma discussão da noção Maori de hau. A obrigação de retribuir um presente dado (taonga)entre os Maori de Nova Zelândia vem do hau, o espírito da natureza e dos animais, que está nesse presente e deseja retornar ao seu lugar original. Assim, aquele que recebeu esse bem deve retribuir com outro bem, sob pena de reter esse ciclo. Caso não retribuem o presente com um outros presente, a conseqüência será doença e morte. 

A obrigação de dar e receber é importante para a manutenção da sociedade: a recusa destes presentes é a recusa das relações sociais, gerando conflito. O sacrifício é uma espécie de dádiva aos deuses, da onde também se espera essa reciprocidade. As dádivas aos homens e aos deuses, portanto, têm a finalidade de comprar a paz com uns e outros.

Referências Bibliográficas: 

Mauss, Marcel. ‘Introdução: Da dádiva, e em particular da obrigação de retribuir os presentes’ e capítulo 1 ‘As dádivas trocadas e a obrigação de as retribuir (Polinésia)’ .In Ensaio sobre a Dádiva.

Sobre Antropologia Interpretativa


Autor: Pedro 

Resumo de Aula:

Concluindo alguns conceitos de Antropologia Interpretativa da aula anterior, inicia-se a aula com definições de literatura, linguagem e cultura. O tema da aula - a teoria interpretativa de cultura desenvolvido nos anos 60 por Clifford Geertz, considerado como um “guru” dessa forma de antropologia simbólica.

Começamos a nos aprofundar sobre o trabalho de Geertz, e suas pesquisas de campo, sobretudo em Bali. Para fazer esse tipo de estudo é necessário identificar os símbolos públicos e todos os seus significados, e ainda, procurar identificar estes através da "perspectiva do nativo". O capítulo discutido na aula - Um jogo absorvente: notas sobre a briga de galos balinesa - trata de importantes símbolos públicos em Bali na época que o casal Geertz residiu lá (anos 1950).

Discutimos a colocação de Geertz de que as “pessoas são tão convencidas com sua cultura, nascendo, vivendo e morrendo sem se questionar sobre essa ”. Essa percepção é relacionada com a noção de hermenêutica na citação:

“As pessoas criam uma correspondência sobre um mundo como parece ser e como deve ser.”

Geertz defende que a cultura tem duas faces: A primeira seria um sistema integrado de símbolos públicos, dentro dos quais os indivíduos habitam e os quais manipulam. (Adonias - aluno de CISO - comentou que tal definição se assemelha à ideia de Durkheim, onde o ser humano já nasce numa estrutura já estabelecida.) A segunda face da cultura, no entanto,´seria que simultaneamente esses sistemas habitam os indivíduos, ou seja, os símbolos públicos habitam os mesmos como matrizes geradoras de ação e pensamento, conduzindo uma pessoa a ver o mundo como inteligível e natural. Tal definição do Geertz se baseia na influência weberiana.

Geertz fala também que o homem é um animal suspenso em uma rede de significados, que ele mesmo tem tecido. Exemplifica esse ponto na sua análise da briga de galos em Bali, mostrando que a pessoa já nasce nesta rede de significado e acaba se habituando, tornando-a uma coisa natural.

Para relatar esses sistemas de símbolos, pensamos primeiramente em lógicas culturais, onde o antropólogo é o tradutor de seus significados, sendo a técnica, mas eficaz, abordada por Geertz, a descrição densa.

No decorrer da aula, ficou claro que o objeto de uma pesquisa que procura fazer uma descrição densa, (ao exemplo do estudo de campo que Geertz fez do 'ritual' da briga de galos em Bali), não precisa ser somente sobre ritual ou religião, mas, de uma forma abrangente, pode ser de outras atividades coletivas, como o futebol. O importante é procurar ver a lógica cultural, que está atrás do interesse individual.Para compreender o significado das rinhas para o povo balinês, é necessário entender a sua ordem social, a relação entre os participantes e as hierarquias estabelecidas. Para isso, precisa compreender o contexto histórico da organização hierárquica nas aldeias, que começou como castas (do Hinduísmo), o que resultou numa idéia de status, onde cada pessoa nasce com a sua posição já estabelecida.

A noção antropológica de cultura a partir dos anos 60: Clifford James Geertz


Autoras: Maria Magalhães Aguiar & Letícia dos Santos Silva

Referência da aula: Geertz 1989

Clifford James Geertz, um antropólogo americano que viveu entre 1926 e 2006, foi professor da Universidade de Princeton em Nova Jérsei[1]. Seguindo uma linha mais direcionada à Antropologia Cultural, desenvolvida nos EUA, Geertz defende uma investigação antropológica embasada nos significados, valores e símbolos presentes na cultura e que permeiam as relações entre os indivíduos, não apontando uma superioridade da sociedade em detrimento dos indivíduos. Ao contrário da vertente mais difundida na Europa acerca de uma antropologia cuja principal noção persiste na idéia de estrutura social, Geertz é um discípulo de F. Boas e do Historicismo Cultural, que recusam a busca ativa por regularidades entre culturas.

O interesse de Geertz se desenvolveu no sentido de uma antropologia interpretativa, centrada na interpretação de certo mundo cultural, interpretando a interpretação dos nativos, o sistema de símbolos que circunscreve os diferentes grupos para neste encontrar os significados culturais subjacentes, ao invés de significados gerais e/ou universais. Segundo Geertz (1989), essa abordagem que não nega a complexidade da realidade nem busca reduzi-la a simplificações, mas torná-la mais compreensível através de um sistema de interpretações que visa a compreendê-la dentro do seu próprio contexto.

Para esse autor, o objeto da etnografia comporta a hierarquia estratificada de estruturas significantes em função das quais as diferentes nuanças de comportamentos são produzidas, percebidas e interpretadas: “a análise interpretativa, portanto, é escolher entre as estruturas de significação (...) códigos estabelecidos (...) e determinar sua base social e sua importância” (Geertz, 1989, p. 7). A etnografia tem como finalidade uma descrição densa de categorias culturais em um sistema de símbolos. A força da análise cultural se fundamenta muito mais na lógica informal da vida real do que em uma rigidez argumentativa e generalizante: “a análise cultural é intrinsecamente incompleta (...) quanto mais profunda, menos completa” (Geertz, 1989, p. 20). Qualquer generalidade que se consegue atingir nesta investigação é originária da sutileza de suas distinções, ao invés da amplitude de suas abstrações:

A tarefa essencial aqui da construção teórica não é codificar regularidades abstratas, mas tornar possíveis descrições minuciosas (...). No caso da cultura, os significantes (...) são (...) atos simbólicos e o objetivo, (...) a análise do discurso social (Geertz, 1989, p. 18).

Ao considerar o significado, o autor argumenta tratar-se de como todo e qualquer grupo dá sentido àquilo que realiza na prática, expressivamente, moralmente; situando suas ações em estruturas mais amplas de significação e, ao mesmo tempo, ordenando seus atos conforme estes termos (Geertz, 1997). Para Geertz, é na análise de ações do cotidiano que será possível identificar os códigos que estruturam pensamentos e dão significado ao mundo (Caprara, 2003).

Geertz faz uso do conceito semiótico de cultura, como um sistema à procura de significações, em vez de se tratar de uma ciência experimental, em busca de leis. Sendo, assim, a cultura se situa como um sistema simbólico: sistemas entrelaçados de signos interpretáveis, não sendo um poder, algo ao qual possa ser atribuído casualmente os acontecimentos sociais, comportamentos (…), ela como um contexto dentro do qual podem ser descritos (…) com densidade (Geertz, 1989, p. 10). padrão de significados transmitido historicamente, incorporado em símbolos, um sistema de concepções herdadas e expressas em formas simbólicas por meio das quais os homens comunicam, perpetuam e desenvolvem seu conhecimento e suas atividades em relação à vida (Geertz, 1989, p. 69).

A antropologia interpretativa procura compreender o significado de comportamentos e ações dos indivíduos, tendo sido influenciada por autores da tradição hermenêutica, como Gadamer (Caprara, 2003). Para Gadamer (1996), esta abordagem se preocupa em estudar a diferença entre conhecimentos gerais e sua aplicabilidade concreta a casos particulares. Segundo Eriksen e Nielsen (2010), a hermenêutica se trata de um método de interpretação de texto que considera que este é concomitantemente um conjunto de partes individuais e um todo. Geertz se utilizou desta idéia na antropologia ao distinguir o individualismo metódico e o coletivismo, sendo que a noção de sociedade deve ser compreendida ao se considerar as duas perspectivas.

Bibliografia Complementar:

CAPRARA, A. Uma abordagem hermenêutica da relação saúde-doença. Cad. Saúde Pública, 19 (4), Rio de Janeiro, jul/ago, 2003.

ERIKSEN, T. H.; NIELSEN, F. S. O poder dos símbolos. In: ______. História da Antropologia. Petrópolis, RJ: Vozes, 2010. p. 118-134.

GADAMER, H.G. The enigma of health. Standford, California: Stanford University Press, 1996.

GEERTZ, C. O saber local: novos ensaios em antropologia interpretativa. Petrópolis, RJ: Vozes, 1997. [1983]

GEERTZ, C. Uma descrição densa: por uma teoria interpretativa da cultura. Cap. 1. In: __________. A interpretação das culturas. RJ: Editora Guanabara, 1989.

[1] Dados biográficos do referido autor encontrados em http://pt.wikipedia.org/wiki/Clifford_Geertz.

Franz Boas e a Antropologia Cultural Moderna


Autora: Alice Dias Lima de Santana

A aula da disciplina Antropologia II, ministrada pela docente Cecília McCallum num sábado em dezembro, teve como tema no primeiro horário o pensamento e o trabalho de Franz Boas, fundador da principal abordagem da antropologia moderna norte americana. Para terminar a discussão sobre o “pai da Antropologia Cultural”, iniciada na aula anterior, assistimos e discutimos a parte final do documentário Shackles of Tradition: Franz Boas, disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=GOvFDioPrMM

A carreira de Franz Boas começa na Sociedade Berlinense para a Antropologia, Etnologia e Pré-História, onde atuou como geógrafo. Em 1883 realizou uma expedição para a ilha de Baffin, para fazer um mapa e estudar os esquimós (os auto-denominados Inuit). Permaneceu no local um ano antes de voltar para Alemanha. Dentre seus trabalhos importantes está o material etnográfico recolhido durante o ano que conviveu com estes, que o possibilitou escrever sua primeira obra de caráter antropológico: Os esquimós centrais,

Em 1887 Boas mudou para Nova Iorque, onde sua noiva morava, e nos anos subsequentes realizou pesquisas entre os Kwakiutl e outros grupos tribais da Colúmbia Britânica, na costa norte do Pacífico. Produziu muito sobre a história, linguagem, cultura e arte dos povos da região.

Durante o documentário, a professora falou ainda sobre o Potlach, ritual observado nos Kwakiutl e outros povos da região, que consiste em os nativos juntarem todas as riquezas e destruí-las. (COMENTÁRIO DE CECILIA: Alice, esta descrição não é o suficiente. Quem juntava as riquezas, de que consistiam estas riquezas, como foi o ritual, qual o motivo da destruição, e quais as consequências?)

Quando foi morar nos Estados Unidos, Boas trabalhou como professor, foi editor de uma revista cientifica e mais tarde tornou-se professor da prestigiosa Universidade de Colúmbia, em Nova Iorque, além de curador das coleções antropológicas do Museu Americano de História Natural.

Na época de Boas, o ‘evolucionismo cultural’ estava inserido na Antropologia. Nesta forma de evolucionismo, acreditava-se que a Europa era o apogeu do processo evolucionário e outros povos eram selvagens, doutrina que serviu como justificativa para o domínio exercido sobre esses povos pelos europeus e elites brancas das colônias e ex-colônias. Boas criticou o evolucionismo cultural e propôs o particularismo histórico, que sustentava que cada cultura continha em si seus próprios valores e sua própria história única. Via valor intrínseco na pluralidade das práticas culturais no mundo e era profundamente cético com relação a qualquer tentativa política ou justificativa acadêmica, de interferir nessa diversidade. 

Boas estudou com professores alemães, que criticavam o evolucionismo e simpatizavam com o difusionismo*. Acreditavam no geist (espírito) especifico de cada povo, algo que era bem particular de cada cultura. Ele era herdeiro do humanismo romântico da Alemanha.

Franz Boas ainda fundou a antropologia linguística, ou seja, a linguagem como a alma do povo, a geist e as formas possíveis de pensar através da língua. Estudar outra língua era viajar e se humanizar, conhecer outra cultura e seu código linguístico. A Antropologia vai desenvolver e sofisticar essa ideia.

Boas foi um dos primeiros e principais críticos do racismo e da suposta “ciência” inspirada por isso; seus estudos de antropologia física mostraram que as características físicas associadas às diferenças raciais se alteravam dependendo do meio-ambiente. Portanto, não eram fixos. Assim, o que se denomina ‘raça’ não determina a capacidade nem o comportamento dos humanos. Nas suas pesquisas, a variação cultural foi mais expressiva do que qualquer outro valor considerado inato pelo determinismo biológico. Essa abordagem foi mais tolerante e cientificamente embasada.

Em vez da visão etnocêntrico dos evolucionistas ou o racismo dos antropólogos físicos do século 19, Boas trouxe e enfatizou o relativismo cultural.

O legado de Boas durou quatro décadas. Ele dominou a antropologia americana, pois muitos dos antropólogos americanos da geração seguinte foram alunos de Boas. A antropologia cultural proposta por Boas evoluiu em várias direções. Até hoje o seu legado continua na antropologia americana.

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* DIFUSIONISMO - Uma escola que estudava a distribuição geográfico e a migração de traços culturais e postulavam que culturas eram mosaicos de traços com várias origens e histórias. (ERIKSEN & NIELSEN, 2007)

Bibliografia:

FRANZ BOAS. UOL Educação. Disponível em:<http://educacao.uol.com.br/biografias/franz-boas.jhtm>. Acesso em: 17 dez. 2012.

ERIKSEN, Thomas & Finn Sivert NIELSEN. 2007. História da Antropologia. Petropoles: Vozes

Os ritos de iniciação: Identidades femininas e masculinas e estruturas de poder


Elaborado por: Conceição Osório

Este texto foi apresentado num encontro que teve lugar em Maputo, em 2015, com parceiros da CAFOD (agência oficial de ajuda da Igreja Católica na Inglaterra e País de Gales). O artigo foi elaborado com base numa pesquisa sobre os ritos de iniciação, desenvolvida pela WLSA Moçambique entre 2012 e 2013. Veja o relatório de pesquisa no site da WLSA: www.wlsa.org.mz/ritos-de-iniciacao-no-contexto-actual/. Um resumo dos resultados pode ser encontrado aqui: www.wlsa.org.mz/ritos-de-iniciacao-resultados-da-pesquisa/.

Os ritos de iniciação são instituições culturais praticadas nas zonas centro e norte de Moçambique. Portanto, é comum afirmar-se que são constituintes dos direitos culturais, que são uma das importantes dimensões dos direitos humanos. 

As instituições culturais organizam os lugares e os papéis e as funções sociais que cada um deve ocupar na sociedade. Nesse sentido, a cultura é determinante para a construção das identidades sociais. Isto é, numa determinada cultura as pessoas aprendem a reconhecer-se e a reconhecerem os outros em termos de partilha de representações e práticas, desde a forma como se cumprimentam, como mostram hospitalidade, como partilham uma refeição e, para ir mais a fundo, como pensam acerca da vida, do amor e da amizade.

Isto significa, em primeiro lugar, que os direitos culturais devem ser respeitados e protegidos, e, em segundo lugar, devem ser vistos em articulação com os direitos universais que são uma conquista de toda a humanidade. Todos os direitos culturais que contenham em si discriminação subordinam-se aos direitos que consagram a igualdade entre todas as pessoas.

E neste diálogo entre direitos universais e direitos culturais, que é um diálogo tenso e não fácil, devemos compreender que as diferenças que algumas culturas estabelecem, por exemplo, entre pessoas de sexo diferente, e que são geracionalmente transmitidas, são geradoras de desigualdade. A cultura fornece uma ideia de imutabilidade, naturalizando (na medida que se tomam como verdade inquestionável) essas mesmas diferenças.

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Identidades de género e identidades sexuais no contexto dos ritos de iniciação no Centro e Norte de Moçambique


Os ritos, sejam de passagem de idade, sejam de nascimento, matrimónio ou morte, têm sido estudados enquanto objecto autónomo pelas disciplinas que constituem as ciências sociais, sobretudo desde as últimas décadas do século passado, quando, principalmente a antropologia e a sociologia, sobrelevam a importância da contextualização cultural e a sua relação com as esferas de ordem política, económica e social. Isto é, as novas abordagens interferem na “perda de inocência” dos ritos como expressão de uma cultura essencial, original e imóvel, deslocando o olhar para a estrutura de poder que influencia e orienta as suas funções, organizando as representações e as práticas dos actores sociais. É neste sentido que procurámos identificar como os rituais de iniciação para a vida adulta influenciam a construção de identidades de género e identidades sexuais, num movimento que ao mesmo tempo que procura conservar a ordem social dominante, os torna sujeitos a sucessivos reajustamentos e rupturas.

Neste artigo utilizamos os resultados de uma pesquisa sobre os ritos de iniciação ou ritos de passagem, realizados na zona centro e norte de Moçambique, que decorreu entre 2011 e 2013 Estes rituais, que marcam a passagem para a idade adulta, são feitos para a rapariga após a primeira menarca, por volta dos 11/12 anos (precedidos pelo alongamento dos lábios vaginais iniciados por volta dos 8 anos) e para os rapazes por volta dos 10/13 anos, quando se realiza a circuncisão. Com uma duração que actualmente varia entre uma semana a um mês, as crianças são instruídas longe das suas famílias nos atributos que configurarão a sua vida adulta.

Tendo como grupo alvo os e as jovens que frequentam o terceiro nível do ensino primário, com este estudo pretendeu-se reconhecer dois aspectos centrais, sendo o primeiro dos quais, como é que as instituições culturais orientam para comportamentos e valores que configuram a ordem social assente na estrutura de poder fixam hierarquias. Em segundo lugar, como, face à circulação por vários espaços, de que a escola é o mais organizado e permanente, e também à múltipla e por vezes contraditória informação recebida pelos e pelas jovens, se processam as apropriações e desapropriações dos saberes transmitidos nos ritos, conduzindo-os à renovação ou, pelo contrário, se desenvolvem estratégias de conservação que procuram preservar a tradição e a cultura.

A maioria das pesquisas que se têm realizado em Moçambique sobre ritos de iniciação, têm privilegiado uma abordagem etnográfica relativista, alienando os factores de ordem social que permitiriam destacar os contextos e perceber as dinâmicas internas e externas que actuam sobre os ritos, e lhes acrescentam ou retiram funções que reestruturam as hierarquias e agenciam modos e formas diferenciados de configuração (Braço, 2008; Bagnol e Mariano, 2011). Isolando realidades num casulo caracterizado por uma mera estabilidade e dispensando-se a transversalidade fornecida pela aplicação do quadro conceptual que permite a análise, o conhecimento obtido é apenas informado pelo senso comum (mesmo quando ele se apresenta sob a capa da erudição), produzindo um saber parcial e parcelar, aparentemente objectivo, mas marcado pelas crenças e convicções que compõem o sistema ideológico.

A abordagem sobre cultura utilizada neste trabalho contém três elementos centrais: o primeiro diz respeito ao facto de tomarmos a cultura como instituição constituída por representações e práticas que exprimem um sistema de crenças constrangedoras dos comportamentos: a cultura remete-nos para um normativo que fornece coesão e reconhecimento pela pertença. Um segundo elemento tem a ver com a estrutura de poder que determina que, em cada cultura, se hierarquizem posições, se organizem os sistemas de inclusão (e exclusão também) e se estabeleçam relações de poder. Um último aspecto tem a ver com os dinamismos externos e internos que transformam a cultura numa instituição situada em contextos sociais, políticos e económicos, que persegue a conservação da ordem, através dos ajustamentos e recomposições dos elementos que lhe fornecem coesão.[1] Ao mesmo tempo, sobre a cultura, ou melhor, nos seus interstícios, vão-se produzindo mudanças que traduzem os fluxos e os trânsitos dos sujeitos que permitem que a desordem se instale, dando origem a novas significações e sentidos, mobilizando interesses e estratégias que podem, ou não, pôr em causa o sistema cultural.[2]

terça-feira, 21 de novembro de 2017

Nyonga: Rede de solidariedade entre os vendedores de equipamentos electrónicos num mercado da cidade de Maputo


Autor: Mutâmpua, Jorge

dra. Margarida Paulo, (Supervisora)

Resumo 

O presente trabalho analisa as redes de solidariedade construídas entre os vendedores de equipamentos electrónicos do mercado Estrela Vermelha da cidade de Maputo, Moçambique. Na literatura, a rede de solidariedade é olhada em duas perspectivas, uma social e outra económica, mas de forma dissociada como se constituíssem mundos diferentes no quotidiano dos indivíduos, o que se considera problemático neste estudo. Guiado pela teoria de representação social e o método etnográfico acompanhado das técnicas de observação participante e entrevista semiestruturada num exercício de ver, ouvir e conviver com os informantes durante o primeiro trimestre de 2014, verifiquei que a solidariedade entre os vendedores se manifesta através da prática de nyonga, que consiste em vender a mercadoria do outro à preços acrescidos para depois ganhar uma parte do dinheiro da coisa vendida. Este facto representa uma interajuda entre membros do grupo, e os possibilita a acomodarem-se com as novas realidades de vida no dia-a-dia. Desde modo, compreendo que o nyonga é um tipo de solidariedade do quotidiano, usado pelos vendedores como uma estratégia de reprodução de relações socioeconómicas no dia-a-dia. Este argumento distancia-se da visão parcial da literatura, que olha o social e o económico como categorias dissociadas. Portanto, pelo menos no contexto do nyonga estas duas entidades são indissociadas e, ajustam-se à dinâmica de vida da cidade de Maputo.

Palavras-chave: Redes sociais, solidariedade, representação social e nyonga.

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As Estruturas Antropológicas do Imaginário de Gilbert Durand


Professor de filosofia de 1947 a 1956, professor titular e professor emérito de sociologia e de antropologia da Universidade de Grenoble II, é co-fundador - juntamente com Léon Cellier e Paul Deschamps, em 1966 -, e atualmente diretor, do Centro de Pesquisas sobre o Imaginário (Centre de recherche sur l'imaginaire), bem como membro do Círculo de Eranos. Foi participante da Resistência Francesa durante a 2ª Guerra Mundial.

Discípulo de Gaston Bachelard, de Henry Corbin e de Carl Jung, mestre de Michel Maffesoli, Gilbert Durand é reconhecido mundialmente nos meios acadêmicos; seu centro de pesquisa, atualmente, coordena vários outros centros de pesquisa ao redor do mundo, incluindo o Centro de Estudos do Imaginário, Culturanálise de Grupos e Educação (CICE, pertencente à Faculdade de Educação da USP)

A obra de Durand (2002) se apresentou como a base teórico-epistemológica. Durand (2002) apresentou cinco aspectos na compreensão do imaginário e seus efeitoshistóricos e sociais que devemos ter atenção a polissemia dos símbolos, as derivações das distintas recepções nas diversas comunidades, as identificações culturais que dão vida aos símbolos, as flutuações biográficas que guiam os indivíduos e a difusão dos símbolos submetidos a diferentes lógicas socioculturais.

O símbolo e o mito servem com base antropológica pela qual se constrói a significação histórica. Além disso, ele acredita que uma sociedade só se perpetua se as instituições repousam sobre fortes crenças coletivas. 

E segundo Durand (2002) todo o imaginário será devedor de três esquemas básicos, o mítico heróico, mítico místico e mítico dramático. O primeiro sendo derivado das imagens aéreas, de colocar-se de pé, que são imagens masculinas devido a organização a partir das imagens fálicas. O segundo mítico místico seria imagens de escavação, interioridade e das profundezas seriam imagens do universo feminino. E o mítico dramático se configuraria a partir das imagens de movimento, rítmicas, que equilibrariam as forças masculinas e femininas das imagens.

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A Escola Sociológica Francesa e suas presenças nas teorias do imaginário


Elaborado por: Hélder Luís

Primeiro os esclarecimentos. O imaginário ao qual me refiro não designa um fenômeno esotérico ou que se coloque acima do mundo. Ele é a contextura do mundo humano. Para diversificar as possibilidades de entendimento, acrescento que falo de um imaginário social próximo daquilo que Foucault define como episteme ocidental. Um contexto social de saberes que permite a articulação de discursos – palavras, pessoas e coisas - que pondo em contigüidade, fusão e intercruzamentos as positividades, as empiricidades, construindo-as. 

Chamo de “Escola Sociológica Francesa” antes de tudo ao empreendimento intelectual posto pela Escola Francesa de Sociologia, a partir de Durkheim, que é a questão das representações sociais ou categorias coletivas do entendimento. Ao mesmo tempo, ao localizar o enfrentamento dessa problemática em diferentes autores, a exemplo de Foucault, particularmente sua obra intitulada “As palavras e as coisas”, Freud de “Totem e Tabu”, Lévi-Straus, Castoriadis de “A instituição imaginária da sociedade”, Bachelard e Gilbert Durand; o termo Escola Sociológica Francesa passa a designar o meu próprio empreendimento intelectual. Neste artigo abordo apenas o resultado parcial de minhas leituras e reflexões sobre o pensamento de Durkheim, Mauss, Lévi-Strauss e Durand, acerca da problemática do pensamento social. 

ÉMILE DURKHEIM 

Durkheim procura compreender a maneira pela qual, nós, os humanos, reunimos “As palavras e as Coisas”. Assim, ele articula a teoria do conhecimento da realidade social, situando-a no campo simbólico, no espaço das representações sobre o dizer e o fazer social, apreendido pelo tipo de relação que mantemos para com o totem e o tabu. Além disso, em sua teoria do conhecimento, o autor estabelece a hipótese sociológica de que as categorias da sensibilidade e do entendimento, ao contrário da afirmação de Kant, não são inatas, e sim, construídas socialmente. 

Desse modo, a Escola Sociológica Francesa lega a antropologia uma ferramenta de trabalho importante para o acesso às “representações sociais”, ao imaginário, que são os pressupostos teóricos e metodológicos para a análise das categorias do entendimento ou representações sociais. Ou seja, as categorias sintéticas, não enquanto a priori, mas, enquanto historicidades, permanências e metamorfoses.

Ao discutir as “categorias do entendimento”, nas “Formas Elementares da Vida Religiosa: o sistema totêmico na Austrália”, livro no qual Durkheim funda a sociologia do conhecimento, o autor discorda do pressuposto de Kant quanto ao fato de tais categorias serem inatas, e quanto ao aspecto de que o tempo e o espaço sejam apenas “formas de sensibilidade” e não categorias do entendimento, consideradas igualmente inatas na filosofia kantiana. Assim, em um mesmo movimento, Durkheim fundamenta essas categorias na hipótese sociológica e alarga a noção de “categorias do entendimento” de modo a designar as “formas da sensibilidade” como categoria do entendimento e, portanto, “representação social” porque construída socialmente. Assim, o autor lança, desde então, um percurso metodológico que, partindo de uma “etnosemântica” (as categorias) chega a uma “etnocognição” (o entendimento), como diríamos hoje.

A análise das “categorias do entendimento”, enquanto categorias verbais permitem a compreensão do modo pelo qual o grupo em questão compreende, e, conseqüentemente, representa o mundo, às maneiras de pensar que estão associadas às práticas sociais. Entre os fenômenos que nos permitem acessar as “representações sociais” das diferentes sociedades, Durkheim destaca os ritos e os símbolos. Em sua análise as condutas sociais não se dirigem para as coisas em si mesmas, mas para seus símbolos. Quanto aos ritos, ele os classifica em três tipos: 
Os negativos (tabus) – dizem respeito às interdições, ao distanciamento; 
Os positivos (totem) – são atos de comunhão (de proximidade e identificação com o totem) – tais como, as refeições rituais. 
A terceira categoria de rito, os ritos de imitação são ritos miméticos ou representativos, que tendem a imitar a coisa que deseja provocar. 

Os ritos teriam por função proporcionar coesão social, suscitar, manter, e renovar o sentimento de participação no grupo, uma vez que a sociedade só é possível através dos ritos e dos símbolos. Dentre as “categorias do entendimento”, Durkheim analisa as de gênero e de causalidade defendendo a tese segundo a qual classificamos os seres do universo em grupos, chamados gêneros, porque temos o exemplo das sociedades humanas. Estas são tipos de agrupamentos lógicos percebidos imediatamente pelos indivíduos. Desse modo, ampliaríamos às coisas da natureza a prática do agrupamento humano, tendo como referência à maneira pela qual concebemos o mundo social. Assim, de acordo com o autor, é a sociedade humana que fornece o modelo para a apreensão do mundo natural.

As classificações - argumenta Durkheim - são sistemas de noções hierarquizadas e só podem ter origem na sociedade. Assim, é porque os homens estão repartidos que eles repartem o mundo. Sendo a hierarquia um fenômeno social, sua origem não poderia advir da observação da natureza ou do mecanismo das associações mentais. Do mesmo modo, nos diz o autor, a noção de igualdade não pode advir da natureza.

Quanto à noção de causalidade, ela também provém da vida coletiva a partir da idéia de força. É a imagem e a experiência social da coletividade de homens que produz a noção de “força” superior à força dos indivíduos considerados isoladamente. A origem da noção de causalidade é a força coletiva criada pela comunhão dos homens entre si, em situação de trabalho ou de festa. As situações de trabalho ou de festa são particularmente importantes como geradoras da “efervescência social”: troca intensa que se estabelece entre os homens reunidos em torno de idéias e crenças em comum. 

São as representações coletivas, o imaginário social, que pode permitir ao homem elevar-se acima de si mesmo, ou seja, para além de sua condição de isolamento, possibilitando-o apreender a “totalidade” construída e representada por seu grupo, sua sociedade. Ao apresentar a hipótese sociológica, Durkheim pretende superar o empirismo que entende que os conceitos resultam diretamente da experiência sensível; e, o apriorismo de Kant, segundo o qual os conceitos ou categorias são dados inatos do espírito humano. Para o autor, a origem dessas categorias é a vida coletiva. As categorias são representações impessoais porque são coletivas, se impõem porque são coletivas. Elas exprimem a maneira pela qual as sociedades se representam às coisas que lhes dizem respeito e que, portanto, são valorizadas, protegidas, reproduzidas, sacralizadas ou racionalizadas.

A ciência, por exemplo, diz ele, tem autoridade sobre nós porque a sociedade assim o quer. Se hoje basta mencioná-la para obtermos crédito, é porque temos fé na ciência. Quanto à verdade, ela é construída socialmente, como todo e qualquer valor. Desse modo, não basta que algo seja verdadeiro para ser aceito como tal, é preciso, nos diz Durkheim, que se harmonize com o conjunto das representações coletivas vigentes, as arraigadas ou as que estão em ascensão, caso contrário, é como se não existisse. Tudo na vida social repousa sobre a “opinião”, diz ele, assim, para que haja conformidade de condutas é necessário haver “conformismo lógico”: uma certa homogeneidade de entendimento, daí o importante trabalho das “categorias do entendimento” na vida social.

Durkheim não opõe, em sua análise, as crenças e a lógica, como era próprio aos intelectuais desde o Iluminismo. Com isso, ele permitiu que se percebesse a lógica própria a cada crença em particular, além de localizar a crença como base das categorias do entendimento de diferentes grupos sociais, independente das suas características tecnológicas. Ao fazer isto, Durkheim rompe com a perspectiva evolucionista e, ao mesmo tempo, coloca os fundamentos do social e do humano como sendo de natureza essencialmente simbólica, e o simbólico como tendo origem social, portanto, cultural e histórica.

A antropologia, herdeira das hipóteses teóricas apresentadas nas “Formas Elementares de Vida Religiosa”, pôde, desde então, dedicar-se a estudar a lógica das crenças, uma vez que Durkheim evidenciou que o conhecimento é construído em função de “razões” sociais. A Escola Sociológica Francesa é racionalista com Durkheim. Mas, o que é a razão para este autor? Para ele a razão é o conjunto das categorias fundamentais de uma determinada sociedade. A categoria de razão estaria incluída no conjunto citado, sendo, ela própria, uma construção coletiva.

Durkheim é racionalista ainda, porque, contra o empirismo, ele acredita que o mundo tem um aspecto lógico, que se expressa pelo poder do intelecto de ir além da experiência imediata. Acredita que os conhecimentos racionais, lógicos, não se reduzem aos dados empíricos, aqueles que a ação direta dos objetos suscita em nossos espíritos. A sensação empírica é um estado individual explicável pelo psiquismo do indivíduo, diz respeito às representações individuais, ou seja, à construção pessoal que o indivíduo elaborou a partir de seu meio social. A ele interessa, particularmente, as representações coletivas: aquelas aceitas, preservadas e reproduzidas pelos grupos que, através delas, se expressam. 

Para Durkheim o homem é duplo: individual e coletivo. Apesar de duplo, Durkheim não postula pela oposição entre indivíduo e sociedade. Compreende que sendo as subjetividades construídas socialmente, é o próprio indivíduo que passa a identificar-se e a desejar o que a sociedade valoriza. Os conhecimentos racionais, lógicos, e as manifestações afetivas são gerais porque são coletivos (p. 45). Por isso, a razão - que não pode ser considerada universal ou abstrata, porque é sempre relativa aos grupos - ultrapassa o alcance dos conhecimentos empíricos e se impõe definindo e orientando representações e guiando as condutas, sendo, portanto, motivadora de ações.

Esse racionalismo durkheimiano será prolongado em Lévi-Strauss, que “herda” essa fundamentação filosófica e essa temática que será desenvolvida por ele, particularmente nas seguintes obras: “O Totemismo Hoje”, “O Pensamento Selvagem” e a “Eficácia Simbólica”. 

Antes, porém, de abordarmos as reflexões de Lévi-Strauss, é importante nos determos ainda um instante na primeira geração da Escola Sociológica Francesa, examinando a contribuição de Marcel Mauss, sobrinho e colaborador de Durkheim, para a discussão dos fundamentos simbólicos das sociedades. 

MARCEL MAUSS 

Dando continuidade ao programa da escola, Mauss escreve dois artigos importantes intitulados: “A noção de pessoa, a noção de eu” e “Técnicas corporais” fazendo, segundo ele, a “história social” dessas noções, evidenciando o longo processo pelo qual ela foi sendo construída coletivamente. Evidencia que a pessoa é fato moral e que todo fato moral é fato de educação, portanto, a própria noção de moral, bem como, as suas diferentes manifestações são adquiridas por aprendizagens. O autor prossegue afirmando que todo ato educativo é técnica corporal, e que as técnicas corporais são “sistemas de montagens simbólicas”.

Conclui indicando que a noção de pessoa, sendo construída socialmente através de toda uma pedagogia técnica e simbólica que institui o sentido do corpo e de sua individualidade para o sujeito, é uma das formas fundamentais do pensamento e da ação dos indivíduos, sendo, portanto, uma representação coletiva, uma categoria do entendimento; e, como toda categoria do entendimento, ela não é inata.

O axioma sociológico elaborado pela escola francesa apóia-se em dois postulados inter-relacionados: o primeiro, afirma que a origem e o caráter do pensamento é coletivo, porque o homem pensa interativamente com os outros homens de sua sociedade. Essa interação pode ser da ordem da homogeneidade (participação) ou da ordem da heterogeneidade (exclusão, demarcação de diferenças, oposições). O segundo postulado, indica que a pesquisa sociológica deve localizar a parte do social na construção do pensamento, porque essa participação não é evidente por si mesma, uma vez que os processos de “naturalização” do social obscurecem a origem coletiva dos mesmos, criando o efeito de tornar natural, sempre posto e imutável, aquilo que é social e, portanto, histórico.

Do mesmo modo que o falante de uma língua materna não se dá conta que a sua linguagem é fruto de seu grupo social, tendendo a considerá-la “natural”, o participante de uma cultura não vê o modo pelo qual a sociedade configura o seu pensamento e sua conduta. Cabe ao sociólogo buscar os significados profundos, inconscientes da cultura. (A Escola Francesa não distingue a Sociologia da Antropologia)

O programa específico da escola, portanto, era demonstrar o caráter social do pensamento através da análise das “categorias do entendimento”, e, evidenciar a dimensão “ideal”, simbólica, imaginária, dos “fatos sociais”. A simetria entre o concreto e o simbólico é a tese básica da escola que afirma: todo fato de consciência, todo pensamento é fato social, logo, todo fato social por mais objetificado, concretizado, instituído que seja, é fato de consciência, é consciência objetificada, sendo, portanto, da ordem do pensamento. O modo de pensar cria, transforma e destrói e, sendo sociais, as categorias são históricas: surgem, transformam-se e desaparecem. 

CLAUDE LÉVI-STRAUSS 

Lévi-Strauss retomará a busca dos fatos profundos, inconscientes que instituem o social, mas não o fará em perspectiva diacrônica, ancorado em uma “história social”, a exemplo do método histórico preconizado por Mauss. Ele retomará a busca desses fatos do ângulo da sincronicidade, através das “categorias do entendimento”, enquanto categorias lógicas, sem remetê-las à investigação da historicidade que as constituíram. Enfatizará o plano das articulações lógicas e das dualidades estruturais: a natureza e a cultura, o sagrado e o profano, o puro e o impuro, o próximo e o distante; remetendo-as, ao nível meta-teórico, à estrutura do “inconsciente”. 

O “inconsciente”, para ele, resulta do funcionamento do cérebro que, desse modo, é visto como um formante, um estruturador que não visa fins práticos ou utilitários, mas, sistema e ordem. Entretanto, em sua proposta metodológica a identificação da lógica não é buscada arbitrariamente em um suposto mundo arquetípico. Bem ao contrário, ela deve ser apreendida através de uma etnografia minuciosa, fenomenológica, que visa dois objetivos:

1. Identificar as “representações conscientes”, pois são via de acesso para as “representações inconscientes” que serão identificadas pela análise estruturalista. 

2. Perceber de que modo esse conjunto elabora sistema, pois não são automaticamente estruturas, são, antes documentos para ajudar a descobri-las.

As “representações conscientes” são expressas por diferentes objetivações do pensamento social: pela linguagem, pelo comportamento, pelas regras, ritos; pelas genealogias, planos de aldeias; usos do corpo, códigos alimentares e matrimoniais, enfim, por inúmeros e variados “documentos etnográficos”. A estrutura, entretanto, não é da ordem do empírico, é da ordem do pensamento, não corresponde diretamente a nenhuma realidade objetiva. A estrutura que a análise estruturalista desvenda é de ordem lógica. Diz respeito aos sistemas de constância dos elementos e ao caráter de relação que se estabelece entre ele e os demais elementos, bem como, aos modos de transformação pelos quais eles se configuram.

A obra de Lévi-Strauss constitui importante instrumento de percepção do imaginário social em sua estruturação lógica, permitindo a visibilidade das constantes estruturais que organizam os universos de sentido. 

GILBERT DURAND 

A teoria desse autor é um complexo diálogo entre a reflexologia, a fenomenologia estruturalista e a fenomenologia hermenêutica, além do Existencialismo, entre outras influências. Tomaremos como ponto de partida a definição de imaginário proposta por Durand, para, a partir dela, ancorar uma indagação que funcione como eixo de nossas reflexões tanto de fundamento quanto de método. O imaginário, segundo Durand (1997), é o conjunto das imagens e das relações entre imagens que constituem o capital pensado do sapiens; assim, ele remete o imaginário para as imagens e para os nossos procedimentos de produção de imagens. Esta definição nos impõe uma indagação: o que é a imagem? Ela é representação, esquema, arquétipo? 

Para Durand, a estrutura é encontrada ao nível do esquema que, por sua vez, é anterior a imagem. A estrutura é originada nos gestos primordiais dosapiens, que, seguindo Piaget, ele chama de esquemas de motricidade ou tendência geral dos gestos enquanto intenção, embora inconsciente, que formata as operações lógicas, ou seja, os tipos de relação que o sapiens estabelece com o mundo, a partir de sua corporeidade. O esquema leva em conta as afeições e as emoções e faz a junção entre os gestos inconscientes e as representações. Algumas das ligações lógicas resultantes dos esquemas de motricidade são: separar, típico da estrutura heróica; unir/fundir, próprios a estrutura mística. 

O arquétipo é a representação dos esquemas. Para a subida, por exemplo, temos os arquétipos - chefe e alto. Para o aconchego, os arquétipos mãe, colo e alimento. Já o símbolo é todo signo concreto, evocando algo ausente ou impossível de ser percebido. O mito é um sistema dinâmico de símbolos, arquétipos e esquemas que tende a se compor em relato – história, por isso ele já é um início de racionalização. O mito vai transformar em linguagem, em relato, as escolhas culturais, e, o relato, organiza o mundo, estabelece o modo das relações sociais, e seus personagens vão servir de modelo para a ação cotidiana dos indivíduos. 

Em Durkheim e Mauss, a teoria social se afasta da Biologia e compreende o pensamento enquanto construção coletiva. Com Lévi-Strauss e Durand, sem ignorar o social, voltamos ao biológico. O primeiro retém do biológico apenas o cérebro, entendido como um formante de estruturas binárias, complementares e opostas, que funcionam como estruturador lógico para as elaborações culturais. Durand considera que toda a corporeidade, bem como, a sociabilidade, participam na estruturação do pensamento.

Durkheim e Mauss compreendem a realidade humana como construção virtual, dispositivo, “sistemas de montagens simbólicas” na bela e competente expressão de Mauss. Essa noção pode ser aproximada do “dispositivo maquínico” e do “agenciamento coletivo” de Guattari, para acentuar a atualidade das formulações da primeira geração da École, que escreveu no início do século.

Lévi-Strauss e Durand vão articular o social ao substrato biológico, evidenciando outro aspecto do debate que é o diálogo interdisciplinar. É bem verdade que a Antropologia é interdisciplinar desde a fundação da “Escola”, Mauss, inclusive, estabelece a noção de “fato social total” para demarcar a necessidade de o antropólogo considerar todos os aspectos do fenômeno que estuda: econômico, político, biológico, psicológico, religioso, estético. A diferença está na escolha quanto às disciplinas consideradas no diálogo que os autores desenvolvem.

Lévi-Strauss, por exemplo, não aprofunda o diálogo com a Biologia, sua hipótese encontra argumentos na lingüística de Saussure e na Cibernética; a Biologia participa como meta-teoria, pois ele acredita que em função da universalidade da lógica binária, inclusive no pensamento selvagem, aquele ainda não informado pela herança Ocidental, deve haver homologia entre a natureza – o mundo orgânico (sabemos que ele é químico, elétrico, magnético e computacional) e o modo de funcionamento do cérebro; do contrário, como seria possível o isomorfismo das produções do “espírito” humano, entre nós e os “primitivos” e, entre essas duas metades da humanidade e a materialidade do mundo?

Durand dialoga com a Reflexologia, com a Epistemologia Genética de Piaget, com o Estruturalismo de Lévi-Strauss, com a Psicanálise (Freud), com a Cosmovisão de Bachelard e, com a etnografia; construindo um empreendimento complexo, ao qual pretendemos dedicar estudos mais completos.

Se, no início do século, Durkheim ao contribuir decisivamente para o estabelecimento da Sociologia, o faz “heroicamente”, pelo corte, separando-a da Psicologia Introspectiva e da Filosofia Social, no programa mesmo da Escola, a noção de “fato social total” preconiza a abordagem interdisciplinar para a elucidação do “fato social”. Mesmo porque, a interrelação entre o “soma” e a “psiquê”, foi objeto de análise de Mauss, em seu artigo sobre o “Efeito físico no indivíduo da idéia de morte sugerida pela coletividade” para compreender os casos em que o indivíduo se deixa morrer porque acredita que, de acordo com o padrão do grupo, ele, por transgressão ou ataque psíquico de inimigos, não pode continuar vivo.

É também Marcel Mauss – fortemente ligado à História Social (ao contrário de seu tio Durkheim que inaugura o funcionalismo-estrutural na França) – e, também interessado nos aspectos afetivos da sociabilidade, quem retomará o diálogo com a Psicologia, através de um outro artigo que trata das “Relações reais e práticas entre a Sociologia e a Psicologia”, projeto que será retomado por Roger Bastide em “Sociologia e Psicanálise”. Ou seja, há um intenso e intrincado debate interdisciplinar em torno da constituição mesma do pensamento humano, entendido enquanto imaginário social, e da relação entre grupo e indivíduo. Esse debate perpassa a produção da Escola e encontra eco na produção de vários intelectuais franceses contemporâneos. 

REFERENCIAS BIBLIOGRAFIAS

CEMIN, Arneide Bandeira. Entre o cristal e a fumaça: afinal o que é o imaginário? in Presença. Porto Velho, Universidade Federal de Rondônia, Ano VI, No. 14, 1998.

DURAND, Gilbert. A imaginação simbólica. São Paulo, Cultrix, 1988.

________. As estruturas antropológicas do imaginário, São Paulo, Martins Fontes, 1997.

________. O imaginário: ensaios acerca das ciências e da filosofia da imagem. Rio de Janeiro, Difel, 1998.

DURKHEIM, Émile. Sociologia e filosofia. São Paulo, Ícone, 1994.

________. As formas elementares da vida religiosa. São Paulo, Paulinas, 1989.

FOUCAULT, Michel. As palavras e as coisas. São Paulo, Martins Fontes, 1995.

LÉVI-STRAUSS, Claude. Mito e significado. Lisboa, Edições 70, 1985.

________. Antropologia estrutural. Rio de janeiro, Tempo Brasileiro, 1975. (Vol. I e II).

________. Totemismo hoje. São Paulo, Abril Cultural, 1985.

________. O pensamento selvagem. Campinas, Papirus, 1989.

MAUSS, Marcel. Sociologia e antropologia. São Paulo, EPU/EDUSP, 1974. (vol. I e II). 

sexta-feira, 17 de novembro de 2017

Geração Cabeça-Baixa e a Realidade Interseccional


A relação com a tecnologia na vida contemporânea, diferentemente das gerações passadas, quando podia-se optar por assistir ou não a TV, não nos deixa a escolha de ‘não integrar-se `a vida digital’ (desde o sistema bancário de emite holerits, até a escolha do medico no seu plano de saúde, é agora feito exclusivamente pela internet, o que significa que quem não está na rede se encontra excluído de dimensões sociais essenciais na vida de qualquer um), as formas de relacionar-se com esta tecnologia e com as pessoas, que são em última instancia, a rede, são inúmeras, tal qual as relações na vida real.

Mas uma delas é comum a praticamente todos os jovens, que mesmo quando resistem a ela, estão vivendo-a, pois se posicionam em relação `a mesma – A Vivência da Realidade Interseccional. Num bar, numa reunião de negócios, nas aulas da faculdade, ou mesmo na intimidade do casal, o smartphone parece uma extensão do corpo do usuário ao qual ele precisa recorrer em intervalos controlados de tempo. A sensação de ‘perda’ do momento presente quando a pessoa não se conecta `a rede para ‘saber o que está acontecendo’, seja checando emails, entrando no Facebook para ver quem comentou seu post ou quem está online, no Twitter para saber quem está onde fazendo o que, no Instagram para ver quem está no lugar mais legal, com quem, fotografando o que, entre muitas outras possibilidades que diferem de acordo com o interesse e valores do usuário, é a sensação de exclusão, seqüestro da realidade e falta de controle sobre ela.

Um jovem pode passar a semana planejando ir a uma festa descolada onde vai encontrar sua paquera e curtir com seus amigos, mas tão logo ele chega na festa, você o encontra, em diversos momentos – e entre alguns jovens, na maior parte dos momentos – de cabeça baixa, olhando para um artefato tecnológico na palma de sua mão que o poupa da sensação de falta de controle e vivência totalizadora, real, do momento presente. Ele está no lugar que queria, com as pessoas que queria, curtindo a realidade palpável que queria, mas, a noção de vivência da REALIDADE, de experienciar momento presente , apenas se torna fato para ele, quando o real offline e o ‘real online’ estão ao seu alcance, constituindo o conceito que denomino REALIDADE INTERSECCIONAL’, uma pára-realidade, constituída a partir das necessidades e percepções geradas pela era da internet, que constitui o ‘real de fato’ para as gerações atuais e influenciam gerações anteriores.

A REALIDADE INTERSECCIONAL é como uma nova forma de estar e vivenciar o mundo, a vida, as pessoas. Ela não é uma escolha, ela é um sistema que se engendra por um processo. Ela se torna parte da vida das pessoas sem que elas percebam. Ela é criticada pela maior parte das pessoas, mas as mesmas não a abandonam, no máximo, tentam controlar seus impulsos de buscar a totalidade da vivência interseccional acessando a internet para amenizar a sensação de obsolescência – algo está acontecendo ‘na rede’ e eu nnao estou sabendo, logo, eu não sou parte disso, eu me sinto excluído, eu preciso me integrar para que a sensação de falta de controle acabe.

Jean Baudrillard[2] falava da TV como uma atividade de conluio entre os telespectadores que, ao assistir ao jornal no horário nobre, se sentiam parte de um todo e vivendo um processo de integração e experiência do social. A internet, em especial as redes são este conluio exponencial que se torna vivência essencial na sociedade contemporânea. Consumimos a rede como consumimos a cultura, a arte, a musica, o ar, a comida, entendendo o consumo como um processo de fruição por meio do qual nos relacionamos com as pessoas, nos identificamos, nos diferenciamos e nos integramos por meio de nossas escolhas de bens tangíveis e intangíveis.

Mas sobretudo, na rede, consumimos aquilo que nos é mais precioso: a nós mesmos e `a pessoas. Nos tornamos o mais notável produto exposto em perfis a ser percebido, analisado, escolhido ou não e assim também nos relacionamos com outrem. Note-se que, como uma cientista do consumo, não concebo o tema consumo como um acordo frio e mecanicista que trona pessoas coisas sem humanidade, mas um processo onde coisas são instrumentos de relações humanas entre pessoas e representam o mais humano e relacional, constituído a partir de emoções, imaginário valores permeiam estas relações. Consumimos na redes avatares que se constituem como totens dos valores mais profundos que constituem a visão de mundo, a perspectiva sobre a realidade e orientam o comportamento na vida social. A rede são as pessoas `as quais nos conectamos num sistema de trocas simbólicas, tal qual entre os povos primitivos, num sistema de signos, significados, mitos, ritos e comportamentos que representam ordens sociais, cultura e engendram formas de ser e agir no real offline.

Theodor Adorno escreveu que “A Industria cultural é a integração deliberada, a partir do alto, de seus consumidores”[3]. A indústria digital é a nova industria cultural, é o meio como mensagem de MacLuhan, que integra pela mensagem que não necessita de palavras, do engajamento pelo código cultural manifesto – não é mais ‘o que se diz’, mas os diferentes grupos culturais, integrados na web, se definem e diferenciam por ‘como se diz’.

Fonte: ANTROPOLAB

terça-feira, 14 de novembro de 2017

IESE lança “Desafios para Moçambique 2017”


O Instituto de Estudos Sociais e Económico (IESE) lançou em Setembro, o livro “Desafios para Moçambique 2017”. O lançamento será feito no decorrer da 5a Conferência Internacional do IESE que teve lugar entre os dias 19 e 21 de Setembro de 2017 em Maputo.

Oitavo, da série “Desafios para Moçambique”, iniciada pelo IESE em 2010 e cujo objectivo é contribuir para o debate público sobre temas considerados relevantes para Moçambique, este livro tem a particularidade de ser lançado no ano do décimo aniversário desta instituição de pesquisa.

Em virtude disso, o “Desafios para Moçambique 2017” procura fazer um balanço do contributo intelectual do IESE ao longo dos últimos dez anos, localizando a sua investigação no contexto mais geral da literatura e debate sobre os temas focados, identificando o ciclo de investigação em que cada tema se encontra, sistematizando os contributos intelectuais e para o debate público nacional, e visualizando os caminhos futuros da investigação do IESE.

Como é habitual, o livro está organizado em quatro secções, nomeadamente política, economia, sociedade e Moçambique no mundo, e contém quinze artigos produzidos por catorze investigadores permanentes e associados do IESE.

Fonte: IESE

Carlos Pimenta - Desafios para Moçambique


Referência(s):

Luís de Brito, Carlos Castel-Branco, Sérgio Chichava, António Francisco (org.) (2011). Desafios para Moçambique. 2011, Maputo: Instituto de Estudos Sociais e Económicos

1. Desafios para Moçambique. 2011 é um livro recente organizado por Luís de Brito, Carlos Nuno Castel-Branco, Sérgio Chichava e António Francisco, com a participação de dezoito autores, produzido e editado pelo IESE – Instituto de Estudos Sociais e Económicos. Este instituto funciona em Maputo (Moçambique) e está aberto ao mundo através da sua página www.iese.ac.mz.

2. É o segundo ano consecutivo que o IESE lança um livro sobre Moçambique, que pretende intervir “sobre algumas das grandes questões que a sociedade moçambicana enfrenta, ou deve enfrentar”. É uma obra de intervenção política, que foi estimulada pelas reacções registadas quando do lançamento do livro referente a 2010: “as numerosas intervenções registadas … mostraram que, particularmente no seio dos jovens, a preocupação com os problemas do país alimenta o espírito de cidadania, não obstante um aparente desinteresse pela coisa pública”. Uma obra de intervenção política que não é politiqueira, conjuntural, ao sabor da ocasião, mas antes rigorosa, científica, gerando um “debate tão abrangente, inclusivo, pluralista, multidisciplinar, heterodoxo, inovador e útil quanto possível”. Gerar esse debate é “um dos papéis fundamentais dos intelectuais e investigadores na luta pela conquista, construção e exercício da cidadania” (p. 15), que em primeiro lugar tem de ser exercida no seu próprio país.

3. O tema central da obra é o Estado que, nas palavras dos autores, tem de responder “às necessidades do conjunto da sociedade e não apenas aos interesses de um pequeno grupo” (p. 16). Essa temática é brilhantemente iniciada por um texto de Óscar Monteiro que, a partir da “artificialidade histórica da construção do Estado em África” (p. 16), analisa a possibilidade de uma “refundação do Estado” de baixo para cima, assente na descentralização e na participação. O autor, caldeado na sua longa experiência política e na sua actividade de académico, levanta situações, formula problemas e lança desafios que, centrados sobre Moçambique, são universais e especialmente pertinentes para todos os países africanos.

4. Seguem-se-lhe dois outros artigos que analisam as experiências concretas de descentralização e um outro que trata da legislação eleitoral.

5. Porque o trabalho do IESE é multidisciplinar, muitas vezes capaz de criar novas problemáticas e de as abordar com a participação unificada de diversos saberes, após este primeiro grupo de textos sobre “Política” seguem-se outros sobre “Economia” e “Sociedade”, todos eles encastrados no tema central da obra. Os cinco estudos económicos analisam um tema central no mundo contemporâneo, particularmente acutilante em África, dada a sua dependência da ajuda externa: o financiamento do Estado. “[N]um contexto em que a decisão sobre políticas não é independente do financiamento externo, quando não é mesmo directamente condicionado … cria-se … uma situação em que o governo tende a ser mais reactivo e prestador de contas à «comunidade doadora» que aos seus cidadãos” (p. 17).

6. “Moçambique no mundo” é o objecto da quarta secção. Nela se detecta, entre outros aspectos, o conflito entre as necessidades do país e o tipo de relações externas: embora a agricultura seja, para Moçambique, a área prioritária para a cooperação, os investimentos externos “estão principalmente direccionados para a indústria extractiva e a construção” (p. 19). Na sequência desta constatação, defendem que a ajuda externa, enquanto necessária, deve “ser usada de forma a criar capacidades produtivas internas «diversificadas, articuladas e sustentáveis, capazes de alimentar a economia e satisfazer as necessidades objectivas do consumo social», cabendo ao Estado um papel de direcção estratégica do processo” (p. 19).

7. Estamos, em síntese, face a uma obra que é a resposta ao “desafio da construção de um Estado democrático” (p. 19), em que fica em aberto o que se entende por “Estado democrático”, cabendo a cada autor, na pluralidade e liberdade de conceptualização e intervenção, a apresentação científica da sua posição.

8. Feita a breve apresentação desde livro de leitura obrigatória para quantos se preocupam com a natureza do Estado em África, cabe dizer algumas palavras breves sobre o IESE, embora tudo o que possamos dizer esteja plasmado no seu sítio informático.

9. O IESE é uma organização moçambicana independente e sem fins lucrativos, cuja missão é a “promoção de investigação social e económica de alta qualidade e relevante sobre as problemáticas de desenvolvimento, governação, globalização e política pública em Moçambique e na África Austral, privilegiando uma abordagem de economia política, interdisciplinar e heterodoxa, e criando um espaço pluralista de estudo, debate e difusão de conhecimento e informação”.

10. O seu trabalho de investigação e divulgação tem sido notável desde a sua constituição em 19 de Setembro de 2007, sempre orientado por uma postura de rigor, interdisciplinaridade e heterodoxia, de reflexão crítica sobre a sociedade.

11. Centrados sobre Moçambique, analisam o mundo e lançam debates, reflexões e hipóteses de soluções que são universais.

12. Ao apresentarmos estas breves notas de leitura, esperamos estar a contribuir para que outras instituições com preocupações similares estabeleçam relações de cooperação com o IESE, reforçando um diálogo em rede, sobre África e em África, que é fundamental.

Para citar este artigo

Referência do documento impresso

Carlos Pimenta, «Desafios para Moçambique », Revista Angolana de Sociologia, 7 | 2011, 197-198.

Referência electrónica

Carlos Pimenta, « Desafios para Moçambique », Revista Angolana de Sociologia [Online], 7 | 2011, posto online no dia 13 Outubro 2016, consultado no dia 14 Novembro 2017. URL: http://ras.revues.org/1244

Autor: 

Carlos Pimenta

Economista. Doutor em Economia e Professor Catedrático na Faculdade de Economia da Universidade do Porto. Fundador e investigador do Centro de Estudos Africanos da Universidade do Porto. Fundador e director do Observatório de Economia e Gestão de Fraude. Tem como áreas fundamentais de investigação a globalização, o desenvolvimento em África, a economia subterrânea, a fraude, a interdisciplinaridade e a epistemologia da Economia. É autor, dentre outros, dos livros Globalização: Produção, Capital Fictício e Redistribuição, Ideias. Economia (2004), Pensar a Economia (Exercícios de Economia) (1993/1996), Salários em Portugal (1989), Economia Portuguesa. Uma Experiência, uma Análise (1984), Como fazer o Controlo de Produção (1983), Os Monopólios e a Política Antimonopolista no Portugal de Hoje (1975) e co-autor de Um Olhar sobre os Rankings (2004), A Estratégia Nacional de Portugal desde 1926 até 2000 (2002), La stratégie nationale du Portugal de 1926 à nos jours (2000), Curva de Phillips em Portugal (1983).

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